Gustavo Poli
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Gustavo Poli

Por , O Globo — Rio de Janeiro

Navegamos entre bolhas isoladas e impermeáveis que raramente se comunicam. Entre essas bolhas sobrevive, sofrido, quase solitário, o tecido da realidade — observado de acordo com cada lente peculiar.

Há uma frase ou tese que não canso de repetir: toda teoria conspiratória é autoimune. Se você não acredita na conspiração... é porque é ingênuo... ou faz parte dela. O futebol brasileiro hoje vive em ritmo de conspiração fatorial. Todo torcedor acredita que seu time é prejudicado pela arbitragem, maltratado pela imprensa e injustiçado pela CBF.

Se você alimenta esse torcedor com uma migalha de indício qualquer... ele passa a ter certezas absolutas. Foi o que aconteceu, mais uma vez, esta semana na cruzada de Dom Textor contra as palmeiras de vento. Textor ligou sua máquina do tempo e voltou a 2023 para, num exercício quase masoquista, reviver um lance de Botafogo e Palmeiras. Para quê?

Steve Jobs, o genial fundador da Apple, tinha uma característica peculiar — que seus pares chamavam de reality distortion field — um campo de distorção da realidade. Ele hipnotizava interlocutores a ponto de convencê-los de qualquer coisa. Seu carisma intimidava tanto seus executivos que ninguém conseguia confrontá-lo.

Será que é isso que acontece com Textor? Deve ser difícil dizer não para o gringo — ou persuadi-lo de que atirar a esmo é contraproducente. Se há alguma estratégia de comunicação por trás de suas denúncias sobre manipulação de resultados... ela parece egressa da Escola Neymar de relacionamento online.

Seus posts fazem ferver a bolha da torcida do Botafogo — mas ajudam pouco o clube no encontro com outras bolhas — e com a realidade. Textor resgata um possível indício ou erro de VAR — e joga o nome do árbitro nas redes. Pega relatórios da Good Game e garante que jogos foram manipulados. Dizer que na terra da Santa Cruz não há picaretagem é como fingir que não havia departamento de propina na Odebrecht. Mas pra acusar alguém de picareta… achismo não basta. Precisa de prova cabal.

Nada ajuda mais um corrupto do que uma acusação leviana. No Brasil… o cara confessa que roubou, devolve o butim… depois diz que foi vítima da polícia cruel. O desafio em pegar pilantra aqui é muito maior. Por isso... jogar para a galera atrapalha. Investigação séria não é circo.

Todos sabemos que memória de cartola é seletiva. O indignado de hoje é o passa-pano de amanhã. Há menos de um ano, em julho de 2023, João de Deus, auxiliar de Abel Ferreira no Palmeiras, soltou os seguintes cachorros durante o Brasileirão:

— É ruim para o sistema o Palmeiras vencer duas vezes seguidas!

A presidente do clube, Leila Pereira, ecoou:

— Eu e o Abel (Ferreira) não viemos para o Palmeiras para sermos submetidos a esses erros absurdos e ficarmos quietos. O João de Deus não mentiu.

Corta para Leila na última quarta-feira durante a CPI em Brasília:

— Eu não sou aquela presidente que vai dar entrevista depois de erros.

O sistema, esse vilão abstrato, mudou de endereço. Na bolha palmeirense, o malvado da vez é John Textor. Se a intenção do dono do Botafogo é (como ele diz) melhorar o futebol brasileiro... está usando o método errado. Vai precisar de mais aliados e menos inimigos. Você precisa quebrar alguns ovos pra fazer omelete — mas jogar todos na parede simplesmente não funciona.

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