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Por O Globo — Londres

Após apresentar uma controversa nova proposta de imigração que permitiria a expulsão de praticamente todos os imigrantes que chegam irregularmente ao país, o governo britânico veio a público se defender nesta quarta-feira. As críticas, feitas por vozes tão dispares quanto a Organização das Nações Unidas (ONU) e o ex-atacante Gary Liniker, foram imediatas: acusam o governo do premier Rishi Sunak de violar os direitos humanos e comparam o plano com práticas nazistas. E nem sequer Londres pode confirmar se o projeto está dentro dos parâmetros da legislação internacional.

Direto ao ponto: Qual é o novo projeto de imigração britânico e por que ele é criticado?

  • Apresentada na terça, a medida prevê que imigrantes que chegam irregularmente ao Reino Unido não possam apresentar pedidos de asilo;
  • Os imigrantes, que também ficarão vetados de reingressar legalmente no Reino Unido, serão deportados ou enviados para "terceiros países seguros";
  • O projeto é amplamente criticado por ONGs, pela ONU e pela oposição, despertando inclusive comparações com iniciativas nazistas;
  • As travessias pelo Canal da Mancha aumentaram quase 500% no último biênio, chegando a 45 mil no ano passado;
  • Com o novo projeto, os custos para deter tanta gente seriam exorbitantes para uma economia debilitada após o Brexit;
  • O sentimento anti-imigração é forte no Reino Unido e foi chave para o processo que culminou no divórcio da União Europeia;
  • O próprio governo britânico questiona a viabilidade jurídica da iniciativa, admitindo que pode violar leis de proteção aos direitos humanos.

Qual é o projeto do governo britânico para a imigração?

Em um discurso no Parlamento na terça, a ministra do Interior, Suella Braverman, anunciou o que Sunak havia antecipado em janeiro como uma de suas cinco "prioridades para o povo". Se aprovada, a proposta de lei imigratória impedirá que as pessoas que desembarcam irregularmente por rotas "ilegais e inseguras" — seja por botes no Canal da Mancha ou na caçamba de caminhões, por exemplo — apresentem pedidos de asilo.

A medida permitiria a detenção de tais imigrantes por 28 dias e, "a partir daí, desde que haja um prospecto razoável de remoção", até que sejam deportadas. O objetivo é enviá-las para seus países de origem e, quando isso não for possível, mandá-las para um "terceiro país seguro". A Secretaria do Interior, afirma o texto, terá o "dever legal de removê-los".

Os imigrantes ficarão banidos por toda a vida de reingresso legal no país, da obtenção de abrigo ou da cidadania britânica. Também não poderão recorrer a leis antiescravidão para contestar sua remoção, argumentando que são vítimas de tráfico humano.

As poucas exceções incluem menores de 18 anos, aqueles que têm problemas médicos que impeçam o embarque em aviões ou que corra risco de vida no país para o qual seriam deportados. Mesmo nesses casos, uma pessoa teria um máximo de 45 dias para ficar no Reino Unido antes do fim de seu pedido de asilo.

A imigração irregular pelo Canal da Mancha é grande?

O projeto de lei é uma tentativa de Sunak para frear a imigração irregular, principalmente pelo Canal da Mancha, que separa o Reino Unido da França. As travessias aumentaram quase 500% no último biênio.

Em 2022, 45.755 mulheres, homens e crianças atravessaram a passagem em barcos pequenos. Só neste ano, segundo números oficiais, as travessias já estão além de 3 mil — a projeção é que o número passe de 80 mil até o fim de dezembro.

O novo projeto também determina um teto anual para o número de refugiados que o Reino Unido poderá receber por meio de rotas "legais e seguras". A cota seria determinada pelos parlamentares depois que o problema dos barcos for solucionado, disse Braverman, prometendo também rotas "seguras" quando o imbróglio for resolvido.

Há capacidade para prender todos os imigrantes?

O governo britânico tem hoje instalações capazes de comportar cerca de 2,9 mil imigrantes detidos, segundo estimativas do Conselho de Refugiados. Prender todos que tentam chegar ao país por "rotas ilegais e inseguras", portanto, demandaria muito mais espaço.

De acordo com a imprensa britânica, o governo planeja transformar bases da Força Aérea Real (RAF) em Essex, no sudeste britânico, e em Lincolnshire, no oeste, em centros de detenção. Mesmo assim, a capacidade não chegaria perto do adequado. A manutenção também é uma questão, já que o governo desembolsa cerca de 120 libras (R$ 735) por dia para um único detido.

A implementação do projeto custaria dezenas de milhões de libras a mais para um país que tem a segunda pior previsão de crescimento para este ano entre as nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atrás apenas da Rússia — algo que analistas afirmam ser indissociável das consequências do Brexit, o divórcio britânico da União Europeia, concluído em 2021.

As tentativas de combater a imigração são de hoje?

O sentimento anti-imigração foi catalisador e alimento da ascensão populista e de extrema direita que o planeta viu no meio da década passada. O fenômeno coincidiu com a onda de imigrantes que chegaram à Europa durante a crise migratória de 2015, vindos principalmente da Síria, do Iraque, do Afeganistão e de países no Norte da África.

A xenofobia foi aproveitada por políticos conservadores para mobilizar a base para o referendo de 2016, em que os britânicos votaram pelo divórcio do Reino Unido. Foi também chave para os conservadores durante todo o processo de negociação da ruptura, que custou a cabeça de dois primeiros-ministros do partido, David Cameron e Theresa May. Foi um terceiro nome conservador, Boris Johnson, que conseguiu finalizar o processo.

No ano passado, Boris foi amplamente criticado por firmar um acordo de 120 milhões de libras com Ruanda para despachar dezenas de milhares de imigrantes que cruzam o Canal da Mancha para lá. Há negociações similares com outros países, afirma a imprensa britânica, mas nenhuma sacramentada.

Qual é a viabilidade jurídica do projeto?

O acordo com Ruanda está bloqueado pela Justiça, já que o primeiro voo para Kigali foi proibido de decolar pela Corte Europeia de Direitos Humanos, da qual o Reino Unido continua a fazer parte mesmo após o Brexit. Há um movimento entre os conservadores mais ferrenhos, contudo, para abandoná-la caso o tribunal prove-se um empecilho muito grande.

Instâncias intermediárias da Justiça britânica determinaram a legalidade do projeto, mas processos ainda tramitam pelas esferas mais altas. Até um veredicto definitivo, os aviões não podem sair do solo.

O próprio governo admite não ter certeza da legalidade do plano. Braverman disse estar "confiante" de que o projeto é compatível com as "obrigações internacionais", mas disse que a abordagem "nova e robusta" impede do governo de garantir que as legislações de direitos humanos são respeitadas. Em uma carta para parlamentares conservadores, afirmou que há mais de 50% de chance de o projeto ser incompatível com a Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Sem a possibilidade de mandar os refugiados para um terceiro país ou de retorná-los para países em cenários dramáticos, o mais provável é que fiquem nas prisões britânicas.

O que dizem os críticos?

Uma série de organizações defensoras dos direitos humanos sustenta que o projeto viola a lei internacional e a Convenção dos Refugiados de 1951, firmada após vários países negarem abrigo a judeus durante a Segunda Guerra Mundial. O alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, disse nesta quarta estar "profundamente preocupado" com a iniciativa.

— Essa proibição geral que impede as pessoas de solicitar asilo e outras formas de proteção internacional no Reino Unido estaria em contradição com as obrigações assumidas no campo dos direitos humanos e do direito dos refugiados — disse Turk.

A oposição trabalhista, mais bem vistos pela opinião pública que os conservadores, também foram rápidos em suas críticas. A parlamentar Diana Johnson, por exemplo, questionou os custos e a logística da operação, enquanto o líder do partido, Keir Starmer, disse que as políticas migratórias dos opositores são "um fracasso completo".

As críticas que mais movimentaram os tabloides, contudo, foram as do ex-atacante Gary Lineker, hoje comentarista de futebol da BBC. Na terça, ele postou um tuíte afirmando se tratar de uma "política incomensuravelmente cruel dirigida contra as pessoas mais vulneráveis em uma linguagem não muito diferente daquela usada pela Alemanha na década de 1930".

E como o governo britânico se defendeu?

Entrevistada na rádio BBC, Braverman, que foi criticada no passado por seus comentários sobre a imigração irregular, disse que estava "evidentemente decepcionada com a comparação de nossas medidas com as da Alemanha na década de 1930".

— Não acho que seja uma maneira adequada de conduzir o debate — disse ela, que deu uma série de entrevistas a veículos britânicos nas últimas horas defendendo o plano.

A iniciativa também foi defendida por Sunak em sua tradicional aparição ao Parlamento às quarta-feiras, quando responde a perguntas de parlamentares. Ele afirmou que parar o fluxo dos pequenos barcos é uma "prioridade" para o povo britânico e que a iniciativa será bem-sucedida.

Sunak é ele mesmo neto de imigrantes que foram do norte da Índia para o Reino Unido na década de 1960. Sua identidade, contudo, também é muito associada à fortuna que adquiriu enquanto trabalhava como analista do banco Goldman Sachs e funcionário de um fundo especulativo, e a seu casamento com a filha de um bilionário indiano.

O que diz a lei atual de imigração britânica?

Pelo processo atual de imigração, um pedido de asilo pode ser considerado inadmissível se o solicitante tiver apresentado um requerimento similar em outro lugar, tenha tido a possibilidade de fazer isso ou caso o governo britânico tenha garantido uma forma de removê-lo para outro país. A Secretaria do Interior tem hoje uma taxa de sucesso de 0,3% para provar a inadmissibilidade dos pedidos por meio do mecanismo.

No ano passado, metade dos imigrantes que cruzaram o Canal da Mancha vieram do Afeganistão, da Eritreia, do Sudão ou da Síria. Ao menos 80% de seus pedidos de asilo são concedidos. No geral, dois terços dos pedidos de asilo apresentados por quem chega pela travessia marítima são considerados legítimos. Para dar entrada na solicitação, é necessário estar presencialmente em solo britânico.

Para fins comparativos, mais de 210 mil vistos foram emitidos para cidadãos ucranianos viajarem para o Reino Unido no ano passado. Não há registros de cidadãos do país, de quem o Reino Unido é um grande aliado no conflito contra a Rússia, tentando cruzar o Canal da Mancha.

No total, das 18 mil pessoas consideradas aptas para aplicar para pedidos de asilo no Reino Unido em 2022, só 21 foram deportadas. Além disso, há 160 mil solicitações na fila para serem analisadas. O governo, portanto, deve ter maiores problemas para implementar sua ideia mais recente, se aprovada.

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