Como a guerra afetou músicos israelenses e palestinos em conservatório fundado por Daniel Barenboim

'Temos que seguir em frente e conviver em igualdade', diz o maestro argentino

Por Em The New York Times — Berlim


Primeira apresentação dos alunos do conservatório em Berlim desde o início do conflito entre Hamas e Israel Andreas Meichsner/ The New York Times

Numa tarde recente, na Barenboim-Said Academy, jovens músicos sentaram-se para falar sobre a guerra. Fundado pelo renomado maestro argentino-israelense Daniel Barenboim com a intenção de reunir estudantes de todo o Oriente Médio, o conservatório elegante em Berlim funciona em um edifício bem equipado no coração de Berlim, inaugurado em 2016. Naquele dia, com emoções à flor da pele, os músicos debatiam o conflito Israel-Hamas. Um israelense descreveu o trauma dos ataques do Hamas. Um palestino falou sobre se sentir sem voz e vulnerável. Um iraniano compartilhou seu receio de que a violência se espalhe pela região.

— É preciso coragem para estar aqui. Temos que ouvir uns aos outros — disse Barenboim, de 80 anos, que trabalhou quase 25 anos pela paz no Oriente Médio.

A academia, assim como outros projetos de paz, tem que lidar com a instabilidade do Oriente Médio. A guerra Israel-Hamas tornou tudo mais complicado, como ficou claro durante a visita da reportagem ao conservatório, em outubro, quando Barenboim e os estudantes se preparavam para o seu primeiro concerto juntos desde o início dos combates. A escala do conflito, a rápida propagação de imagens de morte e destruição nas redes sociais e a onipresença da desinformação dificultavam a promoção do debate respeitoso e a busca por pontos em comum.

Discussões e dúvidas

Num ambiente onde israelenses, palestinos, iranianos, sírios, egípcios e libaneses, entre outros, estudam e vivem juntos, a guerra provocou muitas discussões. Alguns estudantes, depois de debates acalorados sobre quem é culpado pela carnificina, até questionaram se deveriam tocar juntos em tempos de guerra. Outros dizem que foi a música que os aproximou.

— Por mais que queiramos, não vamos trazer a paz e nem resolver os problemas do mundo — disse Katia Abdel Kader, 23 anos, violinista palestina de Ramallah. — Mas conseguimos criar um espaço onde as pessoas são aceitas umas pelas outras. E é isso que falta no mundo, não só no Oriente Médio.

Itamar Carmeli, 22 anos, pianista de Israel, disse que é impossível escapar do conflito porque “nossas famílias estão lá e nossa infância está lá”. Ele aprendeu a aceitar os pontos de vista dos seus colegas, mesmo quando discorda deles, porque a música o ensinou a ouvir mais profundamente, pois “não há harmonia em dissonância”.

O conflito atual pôs à prova o idealismo do fundador da escola, Barenboim, que faz questão de salientar que tem cidadania israelita e palestina. Ele e Edward Said, o estudioso literário palestino-americano, morto em 2003, fundaram a Orquestra Divan Ocidental-Oriental em 1999, para reunir músicos israelenses e árabes. A academia, que está fundada nos mesmos princípios da Divan, tem 78 alunos — cerca de 70% deles são do Oriente Médio e do Norte de África.

Barenboim, um titã da música clássica que dirigiu a Ópera Estatal de Berlim durante três décadas antes de deixar o cargo este ano, reduziu drasticamente seus compromissos devido a um grave problema neurológico. Mas fez questão de estar com os alunos nas últimas semanas para ensaios e discussões. Ele teme que, na falta de esforços para unir israelenses e palestinos, a guerra se transforme numa “catástrofe mundial”.

O GLOBO viu: 'Ópera dos terreiros' é símbolo da nova cena lírica brasileira, com mais produções e promessa de apoio público

— Não adianta dizer: “Nós, os judeus, sofremos mais do que todo mundo”. Ou que os palestinos digam: “Nós sofremos mais que vocês” — disse ele. — Temos que seguir em frente, esquecer as nossas próprias posições e conviver em igualdade.

O ano letivo na Barenboim-Said Academy começou em outubro com as tradicionais palestras de orientação sobre as tensões israelo-palestinas, respeito às diferenças e como enxergar para além dos estereótipos. Em seguida, vieram o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, e os subsequentes ataques israelenses à Faixa de Gaza.

Muitos estudantes, com seus telefones vibrando com mensagens frenéticas de amigos e parentes e exibindo imagens de devastação, estavam perturbados demais para praticar seus instrumentos. Psicólogos fluentes em hebraico e árabe foram contratados pela direção.

Os alunos, então, conversaram uns com os outros e organizaram reuniões para tentar resolver algumas de suas diferenças. Sem saber o que dizer, às vezes apenas ofereciam abraços.

As conversas às vezes eram tensas. Enquanto os israelenses falavam da perda da sensação de segurança, os palestinos descreviam a vida sob o bloqueio sufocante imposto a Gaza por 16 anos. As conversas também eram profundamente pessoais. Alguns estudantes falaram sobre a perda de entes queridos.

Os estudantes tentaram apoiar uns aos outros à medida em que enfrentavam novas dificuldades na sociedade alemã. As autoridades proibiram muitas reuniões pró-Palestina e uma sinagoga em Berlim foi atacada com bombas incendiárias. Eles se encontravam em seus dormitórios ou saíam para tomar cerveja e fumar e conversavam sobre como se sentiam culpados por estarem longe de suas famílias.

O argentino-israelense Daniel Barenboim rege alunos em Berlim — Foto: Andreas Meichsner/ The New York Times

Amizades questionadas

A guerra representou um dos maiores desafios à visão de Barenboim desde a fundação da orquestra Divan, na qual muitos dos alunos da academia devem ingressar. A Divan sobreviveu a conflitos anteriores, como a guerra entre Israel e o Hezbollah, no Líbano, em 2006, que dividiu a orquestra e levou músicos árabes a abandoná-la.

A guerra Israel-Hamas já testou amizades na Divan. Alguns membros se perguntam se devem participar das apresentações quando a orquestra se reunir para a temporada do próximo ano.

Samir Obaido, um violinista palestino, não tem certeza quanto ao papel da música neste momento. Nos últimos dias, ele postou uma enxurrada de comentários no Instagram defendendo a causa palestina. Alguns colegas israelenses disseram que respeitam seu direito de falar, enquanto outros o acusaram de espalhar mentiras, conta ele.

Shira Majoni, uma violinista italiano-israelense, discutiu com uma colega libanesa porque sentiu que ela não havia condenado suficientemente o ataque do Hamas. Majoni disse à amiga que sentia a dor dela, embora discordassem.

— Somos todos humanos e, como na orquestra, todos temos um lugar — disse Majoni. — Não vamos nos livrar um do outro. Se não aprendermos a viver juntos, ninguém sobreviverá.

Os esforços de Barenboim, que também incluem uma escola de música para palestinos em Ramallah, sempre geraram controvérsia. Seus projetos foram denunciados por israelenses e árabes. Os músicos no Divan às vezes enfrentam a oposição de suas famílias. Mas Barenboim, que descreveu seu trabalho não como político, mas como um “projeto contra a ignorância”, disse estar confiante de que a orquestra Divan e os outros programas resistirão, mesmo que ele já não esteja no comando.

Nos dias que antecederam o concerto da academia na semana passada, as tensões da guerra eram evidentes. Alguns estudantes palestinos duvidavam de seu desempenho, preocupados com a possibilidade de produzirem harmonia num momento de profunda divisão e sofrimento. Depois de um debate prolongado, decidiram que era importante abraçar o espírito da instituição e anunciaram sua decisão a Barenboim. No concerto, os alunos divulgaram um comunicado deixando claro que todos sentiam o impacto da guerra:

“Nossos corações estão pesados; nossas mentes estão em outro lugar, com cada pessoa afetada pela situação devastadora na Palestina e em Israel”, afirmava o texto. “Que a nossa música nos una, que ela cure um pedacinho dos nossos corações.”

Mais recente Próxima Halloween de Anitta, música de Cazuza, muito rock e pouca roupa: saiba como foi a passagem do Måneskin pelo Rio