Cultura
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Por , Especial para O GLOBO — Salvador

O Centro Cultural da Barroquinha ocupa uma pequena igreja desativada após um incêndio, a 50 metros da Praça Castro Alves, em Salvador. Seu palco estreito tem ao fundo a silhueta de um barco, imerso em luz azul. Na encenação à frente, cantores negros, em trajes brancos e ocres desenhados por Alberto Pitta com referências de 1830, executam uma impactante coreografia de remada, em meio a atabaques e sons eletrônicos: eles interpretam africanos tornados escravos, saudosos do Daomé, atual Senegal. Assim começou, no último dia 26, a récita presenciada pelo GLOBO da “Ópera dos terreiros”, uma produção da mais internacional das companhias líricas do Brasil, o NOP (Núcleo de Ópera da Bahia). E o destino é Paris.

— Tivemos as filmagens da France TV, que vão reproduzir o espetáculo na televisão, e em junho de 2024 estaremos na programação pré-olímpica no teatro da Maison des Cultures du Monde — disse Graça Reis, diretora-geral do NOP e soprano, pouco antes de se vestir como Oxum.

Casada com o diretor musical que compôs a ópera, o italiano Aldo Brizzi, ela está acostumada a viver parte do ano na França e a outra parte em Salvador, viabilizando produções. De fato, “Terreiros” começou em 14 de março de 2020, no Teatro Castro Alves, mas ali quase terminou. No dia seguinte, a quarentena da Covid-19 fecharia todos os teatros do país.

O baixo Josehr Santos no papel de Nenga, pai de Dara, em "Ópera dos terreiros" — Foto: Divulgação
O baixo Josehr Santos no papel de Nenga, pai de Dara, em "Ópera dos terreiros" — Foto: Divulgação

— “Terreiros” foi a última ópera a estrear no Brasil antes da pandemia. O telejornal anunciava a força do espetáculo num bloco e, no outro, pedia para as pessoas ficarem em casa — diz Brizzi, de 63 anos.

Para a produção, o italiano escreveu uma música de células melódicas cíclicas, revestidas por um conceito hipnótico de “som interno ao som”. Para o libreto, o maestro teve a parceria do célebre educador, letrista e gestor cultural baiano Jorge Portugal, morto em 2020.

Final surpreendente

Nesta história de amor trágica com final surpreendente, Brizzi rege os cantores enquanto pilota 28 timbres diferentes nos sintetizadores que fazem as vezes de orquestra. O resto são os tambores, a cargo de seis percussionistas. Dirigida por Cláudio Bastos, a encenação conta a relação de Dara (vivida pela soprano Irma Ferreira), uma nagô que serve na casa grande, com o banto Nzailu (o barítono Carlos Morais), que faz trabalhos pesados. A dupla contracena com as vozes notáveis de Exu (o tenor Carlos Eduardo Santos) e do pai de Dara, Nenga (Josehr Santos, baixo), que se opõe à união.

— Nós temos no NOP o compromisso de contar histórias afro-americanas para o mundo — afirma Brizzi, que foi aluno de semiótica de Umberto Eco em Bolonha e é íntimo da MPB.

Fora a sólida carreira como compositor erudito experimental, Aldo Brizzi também teve canções gravadas por Caetano Veloso e Arnaldo Antunes, entre outros.

Algumas partes da missão citada por ele parecem bem encaminhadas. A inauguração do NOP em 2006 se deu com a versão brasileira de “Treemonisha”, partitura do americano Scott Joplin (1868-1917) orquestrada para 13 instrumentos por Aldo Brizzi. No ano passado, a ópera “Amor azul”, com dramaturgia criada sobre obras de Gilberto Gil, estreou na França, juntando-se a um repertório que compreende os títulos “Jelin” e “Mambo místico”.

Montagem do NOP de "Ópera dos terreiros" tem música do italiano Aldo Brizzi e libreto do baiano Jorge Portugal, morto em 2020 — Foto: Divulgação
Montagem do NOP de "Ópera dos terreiros" tem música do italiano Aldo Brizzi e libreto do baiano Jorge Portugal, morto em 2020 — Foto: Divulgação

Cerca de três quartos do coro em “Ópera dos terreiros” é oriundo do programa social Neojiba (Núcleo Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia; pronuncia-se “neojibá”).

Criado em 2007 e ligado à Secretaria de Justiça Social e Direitos Humanos da Bahia, o Neojiba sustenta 13 núcleos musicais na periferia de Salvador e no interior baiano, com a meta de impedir que crianças e adolescentes entrem no crime.

No ano passado, dirigida por Ricardo Castro e com a bênção da pianista portuguesa Maria João Pires, a Orquestra Jovem do Neojiba fez a sua oitava turnê europeia, passando por Lisboa, Paris e Amsterdã.

— Quando surgimos na Bahia, não havia nada de ópera, mas já havia artistas a lapidar. Por isso, vemos o NOP não como uma companhia lírica profissional ao pé da letra, mas como uma companhia de desenvolvimento — afirma Brizzi.

Brasil, país da ópera?

A “Ópera dos terreiros” serviu de clímax cênico para o IV Ópera em Pauta, organizado anualmente pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Balé e Música de Concerto. Fundada durante a pandemia, com os teatros fechados, a entidade articula debates, trocas de experiência e estratégias integradas para o setor lírico. Do Rio, estavam presentes o Theatro Municipal, a Escola de Música da UFRJ e a Academia Brasileira de Música.

Com representantes do Ministério da Cultura (Odecir Costa), do Itamaraty (Marco Antônio Nakata, presidente do Instituto Guimarães Rosa), e a diretora de Música da Funarte, Eulícia Esteves, a reunião tentou sensibilizar os entes públicos.

Em 2022, das 31 óperas apresentadas no Brasil, 14 eram de compositores brasileiros contemporâneos, numa produção descentralizada. Da segunda metade de outubro ao final da primeira semana de novembro, quatro títulos nacionais terão estreado em São Paulo e Espírito Santo (“Gota tártara”, “Entre-veias”, “Casa Verdi” e “Contos de Júlia”), além de “Matraga”, escrita pelo argentino Rufo Herrera a partir de Guimarães Rosa e que teve première no Palácio das Artes de Belo Horizonte.

Cena de “Matraga”, escrita pelo argentino Rufo Herrera a partir da obra de Guimarães Rosa — Foto: Divulgação
Cena de “Matraga”, escrita pelo argentino Rufo Herrera a partir da obra de Guimarães Rosa — Foto: Divulgação

A esperança é que brote, em 2024, um edital federal para fomento exclusivo da atividade operística, além de possibilidades de internacionalização das produções, a exemplo da “Ópera dos terreiros”. Alejandra Martí, gestora chilena e diretora executiva da OLA (Ópera LatinoAmérica), que estabelece redes colaborativas pelo continente e entre latinos europeus, manifestou apoio à presença de uma delegação brasileira no World Opera Forum. O evento reúne companhias e teatros do mundo todo e ocorre de quatro em quatro anos. Em junho de 2024, a edição será em Los Angeles.

Outro dos argumentos a favor é o surgimento de novos títulos, compositores, companhias líricas e, claro, trabalho conjunto.

— Criamos também o Corredor Lírico Amazônico, gerando intercâmbios entre profissionais do Teatro Amazonas e do Teatro da Paz, em Belém — diz Flávia Furtado, diretora executiva do FAO (Festival Amazonas de Ópera), que completou 25 anos em 2023. — Acreditamos na força da ópera como motor de empregos diretos e indiretos para cuidar do povo da Amazônia. É fundamental ter uma rede que estimule a cadeia de produção regional.

O novo corredor amazônico está em conversas para assinar um convênio com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Por parte da Funarte, os sinais são mais discretos, mas existem: Eulícia Esteves declarou que a fundação recompôs recentemente a divisão de música clássica e está em “permanente escuta” para as demandas do setor, dando como exemplo a Bienal de Música Contemporânea, que ocorre de 11 a 16 de dezembro na Sala Cecília Meireles.

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