The Smile: velhos pilotos do Radiohead embarcam em nova viagem no 2º álbum

Enquanto a lendária banda inglesa não volta, Thom Yorke e Jonny Greenwood aproveitam para entrar em território inexplorado em 'Wall of eyes', disco de seu projeto paralelo

Por — Rio de Janeiro


O grupo inglês The Smile, com Tom Skinner (à esquerda), Thom Yorke e Jonny Greenwood Divulgação/Frank Lebon

Álbuns como “Ok computer” (1997) e “Kid A” (2000) fizeram do grupo inglês Radiohead uma espécie de Pink Floyd do novo milênio. Ou seja: o tipo de artista de quem você espera discos imersivos, oníricos, repletos de beleza, estranheza e tensão — discos viajantes, em suma.

Desde 2016, com “A moon shaped pool” (álbum lançado de surpresa), os ouvintes tiveram que aguardar pelo que o quinteto poderia aprontar. De lá para cá, o que se teve de mais próximo foi o Smile, grupo formado por dois integrantes chave (o vocalista/tecladista Thom Yorke e o guitarrista Jonny Greenwood) com o baterista Tom Skinner, do grupo de jazz Sons of Kemet. Esta sexta-feira, eles lançam seu segundo álbum, “Wall of eyes”, que traz boas notícias para quem esperava por emoções radioheadianas.

Quem ouviu a estreia do Smile, “A light for attracting attention” (2022), vai encontrar agora um disco mais aprimorado, conciso e orgânico, mas com toda paranoia, desolação e psicodelia de antes. Especialistas na construção de estados alterados de consciência, Yorke (um melodista admirável, além de cantor capaz de exprimir toda angústia do mundo com seu falsete) e Greenwood (guitarrista que expandiu sua criatividade para a orquestra, em trilhas para os filmes de Paul Thomas Anderson) encontraram na liberdade jazzística de Skinner uma forma de enveredar por caminhos ainda não trilhados pelo Radiohead.

Lançado em single no ano passado, o épico “Bending hectic” é a grande realização do Smile em “Wall of eyes”: sobre o dedilhado em uma guitarra que vai desafinando, Yorke começa a narrar a história de um passeio automobilístico pelo litoral italiano que vira desastre quando ele larga do volante — a imagem do carro sem controle é criada com uma explosão de guitarras distorcidas nunca ouvida mesmo nas faixas mais pesadas do Radiohead.

Com participação da London Contemporary Orchestra e produção de Sam Petts-Davies (que trabalhou com Thom Yorke na trilha que ele fez para refilmagem do clássico do terror “Suspiria”), o novo álbum do Smile é talvez o trabalho de Thom Yorke e Jonny Greenwood que mais se referencie no velho rock progressivo. Os ritmos complexos e as dissonâncias da guitarra em “Under our pillows” são puro King Crimson, enquanto “Friend of a friend”, a canção pandêmica do grupo (“das varandas das nossas janelas, damos uma cambalhota/ enquanto nossos amigos saem para conversar, acenar e pegar um pedaço de sol”), sugere um Yes melancólico, de melodias sinuosas, com piano e as cordas cinematográficas de Greenwood.

Capa de "Wall of eyes", álbum do grupo inglês The Smile — Foto: Reprodução

As letras fragmentadas/enigmáticas e o canto mântrico do vocalista embalam a faixa-título (com um violão quase bossa nova), “Teleharmonic” (que une sintetizadores analógicos e flauta), a fantasmagórica “Read the room” e “I quit”, cujas manipulações eletrônicas fazem lembrar os tempos de “Kid A”. “You know me” fecha o disco praticamente como uma canção de ninar — perturbadora, é verdade, mas bem de acordo com o que os apreciadores do Radiohead esperariam.

E estes, pelo visto, vão ter que esperar bastante por novidades relativas ao quinteto, afinal é com o Smile que Yorke e Greenwood vão se apresentar nos grandes festivais de música de verão de 2024 no Hemisfério Norte. O que, a se levar em conta o que “Wall of eyes” traz, está longe de ser algo desanimador para os aficionados da histórica banda inglesa.

Cotação: Ótimo

Mais recente Próxima Melanie: Morre, aos 76 anos, a cantora que se apresentou de surpresa em Woodstock