Tâmara, incenso e cominho: cervejeiro usa receita milenar para recriar bebida que faraós tomavam, nos EUA

Americano reuniu figos raros e uma cepa de fermento do ano 850 a.C. para criar bebida

Por , Em The New York Times


Dylan McDonnell, um cervejeiro amador nos arredores de Salt Lake City, acredita que sua bebida é a que mais se aproxima do que Ramsés, o Grande, pode ter apreciado. The New York Times

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 26/06/2024 - 04:01

Cerveja de Ramsés: uma recriação milenar.

Um cervejeiro amador dos EUA recria uma cerveja milenar egípcia, inspirado por receitas antigas e fermento do ano 850 a.C., resultando em uma bebida complexa e refrescante chamada 'Cerveja de Ramsés'.

O americano Dylan McDonnell teve uma ideia no início da pandemia, inspirado pela febre de pão de fermento natural. O cervejeiro amador de Utah, nos Estados Unidos, viu Seamus Blackley, um designer de videogames, se vangloriando nas redes sociais sobre fazer pão com fermento egípcio de 4,5 mil anos e se questionou se poderia usar para produzir cervejas. A resposta chegou recentemente na forma de uma cerveja âmbar que McDonnell acredita ser o mais perto do que Ramsés, o Grande, poderia ter bebido entre as batalhas com os hititas.

Nos últimos anos, houve tentativas de recriar a cerveja dos vikings, das dinastias Shang Tardia e Zhou Ocidental da China, e dos sumérios, que são considerados os inventores da cerveja.

— Essas cervejas podem ser muito variadas. O que era bom 500 ou mil anos atrás provavelmente não é nada parecido com o que consideramos bom hoje — disse Neil Witte, especialista em cerveja da Craft Quality Solutions em Kansas City, Missouri.

O americano, que é diretor de operações de uma organização sem fins lucrativos que ajuda pessoas com deficiência, não tem desejo de competir com cervejeiros profissionais — ou de comercializar sua própria criação. Apesar disso, acredita que foi mais longe do que outros na busca pelos ingredientes exatos que os antigos egípcios usavam.

— Embora o vinho seja frequentemente associado à civilização greco-romana, a cerveja era integral para as sociedades antigas no Levante e no antigo Oriente Próximo. Todos bebiam cerveja porque, muitas vezes, a água estava contaminada — disse Marie Hopwood, estudiosa de cerveja antiga na Vancouver Island University.

Restringido pelo trabalho e pela família, McDonnell levou mais de três anos para realizar o que descreveu como sua ideia "maluca". Primeiro, ele consultou o Papiro de Ebers, um texto egípcio de receitas médicas de 1500 a.C. Uma receita pede "gordura de um leão de aparência feroz" para curar a calvície masculina, por exemplo, enquanto outra sugere uma mistura de sal, gordura do leite, cerveja doce e mel "para ser derramada nas nádegas" de mulheres com dor ginecológica.

Com isso, ele eventualmente encontrou cerca de 75 receitas de cerveja e compilou os ingredientes em uma planilha. Eventualmente, o cervejeiro se estabeleceu nos oito mais frequentemente mencionados: tâmaras do deserto, mel Sidr do Iêmen, figos de sicômoro, passas douradas de Israel, bagas de zimbro espinhoso, fruto de alfarroba, cominho preto e incenso.

Ingredientes usados por cervejeiro amador para produzir cerveja que egípcios tomavam — Foto: Reprodução/Redes sociais

McDonnell considerou usar figos da missão negra, aparentemente um parente botânico próximo, já que os figos de sicômoro foram difíceis de serem encontrados. Por sorte, sua amiga Marika Dalley Snider, uma historiadora da arquitetura na Universidade de Memphis, estava trabalhando na época em uma reconstrução digital do Templo de Karnak, no Egito. Acontece que a família de um capataz arqueológico em Luxor cuidava de um bosque de figueiras de sicômoro há muitas gerações.

— Nós apenas celebramos — disse McDonnell.

Para os grãos base, ele escolheu cevada roxa egípcia e trigo farro. Então ele se voltou para o fermento. Muito parecido com o fermento usado pelo designer Blackley, McDonnell queria usar uma cepa antiga, não uma variedade comercial comum.

Aqui, ele teve sorte novamente. Em 2015, uma equipe israelense liderada por Itai Gutman, um cervejeiro veterano que vive na Europa, havia extraído fermento de uma ânfora encontrada em Israel que provavelmente havia sido usada pelos filisteus para a fabricação de cerveja por volta de 850 a.C.

Gutman é o fundador da Primer’s Yeast, uma empresa que vende cepas antigas do microrganismo. Ele argumenta que a diferença entre o fermento antigo e o fermento encontrado em uma prateleira de supermercado é a diferença entre um lobo e um golden retriever. O fermento comercial cria um perfil de sabor mais previsível, enquanto o fermento selvagem foi associado com o que agora são chamados de "sabores indesejáveis".

— O que eles fizeram foi remover muitos dos subprodutos. As cervejarias tradicionais europeias — como aquelas administradas por monges belgas que seguem métodos centenários — mantêm a assinatura frutada do fermento em sua forma indomada, lupina — disse Gutman.

Esses eram os sabores que McDonnell queria extrair. "Foi de longe a parte mais importante do processo", disse ele, referindo-se ao fermento de Gutman. "Para mim, isso teria sido apenas outra cerveja divertida que fiz que não é notável se não incluísse o fermento."

Alguns na indústria são céticos que o fermento antigo seja um grande diferencial. "A ciência moderna não privou ninguém de nada", disse Witte, o especialista em cerveja. Graças à microbiologia moderna, os cervejeiros podem usar "culturas puras de uma única cepa de fermento", disse ele. "Isso dá aos cervejeiros mais controle sobre a cerveja acabada do que em qualquer outro momento da história."

O cervejeiro amador diz estar satisfeito com sua mistura histórica, que é inicialmente azeda, mas depois se torna cada vez mais complexa, chegando a uma qualidade rica, refrescante e semelhante à cidra. O sabor, como a cor, sugere damasco. A carbonatação, em consonância com a história, é baixa.

O cervejeiro amador disse que frequentemente é questionado sobre o nome da cerveja, mas segundo ele, o branding não foi muito considerado, já que não tinha planos de vender sua cerveja. Contudo, ele foi tantas vezes questionado, que decidiu um nome, um que reflete tanto o perfil de sabor da cerveja quanto suas origens distantes perto da península desértica onde os antigos egípcios mineravam turquesa: Sinai Sour.

Mais recente Próxima Vinho mais antigo mundo: saiba tudo sobre bebida encontrada em urna funerária na Espanha