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Uma das áreas mais densamente povoadas do planeta, a Faixa de Gaza reúne praticamente todos os desafios ensinados aos soldados sobre um ambiente de guerra urbana: emboscadas em arranha-céus e casas em ruínas, linhas de visão obstruídas e, por todo o lado, civis vulneráveis ​​sem onde se esconder. Mas à medida que as forças terrestres israelenses avançam lentamente em Gaza, o perigo maior pode estar longe dos olhs, e bem debaixo dos seus pés.

A anatomia da rede de túneis na Cidade de Gaza — Foto: Arte O GLOBO
A anatomia da rede de túneis na Cidade de Gaza — Foto: Arte O GLOBO

LABIRINTO SUBTERRÂNEO

Os militantes do Hamas que lançaram um violento ataque contra Israel no dia 7 de outubro construíram um labirinto de túneis que alguns acreditam se espalhar pela maior parte do território — lideranças do grupo chegaram a dizer que eles se estendem por 500 km, a até 20 metros de profundidade. E não são simples túneis cavados com pás, como os vistos em fugas de presídios.

Localizadas em densas áreas residenciais, as passagens permitem que os combatentes se movam sem chamar a atenção do inimigo. Essas estruturas têm, além das passagens, armazéns para armas, alimentos e água, além de salas de reunião e planejamento de operações. Especialistas acreditam que em alguns trechos seja possível transitar com veículos como motocicletas.

Portas e escotilhas disfarçadas, por vezes em barrancos ou portas inocentes à primeira vista, servem como pontos de acesso, permitindo que os combatentes do Hamas saiam em missões e depois sumam de vista. Ninguém de fora do grupo terrorista tem acesso ao mapa completo da rede, com raras exceções ao longo das últimas décadas.

Mas fotos, vídeos e relatos de pessoas que estiveram nos túneis permitem traçar um retrato, mesmo que básico, do sistema, e de como ele é usado. O material inclui fotografias tiradas por jornalistas no interior das passagens, relatos de pesquisadores que estudam os túneis e detalhes obtidos pelos próprios israelenses depois da invasão de Gaza em 2014, que durou pouco mais de um mês.

Como os túneis são utilizados em Gaza — Foto: Arte O GLOBO
Como os túneis são utilizados em Gaza — Foto: Arte O GLOBO

'TEIA DE ARANHA'

Destruir os túneis é um ponto central nos planos de Israel para aniquilar a liderança do Hamas depois dos ataques de 7 de outubro. E a existência deles foi usada como justificativa para bombardear áreas civis, especialmente depois de um grande ataque aéreo contra a região de Jabaliya, onde há um grande campo de refugiados. O Hospital al-Shifa, invadido pelas tropas na terça-feira, também é apontado como um centro de comando do grupo terrorista, e que teria ligações com a rede de túneis. O Hamas negou que os seus túneis estivessem sob alguns dos locais atingidos por Israel, e é muitas vezes impossível verificar as afirmações de Israel.

Para destruir túneis, os israelenses precisarão encontrar entradas que estão muitas vezes escondidas dentro de edifícios civis, e que levam aos túneis construídos com concreto armado. Eles têm cerca de 1,80m de altura e 1m de de largura, o que forçaria as unidades de combate, como os comandos Samur ("doninha"), especializados em ações dentro dos túneis, a caminhar em uma fila única.

Yocheved Lifshitz, uma israelense de 85 anos mantida refém durante 17 dias nos túneis depois de ter sido raptada em 7 de outubro, descreveu ter sido conduzida através de uma rede de túneis que se assemelhava a uma “teia de aranha”. Depois de cerca de duas horas de caminhada, finalmente chegou a um grande salão onde também estavam cerca de 25 reféns, incluindo alguns do kibbutz onde ela vivia, o de Nir Oz.

Acredita-se ainda que existam mais de 200 reféns israelenses em poder do Hamas, e muitos provavelmente estão nos mesmos túneis que Israel tenta entender e destruir. O premier Benjamin Netanyahu disse que trazê-los para casa é um dos dois principais objetivos da operação militar, sendo o outro “destruir o Hamas”. Mas os túneis usados ​​para esconder equipamentos, armas, reféns e combatentes do Hamas não são as únicas passagens escondidas em Gaza.

Depois que o Hamas chegou ao poder em um violento golpe armado, em 2007, o que também levou ao reforço do bloqueio de Israel ao território, uma extensa rede de túneis de contrabando surgiu na fronteira entre Gaza e o Egito, na região de Rafah. Estes túneis são utilizados para contornar o bloqueio e permitir a importação de uma grande variedade de mercadorias, desde armas e equipamentos eletrônicos até materiais de construção e combustível. Em meados de 2010, o governo do Egito estimou que mais de mil dessas passagens estivessem em uso.

As autoridades egípcias tentaram destruir estas rotas de contrabando, e chegaram a bombear água do mar para inundar a rede e fazer com que alguns dos túneis desabassem — Israel também realizou uma série de bombardeios para inutilizar as passagens. Mas especialistas dizem que muitas continuam em operação, e outras foram abertas para substituir as danificadas..

Os túneis no subterrâneo de Gaza também são usados para o contrabando — Foto: Arte O GLOBO
Os túneis no subterrâneo de Gaza também são usados para o contrabando — Foto: Arte O GLOBO

ARMADILHAS POR TODOS OS LADOS

Apesar da capacidade militar israelense ser muito superior à do Hamas, seja em tamanho ou qualidade dos equipamentos, lutar contra um inimigo em sua própria rede de túneis é uma tarefa de alto risco.

John Spencer, que estuda guerrilha urbana no Instituto de Guerra Moderna, ligado à Academia Militar dos Estados Unidos, disse que a batalha nos túneis "é mais parecida com lutar no fundo do mar do que na superfície ou dentro de um prédio".

— Nada do que você usa na superfície funciona — disse recentemente no podcast Modern Warfare Project. — Você precisa ter equipamentos especializados para respirar, enxergar, navegar, se comunicar e para empregar meios letais, especialmente disparos de armas de fogo.

Disparos só podem ser feitos com dois soldados por vez, um em pé e o outro agachado, o que daria uma vantagem teórica àqueles que se defendem no local. Granadas e lançadores de foguetes são ineficazes e a explosão pode atingir também as tropas de ataque — se estiverem com óculos de visão noturna, a luz emitida pelos disparos podem atrapalhar os equipamentos, e eventualmente as tropas poderão ser obrigadas a usar armas de menor calibre, como pistolas, ou até mesmo facas. Em treinamentos, soldados chegam a usar silenciadores, não para abafar o barulho, mas sim para reduzir o flash do disparo.

Um dos maiores riscos de entrar nos túneis é que o Hamas instalou armadilhas com explosivos nas entradas dizem especialistas.

— No momento em que eles perceberem que os israelenses entraram nos túneis, vão apertar o botão e tudo vai desabar em cima dos soldados — disse ao New York Times Ahron Bregman, professor do King's College, de Londres, especializado no conflito Árabe-Israelense.

Os combatentes do Hamas escavam mais túneis rapidamente — Foto: Arte O GLOBO
Os combatentes do Hamas escavam mais túneis rapidamente — Foto: Arte O GLOBO

'UM CONTRA UM'

Apesar do escopo da operação, as forças israelenses provavelmente não conseguirão destruir toda a rede de túneis.

— É muito grande e não faz sentido destruir tudo — disse o Dr. Bregman.

Ao invés disso, os militares devem se concentrar em bloquear as entradas dos túneis, utilizando também os ataques aéreos ou detonando os locais em terra, com explosivos. Também é pouco provável que levem os combates para debaixo da terra, a menos que se vejam sem escolha.

Entrar nos túneis retiraria as vantagens das forças israelenses, disse Bregman. Neste momento, eles estão avançando com tropas, tanques e helicópteros em Gaza.

— Quando você chega ao túnel, é um contra um — concluiu. (Com The New York Times)

Os desafio das forças israelenses para desabilitar os túneis em Gaza — Foto: Arte O GLOBO
Os desafio das forças israelenses para desabilitar os túneis em Gaza — Foto: Arte O GLOBO
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