Mundo Guerra na Ucrânia

'Rússia, nossa pátria sagrada': a volta às aulas em uma cidade ucraniana ocupada

As casas destruídas em Volnovaja são testemunhas da disputa na região, situada no meio do caminho entre a capital separatista de Donetsk e Mariupol
Moradores passam por edifício residencial danificado por forças russas na cidade de Volnovaja, controlada pelos separatistas, na região de Donetsk Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO / REUTERS/15-3-2022
Moradores passam por edifício residencial danificado por forças russas na cidade de Volnovaja, controlada pelos separatistas, na região de Donetsk Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO / REUTERS/15-3-2022

VOLNOVAJA,  Ucrânia — No pátio da escola da pequena cidade de Volnovaja, no Sudeste da Ucrânia, destruída por combates e ocupada pelas tropas russas , o hino nacional da Rússia recebe os alunos sob o olhar de soldados armados. Dezenas de crianças fazem fila em frente ao estabelecimento para a cerimônia de volta às aulas, um mês depois de esta cidade cair nas mãos do Exército russo e de seus aliados separatistas.

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Quando soa o hino, as crianças escutam, mas não cantam, pois não sabem a letra. O mesmo acontece com o hino dos separatistas.

"Rússia, nossa pátria sagrada (...) Uma poderosa vontade, uma grande glória. São tua herança por toda a eternidade!", ressoa o hino nos alto-falantes, um dos poucos dispositivos elétricos que ainda funcionam.

Aqui não há nem eletricidade, nem telefone, segundo jornalistas da AFP que viajaram a Volnovaja em uma visita organizada pelo Exército russo.

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As muitas casas destruídas em Volnovaja são testemunhas da disputa da cidade, situada no meio do caminho entre a capital separatista de Donetsk e a cidade portuária de Mariupol , que sofre há um mês e meio com o assédio das forças russas.

Volnovaja, que tinha cerca de 20 mil habitantes antes da guerra, foi "liberada" dos "neonazistas" ucranianos, segundo a narrativa russa, e a vida deve seguir seu curso.

— É hora de aprender. Depressa, crianças! — grita a seus colegas uma menina pequena de bochechas rosadas, com um microfone na mão e tranças nos cabelos.

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Os dirigentes do colégio estão atrás dela, junto de uma bandeira russa e de outra, dos separatistas. Distante dali, mas visível, um soldado com touca ninja e capacete observa a cena, com uma metralhadora nas mãos.

Sobreviver ao horror

A conquista de Volnovaja, em 11 de março, permitiu à Rússia cercar pelo norte a cidade de Mariupol, um porto estratégico no Mar de Azov, que já era atacado pelo leste e pelo oeste.

Antes disso e durante duas semanas, as defesas ucranianas da cidade sofreram ataques importantes.

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Um mês depois da tomada de Volnovaja, os escombros cobrem as ruas e muitas casas; lojas e infraestruturas civis estão em ruínas. Em frente a um hospital destruído, as árvores foram cortadas em dois pelos estilhaços.

A escola Nº 5, situada no centro da cidade, também foi alvo de bombardeios, e muitas salas de aula desapareceram.

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— Sobrevivemos ao horror, houve terríveis bombardeios — conta Liudmila Jmara, de 52 anos, funcionária da escola. Mas ela preferiu ficar porque "o melhor lugar para se estar é em casa".

Ela diz querer que Volnovaja faça "parte da Rússia" e que ninguém a "obrigue" a falar ucraniano nesta região do Donbass majoritariamente falante de russo.

Moscou justifica sua intervenção militar na Ucrânia como um dever de proteção aos "russos" do Donbass.

Viver 'em um buraco'

O Exército russo não deixa nada ao acaso, nem mesmo diante da ausência de resistência armada: carros blindados e veículos militares russos com a letra "Z" pintada patrulham a cidade em meio a civis em bicicleta.

O hospital municipal funciona parcialmente, apesar da falta de energia elétrica.

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Na penumbra, uma enfermeira, Natalia Nekrasova-Mujina, de 46 anos, afirma que os pacientes (tanto crianças, quanto adultos e idosos) chegam sobretudo com ferimentos provocados por explosões de obuses.

A vida para os que ficaram continua sendo um desafio.

— Não temos gás, água, eletricidade, nem telefone. Vivemos como que dentro de um buraco — diz Liudmila Dryga, uma aposentada de 72 anos.

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Svetlana Shtsherbakova, 59 anos, afirma ter perdido tudo em um incêndio que arrasou sua casa.

— Só nos chegou ajuda humanitária uma vez — explica com um fio de voz esta ex-chefe de segurança de um supermercado.

Um funcionário da companhia ferroviária, Anton Varusha, de 35 anos, considera que menos da metade dos moradores da sua rua voltaram vivos para Volnovaja.

— Ainda não sei se vou ficar. Por enquanto tenho meus pais, que são idosos e estão doentes — diz. — Tentamos ouvir emissoras de rádio diferentes para entender o que está acontecendo. Mas é difícil ter outras fontes de informação sem internet ou eletricidade.