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Entre as oito faixas de seu último álbum, “O que meus calos dizem sobre mim”, Alaíde Costa nutre particular apreço por uma canção: “Aos meus pés”, escrita por João e Francisco Bosco. Os versos “O meu caminho eu mesma fiz / não foi ninguém que me apontou / eu me virei sozinha / comi o pão todinho / que o diabo amassou”, ela reconhece, soam especialmente familiares. “É como se fossem escritos para mim”, comenta, em entrevista por telefone, de sua casa, em São Paulo. “Eu me virei sozinha mesmo, comi o pão todinho que o diabo amassou.”

Aos 88 anos, a cantora carioca vive o triunfo de uma carreira de sete décadas como jamais imaginou. Chega a esta idade celebrada em programas de TV e artigos na imprensa, enquanto canta para plateias lotadas e se prepara para lançar, nas próximas semanas, um novo disco. A agenda abarrotada, porém, contrasta com outros momentos da trajetória, quando nem sempre recebeu as devidas reverências. “Sinto muita honra por ter sido persistente, não ter aberto mão daquilo que desejava artisticamente. Depois de 70 anos, consegui esse reconhecimento. Então, tenho que me sentir orgulhosa, né?”

Criada em Água Santa, no subúrbio do Rio, Alaíde é filha de um forneiro de padaria e de uma lavadeira e, na adolescência, cogitou ser professora. Hoje, porém, quando pensa sobre o plano, tece um comentário um tanto irônico: “Sou uma pessoa muito tímida. Jamais seria uma boa professora”.

A timidez, por sorte, não a impediu de atender aos pedidos do irmão mais novo, Adilson, para que se apresentasse num concurso de calouros num circo do bairro. Saiu vitoriosa e ganhou confiança para participar de outras competições. Foi assim que chegou até o programa de Ary Barroso, na Rádio Tupi, onde surpreendeu a todos com a execução de “Noturno em tempo de samba”, canção pela qual havia se apaixonado na voz de Silvio Caldas. “Tinha 16 anos, e ele (Ary) não acreditou que eu fosse capaz de cantar aquela música”, recorda-se. “Quando recebi a nota máxima, tomei a iniciativa de ir a outros programas.”

O caminho trilhado nas competições musicais a levou até as apresentações profissionais. Tornou-se crooner na extinta casa noturna Dancing Avenida, no Rio, e recebeu convites para gravar os primeiro discos. Mais tarde, nas incursões pelos estúdios, sua voz doce chamou a atenção de João Gilberto. “Ele disse: ‘Essa jovem aí tem tudo a ver com uma música que uns meninos estão fazendo’”, narra Alaíde. “Era a bossa nova, que nem nome tinha ainda.”

Dessa época, a cantora se lembra de ir a algumas das famosas reuniões nas casas de personalidades da cena cultural vigente. “A primeira onde fui era do pianista Bené Nunes (1920-1997)”, conta. “Depois, fui a várias outras, como a do fotógrafo Chico Pereira (1921-1999) e a de Nara Leão (1942-1989).”

O movimento foi ganhando visibilidade e, segundo Alaíde, o grupo começou a agir como se não precisasse mais dela. “Decidi que ficar insistindo com eles não ia me levar a lugar algum e me mudei para São Paulo, onde fiz minha trajetória”, comenta. A cantora, contudo, diz não se ressentir. Em outubro do ano passado, teve um reencontro em grande estilo com o gênero: apresentou-se no Carnegie Hall, em Nova York, num show em comemoração ao concerto que mostrou a bossa nova para o mundo, naquele mesmo palco, em 1962. Embora não tenha participado da primeira apresentação, dessa vez, foi a artista mais celebrada pelo público, aplaudida de pé.

Alaíde cantou, na famosa casa americana, ao lado de um dos fundadores da bossa nova, Roberto Menescal, que ficou feliz em reencontrar a colega que não via há décadas. “Quando nos vimos, ela estava triste porque ia ter só uma canção no show. Incluí mais uma sem nem avisar à produção. Ensaiamos só eu e ela”, narra o músico. A dupla executou “Demais” sozinha no palco, depois de Alaíde ter cantado “Sabe você”. “Cerca de 80% da plateia era formada por americanos, e ela foi aplaudida de um jeito inacreditável. É daqueles fenômenos que não dá para explicar”, acrescenta Menescal.

Na fase atual, a cantora carioca também tem se surpreendido com o perfil do público de seus shows, formado majoritariamente por jovens. Em parte, isso tem a ver com a relação que passou a nutrir com artistas mais novos. O último álbum foi produzido pelo rapper Emicida e por Marcus Preto, com direção musical de Pupillo, e pretende-se o primeiro de uma trilogia. O segundo, com lançamento previsto para julho, chama-se “E o tempo agora quer voar”, trecho da faixa “Suave embarcação”, composta por Alaíde e Nando Reis. Há também colaborações de nomes como Caetano Veloso, Rubel e Marisa Monte.

Marcus tornou-se, no meio desse processo, amigo da cantora e diz que ela, embora tímida em entrevistas, exala alegria. Depois das gravações, por exemplo, gosta de ir ao seu bar favorito, na região da Augusta, em São Paulo, para tomar um “calmante”, como chama as doses de uísque ou Aperol que tanto aprecia. Para comer, vai de sopa de mulher parida (espécie de canja com fubá, couve e frango desfiado). Mantém, ainda, um compromisso “religioso” às quintas-feiras: ir à sauna, onde encontra as amigas e bota o papo em dia. “Ela está vivendo milhões de coisas boas”, conta Marcus. “Tem levado a vida de um jeito leve. Recentemente, fraturou a bacia e, em três meses, já estava dançando e andando sem a ajuda de bengala. Todo mundo acha que uma pessoa forte é aquela que dá soco, grita... Mas a força dela está na doçura.”

Enquanto vive o auge, Alaíde passou a lidar também com as insistentes perguntas de jornalistas sobre as dificuldades pregressas, como o racismo. Mas, sobre o assunto, diz estar cansada de tecer comentários. “Lá atrás, sofri bastante. Porém, não se falava disso e, dentro da minha ingenuidade, não percebia muitas coisas. Agora, só querem falar disso comigo”, reclama.

Casada duas vezes, tem três filhos, quatro netos e dois bisnetos. Viúva do último marido, diz ser muito amiga do primeiro e estar em paz com a vida de solteira. “Pelo amor de Deus! Chega, né?”, responde, em meio a risadas, quando questionada se pretende se casar novamente.

Outro trunfo é o fato de ter conseguido conciliar a carreira com a maternidade. Em certas ocasiões, lembra-se de ter levado um dos filhos ainda bebê num moisés e deixá-lo no camarim, dormindo, enquanto se apresentava no palco. “Era muito simples, na verdade. Ia lá e fazia meu trabalho”, resume.

Quando fala sobre o orgulho do caminho percorrido sem concessões, Alaíde descortina uma determinação que a acompanhou ao longo de todos esses 70 anos de carreira. Já nos primeiros anos, ao ver que a gravadora não estava dando apoio para fazer o disco como queria, bancou, com a ajuda de amigos, o próprio álbum. Foi assim que nasceu “Joia moderna” (1961), um dos trabalhos mais elogiados. “Todos os meus (27) discos são importantes para mim. Mas, naquele momento, acho que quebrei uma barreira.”

A postura só não foi suficiente para evitar que empresários e produtores deixassem de pedir à cantora que gravasse músicas e ritmos que nada tinham a ver com ela. “Por recusar, fiquei muito tempo sem gravar. Foram períodos bem difíceis”, recorda-se Alaíde, que precisou se apresentar em bares noturnos, com cachês mais baixos. “Quando vinham os ‘movimentos’, achavam que eu tinha que entrar neles, mas não me dobrava. Uma vez, queriam que gravasse ‘Serenata do adeus’, do Vinicius de Moraes, em ritmo de iê-iê-iê. Claro que não quis, né?”

São convicções que revelam também a maneira como a carioca se relaciona com a música. Afinal, segundo ela, cantar algo com o que não se identifica soaria falso. “Se tivesse feito isso, não estaria aqui hoje. Minha carreira teria ido por água abaixo”, diz ela, famosa pelo repertório em torno do amor. “Acho que nasci para cantar esse sentimento. Simples assim. Ele me atrai. E não falo só daquela coisa conjugal. Sinto amor pelos meus filhos e meus amigos.”

Além do repertório apurado, preocupou-se também em encontrar um modo autêntico de cantar. Embora tenha uma lista de intérpretes que admire desde nova, não queria imitá-las. Uma dessas cantoras está, inclusive, entre os projetos futuros. “Antes de partir, quero fazer uma homenagem a Dalva de Oliveira. Acho que aprendi um pouco com ela, essa coisa de passar a emoção por meio da música”, afirma, antes de fazer a ponderação final: “Mas vai ser na minha versão, lógico, né?”.

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