De 'Pedro Pedreiro' a 'Que tal um samba?', livro analisa 80 canções de Chico Buarque

André Simões se debruça sobre melodias e letras, sem separá-las, no livro ‘Chico Buarque em 80 canções’ e diz que personagens femininas do compositor ‘querem amor e ser satisfeitas na cama, e cobram o homem quanto a isso’

Por — Rio de Janeiro


Chico Buarque Divulgação

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 19/06/2024 - 03:30

Análise da obra de Chico Buarque

O livro Chico Buarque em 80 canções analisa a obra do compositor, destacando a integração entre letra e música, a abordagem das personagens femininas e a presença de ambiguidades nas letras. O autor defende a complexidade das canções de Chico, apresentando análises detalhadas e a discografia completa do artista.

Lançado no calor dos 80 anos do artista, “Chico Buarque em 80 canções” dá um passo à frente na história das interpretações da obra do compositor. Muitas músicas dele já foram, é claro, tema de artigos e ensaios. Mas reunir 80 análises num só volume ilumina amplamente as ferramentas criativas do Chico cancionista, de “Pedro pedreiro” (1965) a “Que tal um samba?” (2022).

O autor, André Simões, de 39 anos, é jornalista, escritor e músico — não profissional, mas profundo conhecedor do assunto. Esse conhecimento musical, fartamente utilizado no livro, não é acompanhado por um leigo. Porém, os comentários sobre melodias e harmonias ajudam a compreender as letras, também abordadas em detalhes.

— Chico é um grande cancionista, que compõe melodias eficazes e sofisticadas para suas canções. Todo o meu livro defende a tese de que é altamente limitador julgar uma canção isolando letra ou música. A integração dos dois elementos é o básico para a análise — afirma Simões. — A questão é que, enquanto o letrista Chico é muito consciente das ferramentas técnicas na elaboração de versos, o músico é mais intuitivo. E nas canções feitas em parceria, ele quase sempre foi o responsável pelas letras. E aí o letrista se sobressai. Mas como dizer que o autor de uma canção como “A ostra e o vento” não é um melodista de mão cheia?

Simões publicou no ano passado “Francis Hime: ensaio e entrevista”, retratando um dos principais parceiros de Chico. Sua tese de doutorado é “O eu feminino na canção brasileira: desenvolvimento cultural entre 1901 e 1985”.

— A pesquisa me levou a ver esse aspecto do eu feminino na obra do Chico de maneira mais pragmática e menos mística. Chico “entende a alma feminina”, como se diz, porque é um estupendo compositor. Entende a alma brasileira quando fala do Brasil, a alma do malandro quando fala de malandro, a alma do futebol quando fala do futebol e entenderia a alma da batata frita se escrevesse uma canção sobre batata frita — diz o autor, ressaltando que 85% das canções de Chico na voz feminina foram compostas para personagens de teatro ou cinema.

O compositor é, para Simões, um renovador nesse campo, especialmente por não separar romantismo de desejo sexual.

— Com ele, as mulheres cheias de tesão poderiam ser prostitutas ou as boas esposas e filhas dos ouvintes de família tradicional e ordeira. As mulheres da obra dele querem amor, companheirismo, atenção e também serem satisfeitas na cama, e cobram o homem quanto a isso — afirma.

Chico Buarque, amigos e parceiros musicais; Veja fotos

19 fotos

Essas personagens são diferentes da de “Com açúcar, com afeto”, música que Nara Leão pediu, em 1966, que tratasse de uma mulher submissa. O samba virou polêmica em 2022 após o autor — que não o cantava desde 1975 — dizer que não interpretaria mais uma letra que via como machista.

— Quem quer que diga que Chico foi machista ao compor “Com açúcar, com afeto” está sendo, para usar um termo brando, infantil. Os personagens de uma obra não podem ser confundidos com a pessoa física do compositor. Apresentar um personagem machista no contexto de identificação com uma mulher sofredora, aliás, é uma forma de denunciar o machismo —defende Simões. — Depois ele disse que foi mal interpretado, que não estava se curvando a patrulhas identitárias. Tomara, começar a se autocensurar aos 80 anos seria descabido.

Outro elemento que o jornalista mostra ser muito presente na criação de Chico são as ambiguidades. É comum uma letra ter mais de uma camada. Recomenda-se não se restringir à mais aparente.

— Há versos isolados que são deliciosamente ambíguos, como “dei pra maldizer o nosso lar” (de “Atrás da porta”), podendo tanto indicar algo como “fiz sexo com outro homem pra maldizer o nosso lar” quanto “adquiri o costume de maldizer o nosso lar” — exemplifica. — Também há canções inteiramente ambíguas, como o “Samba do grande amor”, em que o recorrente verso “mentira” pode apontar a frustração com o relacionamento em que o eu da canção estava, mas também o fato de que esse eu não está sendo sincero.

O livro ainda tem toda a discografia do artista, faixa por faixa.

‘Chico Buarque em 80 canções’

Autor: André Simões. Editora: 34. Páginas: 368. Preço: R$ 87.

Mais recente Próxima Filha fala sobre Chico Buarque e revela o que eles têm em comum: 'Insônia, angústias, medo da morte'