Atribuir o movimento de alta do dólar a subida de tom dos ataques de Lula ao presidente do Banco Central ou a apreciação do real nos últimos dias ao anúncio de cortes de gastos feitos pelo ministro Fernando Haddad, é reducionista e enganoso, diz o economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador associado do FGV Ibre. Segundo ele, a cotação do dólar no Brasil na maior parte do tempo reflete muito mais o contexto internacional do que o doméstico. É o que demonstra a avaliação feita de 29 de dezembro a última quinta-feira, em um modelo de análise que desenvolveu com indicadores do mercado externo e interno.
- O risco de perder a Reforma Tributária está nos detalhes: Setores reforçam seus lobbies junto a parlamentares no tempo entre o relatório e a aprovação
- Indústria deve lançar menos produtos este ano do que em 2023. Entenda: Em comparação a junho do ano passado, a queda no índice de atividade industrial foi de 27%
Ribeiro diz que é fato que desde fevereiro o cenário nacional contribui para a desvalorização da moeda brasileira, mas é apenas desde o fim de maio até a terceira semana de junho que os indicadores domésticos se sobrepuseram à influência do mercado externo. Houve um salto na contribuição interna sobre o câmbio na virada de maio para junho. No entanto, na última semana do mês passado, quando o dólar chega a se aproximar dos R$ 5,70, o maior patamar em dois anos e meio, foram os fatores externos que mais pesaram sobre o câmbio. E continuam sendo a maior responsável pela valorização do real nesta quarta e quinta-feira.
- Há uma tendência a tentar personalizar o movimento do câmbio e todas as narrativas parecem coerentes. No entanto, quando se faz a análise dos dados isso não se corrobora. É reducionista e enganosa essa narrativa. Não quer dizer que as falas do presidente Lula não tenham qualquer efeito, mas quando a gente olha indicadores que medem a força global do dólar (DXY), o preço das commodities (CRB), ou medidas de risco global (TB-10, o juro longo americano, ou HY-EM (uma métrica para os países emergentes), se confirma que o contexto mundial na maior parte das vezes é mais preponderante. E mesmo quando há uma preponderância dos fatores internos, não é possível correlacionar estritamente a um fato. A cada dia os fundamentos têm um peso, e você tem que estar tentando navegar nessa junção de fundamentos que tem direções muitas vezes conflitantes, e contribuições que vão mudando - afirma Ribeiro.
Por outro lado, também não há a dita especulação do mercado contra o real e nem nada que justifique a intervenção do Banco Central no mercado de câmbio, avalia o economista.
- O fato de a moeda ter andado rapidamente numa direção não é um indicador suficiente para dizer que houve especulação. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A moeda está andando dentro do movimento do mercado. Dentro de uma análise global, o real está par e passo com os indicadores nacionais e internacionais. Não tem nada de aberrante acontecendo na moeda ao se olhar os fundamentos de maneira organizada. O BC atua quando há um descolamento da cotação dos indicadores e isso ainda não aconteceu - explica o pesquisador.
- Reforma Tributária: ainda é tempo de corrigir distorções, como a redução de impostos para armas e munições
Para fazer a sua análise, Livio Ribeiro leva em consideração os seguintes indicadores:
- DXY: que mostra a força do dólar no mercado global;
- CRB: preço das commodities, isto porque, como o Brasil é exportador, uma alta se reflete em fortalecimento do real
- TB-10: rendimento dos títulos americanos de 10 anos, como uma medida de risco global
- DIF_1Y: diferencial dos juros de um ano entre o Brasil e os Estados Unidos
- CDS: aponta o risco Brasil, em 10 anos
- HY-EM: métrica de risco de economias emergentes
De uma ponta à outra (ou seja, do final de 2023 até 4 de julho), o real enfraqueceu 12,3%. Nesse período, foi possível observar um aumento do risco Brasil , um fortalecimento global do dólar americano e um aumento dos juros longos americanos, destaca Ribeiro. Todos esses fatores corroboram o enfraquecimento observado em nossa divisa.
De outro lado, os preços de commodities aumentaram e o diferencial de juros entre a economia doméstica e a estrangeira se ampliou no mesmo período, sendo fatores que operam para o fortalecimento da moeda brasileira. É importante notar, também, que o aumento do risco país ocorreu em ambiente de elevação dos juros longos internacionais e de redução da métrica de risco emergente.
Em seu relatório, o pesquisador ressalta que "os vetores são múltiplos e, não raro, antagônicos; extrair a resultante está longe de ser trivial. Isso é ainda mais verdadeiro se notarmos que a dinâmica não é homogênea durante o período analisado, com sucessivas mudanças de direção no comportamento de nossa moeda e de seus fundamentos."
-O câmbio é um cavalo chucro. As pessoas têm que entender isso. Câmbio tem volatilidade, especialmente no curtíssimo prazo. É como é. E enquanto buscarmos narrativas e personificação dos movimentos do mercado, por mais coerentes que pareçam, estaremos errando e induzindo a interpretações erradas desse mercado. Há efeitos diferentes e pesos diferentes que vão dar algum resultado no final do dia. É preciso estar atento para navegar nessa junção de fundamentos que tem direções definidas e contribuições que vão mudando dia a dia - conclui Ribeiro.