Mundo Rússia

Ucrânia teme queda de Mariupol e espera ofensiva russa no Leste; depósitos de gás podem ter influenciado estratégia do Kremlin

País, que é importador de insumos energéticos, possui reservas não exploradas, muitas delas em Donbass, um dos principais cenários do conflito
Trabalhadores de serviços de emergência removem destroços em prédio atingido durante combates em Mariupol Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO / REUTERS
Trabalhadores de serviços de emergência removem destroços em prédio atingido durante combates em Mariupol Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO / REUTERS

Autoridades ucranianas e serviços de inteligência do Ocidente afirmam que as forças russas estão preparando uma nova ofensiva no Leste da Ucrânia, ponto central do conflito iniciado em fevereiro e da crise político-militar vivida pelo país desde o início de 2014.

Um dos principais alvos das forças do Kremlin é Mariupol, onde o presidente Volodymyr Zelensky afirma terem morrido "dezenas de milhares de civis" no cerco russo que se prolonga há quase dois meses. Ao mesmo tempo, analistas apontam para um outro fator que pode ter influenciado a decisão de Vladimir Putin de lançar a invasão: as reservas de gás da Ucrânia, concentradas justamente no Leste do país em boa parte ainda inexploradas.

— A Rússia está preparando mais uma ofensiva, tentando quebrar nossa resistência nacional. Os ocupantes concentram dezenas de milhares de soldados e uma grande quantidade de equipamentos para tentar atacar novamente — afirmou Zelensky, em discurso ao Parlamento sul-coreano.

Devastação: Guerra já causou prejuízo de cerca de US$ 600 bilhões à Ucrânia, aponta estudo

Desde a decisão russa de "reduzir drasticamente" as operações contra a capital, Kiev, e contra Chernihiv, no Norte da Ucrânia, para concentrar suas ações na "liberação de Donbass", as autoridades ucranianas expressam o temor de um ataque de grande porte contra áreas das províncias de Donetsk e Luhansk, na região conhecida como Donbass, que ainda não estão sob controle dos separatistas pró-Moscou.

Versões: Sanções ocidentais contra russos comuns impulsionam apoio a Putin

Um dos "casus belli" apontados por Putin era o que ele chamava de "genocídio da população russa" na Ucrânia, com menções recorrentes aos combates entre os separatistas e as forças ucranianas desde o início da guerra civil na região, em 2014. Recorrer ao argumento da "liberação de Donbass" pode ser visto também, de acordo com analistas, como uma forma de não reconhecer que a estratégia inicial de controlar todo o país — incluindo Kiev — em questão de dias foi um fracasso.

— De um ponto de vista militar, há uma questão entre sucesso e moral, ter soldados sentados ao redor de Kiev sendo alvejados, qual a lógica disso? — afirmou, em entrevista à CNBC, Christopher Granville, ex-diplomata britânico e pequisador na consultoria TS Lombard. — É fato que os soldados precisam ter um objetivo, o objetivo aqui é conquistar territórios, e é essa a campanha em Donbass. Os soldados podem ver por que estão lutando e ver seu progresso.

Experiente em combate: Saiba quem é o novo comandante das tropas russas na Ucrânia

Até o momento, não se pode cravar que uma nova fase da guerra, agora em Donbass, tenha começado. Por enquanto, governos ocidentais afirmam, citando dados de inteligência, que a movimentação está voltada ao reforço e ao abastecimento das tropas no Leste, hoje concentradas nos arredores de Izium, a cerca de 180 km de Donetsk, onde há um grande comboio militar. Também foram observadas movimentações de soldados hoje baseados na Bielorrússia, e que agora estão a caminho de Donetsk.

Nesta etapa, tomar o controle de Mariupol é central para os objetivos russos: segundo analistas militares, isso permitiria com que as forças do país se movimentassem de maneira mais livre pelo Sul ucraniano, e concentrando forças também na batalha pela cidade de Kherson, hoje alvo de uma contra-ofensiva das forças de Kiev.

Massacre: Mais de 1.200 corpos são encontrados na região de Kiev, afirma procuradora ucraniana

De acordo com uma análise do Instituto para o Estudo da Guerra, há apenas dois pontos de resistência dentro de Mariupol: no porto principal, no Sudoeste da cidade, e na metalúrgica Azovstal, no Leste. Para tentar vencer as forças ucranianas, os russos estão usando artilharia, ataques aéreos e, segundo o governo britânico, munições de fósforo branco, praticamente destruindo o que era, até pouco tempo, uma importante cidade portuária no Mar de Azov.

— Há dezenas de milhares de mortos, mas, apesar disso, os russos não estão interrompendo sua ofensiva — afirmou Zelensky, se dirigindo ao Parlamento sul-coreano.

Diante do acesso praticamente nulo de serviços independentes de assistência humanitária à cidade, não é possível confirmar as alegações do governo ucraniano, mas relatos de moradores que conseguiram deixar a região trazem imagens de horror e de "corpos espalhados pelas ruas".

Depóstos de gás

Além dos motivos alegados oficialmente pelo Kremlin para a invasão, incluindo a pretensão da Ucrânia de entrar para a Otan, a aliança militar ocidental.analistas apontam para um outro fator, pouco mencionado e que pode ter influenciado na decisão de atacar: os depositos de gás ucranianos, localizados em boa parte no Leste.

'Uma grande tragédia': Sem dar números, Rússia admite 'importantes baixas na Ucrânia'

Segundo estimativas, a Ucrânia tem a segunda maior reserva de gás natural da Europa, 1,09 trilhão de metros cúbicos, atrás apenas da Noruega, mas pouco explora seu potencial energetico, resultado de políticas adotadas ainda nos tempos da União Soviética e das turbulências que marcaram os anos depois da independência. A estimativa da Agência Internacional de Energia inclui os campos da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.

A maior parte dos depósitos está justamente na região da bacia dos rios Dniéper e Donets, no Leste, com quase 80% das reservas, seguidas pela região do Cárpatos, no Leste, com 13%, e do Sul, com 6%, incluindo o Mar de Azov.

— Sob o pretexto de uma invasão, Putin está executando um enorme roubo — afirmou ao New York Times David Knight, especialista canadense no setor global de energia.

A Ucrânia importa cerca de 35% do gás consumido, e nos meses que antecederam o início do conflito ampliou suas compras em nações da União Europeia.

Entrada 'em breve': Kremlin diz que adesão da Suécia e Finlândia à Otan 'não estabilizará Europa'; Estocolmo inicia debate sobre ingresso

Essa pode ter sido uma forma encontrada por Putin para reforçar seu controle sobre o suprimento de gás para a Europa — até o início do conflito, a Rússia fornecia cerca de 40% de todo o produto consumido pelo continente. Contudo, a resposta conjunta das autoridades regionais, sinalizando que reduzirão a dependência energética dos produtos russos a médio prazo, pode ter atrapalhado os planos.

A duração do conflito e seus altos custos, combinados com as sanções internacionais, também poderão afetar eventuais projetos para explorar os depósitos: segundo estudo do Instituto Ucraniano para o Futuro, de 2016, seriam necessários US$ 3,5 bilhões para o desenvolvimento dos campos de extração e a construção de gasodutos.

O cálculo não inclui novos fatores, como a necessidade de reconstrução das áreas destruídas no conflito ou mesmo um fracasso na manutenção dos territórios ocupados. Por fim, os russos precisariam encontrar clientes para um gás que virá de áreas cuja soberania será contestada, e que provavelmente estará sob sanções.