IA nas artes visuais: futuro está longe dos extremos da catástrofe e do entusiasmo

Nem todo mundo com acesso à inteligência artificial vai fazer arte, assim como não basta comprar tela, tinta e pincel para virar artista

Por Nelson Gobbi — Rio de Janeiro


Nesta imagem, o Midjourney gerou “um museu de ambiente futurista com obras criadas pela inteligência artificial” Midjourney

Já usada nas artes visuais na criação de obras generativas (ou gerativas, nas quais a programação faz com que as imagens mudem permanentemente), como trabalhos interativos ou NFTs (os tokens não fungíveis), a inteligência artificial não gera pânico no setor, mas várias dúvidas.

Uma das últimas questões foi a negativa de uma juíza dos EUA, Beryl Howell, a um pedido ao Escritório de Direitos Autorais do país de registro de uma obra 100% criada por IA. Na justificativa à solicitação da empresa Imagination Engines para o registro da obra “A recent entrance to Paradise”, criada por um algoritmo, a alegação foi de que “a autoria humana é um requisito fundamental” para a proteção da obra.

A rápida melhoria de plataformas como Midjourney, que respondem aos prompts (instruções que o usuário dá a uma IA, como as que geraram a ilustração desta matéria) despertam o fascínio de quem acredita que o futuro das artes visuais está diretamente ligado à tecnologia digital e ao machine learning.

Destacam-se iniciativas como a do Museu Mauritshuis, na Holanda, que, entre as obras escolhidas para substituir “Moça com brinco de pérola”, de Vermeer, enquanto a tela está emprestada, incluiu um trabalho totalmente criado por inteligência artificial. Algo semelhante já havia acontecido com o projeto “The next Rembrandt”, de 2016, no qual a Microsoft gerou uma “nova obra” do mestre holandês quase 400 anos após a sua morte. A “repetição” da técnica do pintor por meio de um gigantesco banco de dados sobre suas telas e sua época levou a questionamentos sobre autoria e perda de espaço da ação humana para as máquinas.

Para quem já utiliza a IA como ferramenta no presente, o futuro está longe dos extremos da catástrofe e do entusiasmo. Para quem já utiliza a IA como ferramenta no presente, o futuro está longe dos extremos da catástrofe e do entusiasmo. Artista multimídia, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pesquisador da interseção entre IA e arte computacional, Francisco Barretto faz uma analogia entre o momento atual e o que advento da fotografia significou para a pintura, no século XIX.

— A cada mudança tecnológica vem o temor da “substituição” do humano. Quando a fotografia surgiu, libertou os artistas da obrigação figurativa, sendo o vetor das vanguardas das décadas seguintes — compara Barretto. — É um momento de transformação não só tecnológica. Precisamos debater a IA na esfera jurídica, para evitar a apropriações em bancos de dados de obras existentes, e até filosoficamente, rediscutindo categorias como as definições de arte e criatividade.

Criador da coleção “CryptoRastas” e idealizador do NFT.Rio, encontro que tem sua segunda edição prevista de 15 a 19 de novembro, no Futuros — Arte e Tecnologia, no Flamengo, Zona Sul do Rio, Marcus Menezes diz que o uso da IA ultrapassa a concepção das obras. Ele dá como exemplo o uso de uma interface para que o público “converse” com o CryptoRasta que escolher, no site do projeto. Para ele, o que tem feito a tecnologia se destacar mais nos últimos tempos é o desenvolvimento acelerado das ferramentas e o fato de terem se tornado mais acessíveis para todos os usuários.

— A tecnologia depende do input humano, e nem todo mundo com acesso à IA vai fazer arte, assim como não basta comprar tela, tinta e pincel para virar artista. A criação com inteligência artificial vai além da estética. O olhar, a intenção por trás do trabalho, continuará sendo o principal.

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