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Esportes

Entenda a história do futebol em seis jogos inesquecíveis

Rory Smith, colunista do New York Times, tenta resumir a trajetória do esporte em confrontos que marcaram e quebraram regras
Jairzinho, Rivelino, Carlos Alberto, Pelé e Wilson Piazza comemoram a vitória do Brasil em 1970 Foto: Arquivo O Globo
Jairzinho, Rivelino, Carlos Alberto, Pelé e Wilson Piazza comemoram a vitória do Brasil em 1970 Foto: Arquivo O Globo

Você pode escrever a história do futebol de um milhão de maneiras diferentes: através das lentes de equipes e indivíduos, de táticas, geografia ou cultura. Perguntei-me, no entanto, se essa seria a melhor abordagem para esses dias de quarentena: não os seis melhores jogos de todos os tempos, mas seis que ajudam a explicar o esporte como o conhecemos agora, como o amamos agora, do jeito que a gente sente falta agora.

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Esta lista não pretende ser exaustiva: tomei 1946 como meu ponto de partida e (com uma exceção) 1992 como meu fim. Ambas as escolhas são deliberadas. Há poucas imagens de qualquer coisa antes da Segunda Guerra Mundial. E por que escrever uma lista quando você pode escrever duas? Esta é apenas uma visão pessoal. Como sempre, a dissidência não é apenas tolerada, mas gentilmente incentivada.

1) Inglaterra 3x6 Hungria

Amistoso, Londres, 25 de novembro de 1953
Inglaterra e Hungria, em 1953 Foto: Reprodução
Inglaterra e Hungria, em 1953 Foto: Reprodução

O final da primeira era do futebol e o início da segunda podem ser identificadas com precisão: o jogo que foi anunciado como o " Jogo do Século ", entre o país que representava o passado do esporte e o time que anunciava seu futuro.

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A Inglaterra nunca acreditou realmente que precisava derrotar os estrangeiros para provar sua superioridade em um esporte que, se não inventou completamente, certamente foi o país responsável por codificar. Até 1950, nem sequer se dignou a entrar nas Copas do Mundo. E mesmo sua primeira experiência no Brasil —  derrota para os Estados Unidos e eliminação precoce — não afetou sua auto-estima.

O que aconteceu três anos depois em Wembley teve mais impacto. O time da Hungria, seu esquadrão de ouro, expôs o mito da supremacia inglesa. Billy Wright, capitão da Inglaterra, ficou impotente para impedir Ferenc Puskás, Sandor Kocsis e Nandor Hidegkuti de jogar. Ele parecia, nas palavras de um repórter, "um carro de bombeiros correndo para o fogo errado".

A vitória enfática da Hungria —  a primeira vez que a Inglaterra foi derrotada por uma nação de fora das Ilhas Britânicas em casa —  não apenas provou que a Inglaterra não era mais o padrão-ouro do jogo, mas assinalou o futuro: a Hungria não apenas superou a Inglaterra, mas também superou o padrão. O futebol não seria mais um mero concurso físico. Também era intelectual.

2) Real Madrid 7x3 Eintracht Frankfurt

Final da Copa dos Campeões Europeus, Glasgow, Escócia, 18 de maio de 1960
O Jogador do Real Madrid, Ferenc Puskas Foto: Arquivo O Globo / Arquivo O Globo
O Jogador do Real Madrid, Ferenc Puskas Foto: Arquivo O Globo / Arquivo O Globo

Entre os 127 mil torcedores no Hampden Park estava um jovem Alex Ferguson, testemunha do que é considerado o melhor desempenho de uma equipe em qualquer final da Copa dos Campeões Europeus, o antigo nome da Liga dos Campeões. Liderado por Puskás e Alfredo Di Stefano , o Real Madrid deixou de lado uma equipe mais do que competente do Eintracht , conquistando o quinto título continental consecutivo.

Isso provaria não apenas o ponto alto do time, mas sua última corrida: um ano depois, o Benfica finalmente desalojou o Real Madrid como campeão europeu. O Hampden Park , no entanto, consolidou o legado não apenas de Di Stefano e Puskás, mas também do clube que havia construído o primeiro esquadrão de "Galácticos".

Desse ponto em diante, haveria um glamour ligado a essa camisa branca brilhante. A Liga dos Campeões seria para sempre associada ao Real Madrid, e o torneio relativamente novo —  com apenas cinco anos de idade —,  se tornaria um medidor de grandeza, primeiro rivalizar e, depois, superar a Copa do Mundo como campeonato de futebol mais importante do planeta.

3) Brasil 4x1 It��lia

Final da Copa do Mundo, Cidade do México, 21 de junho de 1970
Jairzinho, Tostão e Pelé comemoram o 3º gol do Brasil Foto: Arquivo O Globo
Jairzinho, Tostão e Pelé comemoram o 3º gol do Brasil Foto: Arquivo O Globo

O melhor jogo da Copa do Mundo de 1970 foi a semifinal —  outra partida do século, entre a Itália e a Alemanha Ocidental — mas nada, na verdade, pode igualar a final por impacto. Em cores vivas tecnicistas - camisas amarelas brilhantes, campo verdejante, céu azul safira - o mundo se apaixonou pelo Brasil.

Nessa fase, é claro, o Brasil já era uma potência: havia vencido a Copa do Mundo em 1958 e 1962; Pelé já era reconhecido como uma estrela mundial. Mas 1970 era sua apoteose e de sua equipe, o momento de transcendência em algo como um ideal estético de como o futebol deveria ser jogado, como deveria ser. Foi o ponto em que, se a Inglaterra era o lar do corpo do futebol, o Brasil se tornou a terra de sua alma.

4) Ajax 2x0 Internazionale

Final da Copa dos Campeões Europeus, Roterdã, Holanda, 31 de maio de 1972
Johan Cruyff, capitão do Ajax Foto: Arquivo O Globo
Johan Cruyff, capitão do Ajax Foto: Arquivo O Globo

A equipe holandesa que revolucionou o futebol na década de 1970 —  apresentando muitas das ideias e preceitos sobre estilo que continuam a moldar o esporte —  é lembrada pelo que não ganhou. Em 1974 e 1978, foi o melhor time do mundo. Nos dois anos, chegou à final da Copa do Mundo. Nas duas ocasiões, perdeu.

Mas muitos dos jogadores nessas equipes eram vencedores. O Ajax , o clube onde nasceu a doutrina do "futebol total" ergueu a Copa dos Campeões Europeus três vezes seguidas entre 1971 e 1973, o primeiro time desde o Real Madrid a fazê-lo. O segundo título, reivindicado em território inimigo em Roterdã, foi o melhor e mais doce de todos.

A Inter de Milão —  uma equipe construída, da maneira tradicional italiana, em torno da defesa grisalha —  foi destroçada por Johan Cruyff. Ele marcou os dois gols do Ajax e, ao fazê-lo, confirmou que a beleza poderia triunfar sobre o cinismo. É uma batalha de ideias com as quais o futebol luta desde então.

5) Argentina 0x1 Camarões

Fase de grupos da Copa do Mundo, Milão, 8 de junho de 1990
Camarões 1 x 0 Argentina Foto: Custódio Coimbra
Camarões 1 x 0 Argentina Foto: Custódio Coimbra

Até um dia ensolarado em San Siro, o futebol tinha dois polos: um na Europa e outro na América do Sul. Em todos os outros lugares — da América do Norte à Ásia e da África — era uma reflexão tardia. Nas Copas do Mundo, com algumas exceções notáveis, o papel das equipes desses continentes estava entre o ato da novidade e a forragem de canhão.

A vitória de Camarões sobre a Argentina , atual campeã mundial, foi o início de uma mudança sísmica, que continua até hoje. Embora sua vitória tenha sido caracterizada na época como sortuda e violenta — dois jogadores foram expulsos; o segundo, Benjamin Massing, realmente não pode reclamar — muito disso, olhando para trás, diz mais sobre o complexo colonial remanescente do futebol do que sobre o desempenho de Camarões.

O significado da vitória é mais claro agora. Foi o momento em que as equipes africanas — seguidas em pouco tempo pelos outros continentes em desenvolvimento do futebol — não cumpriam mais o papel que deveriam cumprir. Foi o momento em que o futebol se tornou um jogo verdadeiramente global.

6) Estados Unidos 0 x 0 China (EUA vencem nos pênaltis, 5-4)

Final da Copa do Mundo feminina, Pasadena, Califórnia, 10 de julho de 1999
Americanas comemoram vitória sobre a China Foto: Fifa
Americanas comemoram vitória sobre a China Foto: Fifa

Bem, foi o momento em que o futebol se tornou um jogo importante para verdadeiramente metade do mundo, as mulheres.

Durante a maior parte do século 20, o futebol feminino foi reprimido, de uma maneira ou de outra: por falta de financiamento, falta de exposição ou proibição total. A equipe dos Estados Unidos que ficou conhecida como '99ers', encerrou tudo isso no país.

O século 21 viu um crescimento sustentado e notável do futebol feminino em todo o mundo, liderado pelos Estados Unidos. (A partida também desempenhou um papel na popularização do esporte masculino nos EUA). A jornada ainda não está completa, é claro, mas o progresso alcançado pode ser atribuído ao Rose Bowl, ao sol de Pasadena e ao chute que abalou o mundo. O pênalti de Brandi Chastain que deu a vitória para as americanas.

Confira aqui trechos dos jogos citados

Inglaterra 3x6 Hungria

Real Madrid 7x3 Eintracht Frankfurt

Brasil 4x1 Itália

Ajax 2x0 Internazionale

Argentina 0 x 1 Camarões

Estados Unidos 0 (5) x (4) 0 China