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Pepita fala sobre planos para a maternidade: 'Vou ser a melhor mãe do mundo'

Cantora e apresentadora planeja adoção ao lado do marido
Cantora faz sucesso com o programa 'Cartas pra Pepita' Foto: Divulgação
Cantora faz sucesso com o programa 'Cartas pra Pepita' Foto: Divulgação

Só mesmo o verão do Rio para tirar Priscila Nogueira, a Pepita, do sério. “Esse calor me deixa apavorada. Estou com um ar-condicionado e um ventilador em cima de mim”, reclama, ao telefone. Morando em São Paulo, a carioca havia acabado de chegar à cidade, na tarde daquela quarta-feira, para passar uns dias na casa da mãe, no Méier.

Profissionalmente, porém, a cantora, que completa 36 anos amanhã e começou a ser conhecida do público na cena funk como Mulher Pepita, não tem do quê reclamar. Com espaço para flertar com outros ritmos, seu último lançamento foi o brega-funk “Pega pega”, cujo clipe tem mais de 250 mil visualizações. Também completou um ano como apresentadora do programa “Cartas pra Pepita”, em que distribui conselhos sobre os mais diferentes aspectos da vida aos fãs. A atração é exibida no seu Instagram, onde é seguida por mais de 800 mil pessoas.

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Em 45 minutos de conversa, o tom só fica sério ao abordar o preconceito contra as travestis. “Desde o primeiro minuto em que me levanto da cama, já me posiciono. Ninguém precisa me cobrar. Já faço isso ao andar no mercado e na rua”, diz ela, do alto de seu corpo musculoso de 1,97m de altura. “Procuram a gente no mês do ‘orgulho’ (o Dia da Visibilidade Trans é celebrado nesta sexta) , porque acham que somos uma modinha. Pensam que a letra T (da sigla LGBTI) só pode trabalhar na esquina e cuidar de cabelo de madame. Mas não. Pode ser advogada, dentista, mãe.” Este último papel, aliás, Pepita pretende desempenhar em breve, como adianta na entrevista a seguir.

O GLOBO - Como surgiu o “Cartas pra Pepita”?

PEPITA - A empresa que me agencia me convidou para gravar um piloto, com pessoas contando histórias, e eu dando dicas. No quinto episódio, não quis mais, porque levava os problemas para casa. Um dia, fui a uma boate, e um menino me disse: “Seu programa mudou a minha vida”. Corri para o banheiro, liguei para o diretor da empresa e pedi para voltar a gravar.

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Como é a repercussão?

Comecei recebendo 500 mensagens. Hoje, faço um Stories dizendo que vai ter gravação e recebo mais de 2.500. Achava que só alcançaria o meu público, mas chego até uma mãe de três filhos que não cuidava da vaidade e hoje se tornou uma nova pessoa.

Pepita relembrou trajetória em entrevista exclusiva Foto: Divulgação
Pepita relembrou trajetória em entrevista exclusiva Foto: Divulgação

Por que acha que as pessoas se identificam?

Não esperava fazer um programa que me levaria até a Bienal do Livro, com 2.500 pessoas para me ver, quando lancei o livro (“Cartas pra Pepita”, 2019) . É uma quebra de tabu enorme. Todas as falas vêm do meu coração, porque são coisas que gostaria de ouvir. Também junto um pouco de humor. Afinal, é muito complicado dar uma resposta a uma pessoa que acabou de ser traída, que tem dúvida se está com uma doença.

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Disse que deseja cursar Psicologia.

Quero entender o que faz uma pessoa matar outra, chegar em casa, tomar banho e dormir e o que se passa na mente de um ser humano ao trair quem ama. Também quero entender o que leva alguém a fazer uma roda de amigos, botar uma trans no meio e dar uma surra nela.

Por que chama os fãs de família?

Venho de uma base de família. Sei o que é isso. Tenho uma mãe maravilhosa, que passou por um câncer, e nunca a vi reclamar. Tenho um irmão que é um homem trans. O meu primeiro sutiã foi minha mãe que me deu.

E seu pai?

Eu o perdi há oito anos, vítima de um enfisema. Foi muito complicado ver o desespero dele por um balão de oxigênio para falar “bom dia”. Por isso, vivo intensamente. A vida muda em segundos.

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É por isso que usa adesivos de nicotina nos braços?

Sempre me perguntam isso. Mas nunca fumei. O adesivo é hormônio feminino. Eu e milhões de manas o usamos para mudar a voz, a pele ficar melhor e ter uma unha bonita. Antigamente, usava na minha virilha e na nuca. Tem que trocar toda semana, e uma embalagem com três custa cerca de R$ 150. Muitas manas, infelizmente, ainda não conseguem comprar.

Como foi a sua infância?

Fui um menino gay, o queridinho da família. Sempre gostei de dançar. Se não tocasse É o Tchan na festa, nem aparecia. Tenho um avô falecido que “era Bezerra de Menezes” e dizia que, em outra vida, fui uma mulher muito feliz. Por isso, vim desse jeito.

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E como era na escola?

Também não sofri. Fazia esporte com as meninas. Posso ter ouvido duas ou três vezes uns palhaços falarem: “Ah, o viadinho”. Mas isso nunca me fez ter medo. Também nunca fui agredida. Alguns desses meninos mandam mensagens dizendo: “Nossa, como você mudou”. Sempre respondo: “Não posso dizer o mesmo de você”. Mas sei que existem milhões de pessoas que deixam de estudar por causa disso. E acho que os maiores culpados são os coordenadores e os diretores das escolas. Eles não se colocam no lugar daquela criança.

Quando se entendeu como travesti?

Aos 15 anos, usava o dinheiro da merenda para comprar hormônios, até que comecei a ficar enjoada e agressiva. Minha mãe, então, me chamou para conversar. Com 18, botei a minha primeira prótese e comecei a ter acompanhamento médico.

Cantora gravou o brega-funk "Pega pega", recentemente Foto: Divulgação
Cantora gravou o brega-funk "Pega pega", recentemente Foto: Divulgação

De onde vem o nome Pepita?

É uma pedra bruta que precisa ser lapidada. Então, se encaixou muito comigo. Antigamente, usava Mulher Pepita, mas depois entendi que sou uma belíssima de uma travesti, e deixei só Pepita.

Por que frisa a palavra travesti?

Em me sinto bem assim. Algumas pessoas preferem usar o termo trans, mas gosto de falar que sou travesti. Apesar de viver num país que mata, mas consome no sexo, tenho orgulho de ser uma travesti. Não vejo bloqueio ou fraqueza nisso, vejo resistência.

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O que fazia antes da música?

Dava aula de lambaeróbica num clube, em Marechal Hermes. A merrequinha de lá me ajudava nos hormônios, a comprar um vestidinho, uma calcinha (solta uma risada). E aí comecei a receber convites para dançar e fazer shows com a Furacão 2000, até que um amigo me convidou para botar a voz numa música.

Sofreu preconceito no funk?

Nunca. Os meus produtores são bofes e sempre me respeitaram.

Você tem feito publicidades com marcas grandes de bebidas e calçados.

É maravilhoso, mas não quero ser a única. Tem muitas manas que também merecem isso. Sempre pergunto aos amigos se eles seguem alguma trans nas redes. Mas uma travesti no comercial das Havaianas, uma sandália que a sua tia e a sua avó usam, é bafo.

Ficou rica?

Não. Mas eu parei de comer enlatado e hoje estou comendo comida mais consistente.

Pepita durante o casamento com Kayque Nogueira Foto: Divulgação
Pepita durante o casamento com Kayque Nogueira Foto: Divulgação

Tem mais projetos profissionais?

Vou aparecer na telona em dois filmes este ano e quero transformar meu programa numa peça, em que lerei cartas ao vivo.

No ano passado, você se casou de "véu e grinalda". Por que optou por ritos tão tradicionais?

Acho lindo uma mulher de noiva. Também acho lindo uma travesti de noiva. Ninguém esperava ver a Pepita, no dia 19 de setembro, às 16h, dizer “sim” no altar (ela se casou com o supervisor de call center Kayque Nogueira, de 24 anos, com quem namorava há mais de um ano) . Sou pansexual, amo pessoas, e fui muito criticada quando fiquei noiva. Falavam: “Pepita, trans precisa namorar homem, e não ‘uma’ gay”. Sou casada com um rapaz gay, que amo. A gente se dá bem em todos os sentidos, que não preciso detalhar. Não é à toa que estamos num processo de ele ser pai e eu ser mãe. Já estou visitando orfanatos e conhecendo alguns anjos abençoados. Quando vou visitá-los, tenho certeza de que vou ser a melhor mãe do mundo.

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Que tipo de mãe quer ser?

Vai prevalecer a igualdade e a empatia. Vou ter orgulho de falar quem sou a eles, de ir à festa da escola, de ensinar, quando chegar o dia da menstruação e nascer o primeiro pelo. Se for menino, vou ensiná-lo a não ser machista. A primeira coisa que temos que ensinar a um filho é a ter personalidade. Quando fazemos isso, ele pode estar do lado de uma boca de fumo, que não vai fazer besteira.