Luana Génot
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Luana Génot
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Luana Génot

"Hi Ma’am!” ou na tradução livre do inglês para o português “Olá, senhora!”. Esses são os cumprimentos que recebo cada vez que vou a alguns eventos, hotéis, voos, recepções de empresas, restaurantes ou até ao pegar um carro por aplicativo. Na fila, às vezes, logo após falar com uma pessoa branca em português, o atendimento a mim é direcionado em inglês. Não estou falando de uma viagem internacional: essa experiência vivo constantemente aqui, no país em que nasci.

Sentir-se estrangeiro em sua própria terra é uma experiência tão desorientadora quanto reveladora. Nos EUA, usam “alien” para definir estrangeiros. Para mim, uma mulher negra da pele preta, a sensação é amplificada por interações cotidianas que me destacam e ao mesmo tempo me excluem do tecido social ao qual deveria naturalmente me sentir pertencente. Isso é evidente quando, estando “bem vestida” e transitando em espaços considerados refinados, sou abordada em inglês, como se minha aparência e o ambiente me deslocassem para fora da minha própria cultura.

No início, sentia-me confusa. Uma amiga chegou a dizer que eu era chique demais e que tinha cara de gringa. Brinquei uma vez que era “gringa da Penha”, Zona Norte do Rio. Mas nem sempre estou disposta a levar isso como brincadeira. Por muito tempo, abafei essa sensação de estranhamento como algo relativamente leve, comparado às violências que pessoas negras e indígenas podem sofrer. No entanto, passei a dar voz e nome ao meu desconforto: racismo.

O racismo não tem apenas forma bruta. Ele também pode ser transvestido de tratamento chique. Está ali: o tratamento desigual. E para mim não tem nada de sutileza nisso. É cafona e mais do mesmo. Esta falha de reconhecimento não é apenas um erro individual, mas um sintoma de uma visão de mundo estereotipada e racista. Esse fenômeno não é exclusivo ao Brasil, mas o contexto brasileiro adiciona camadas específicas. Aqui, onde a miscigenação é frequentemente celebrada como sinal de uma sociedade com integração racial, as realidades do racismo e do classicismo permanecem profundamente enraizadas. As expectativas sobre quem deve ocupar certos espaços são calcadas em uma história de exclusão e privilégio que precisa ser desafiada.

A luta é dupla: contra a visão externa que nos coloca como estranhas em nosso próprio país e o desafio interno de não naturalizar essas sensações de deslocamento. É um exercício constante de reafirmação de identidade e reivindicação de espaço que molda não só a maneira como vemos a nós mesmas, mas também como interagimos com o mundo ao redor.

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