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Por Eduardo Vanini

A certa altura desta entrevista, Marisa Orth faz um adendo: “Talvez, não fale exatamente o que você queira ouvir”. O jogo entre expectativa e realidade está posto ao longo de duas horas e meia de conversa e ressoa, de algum modo, as falas iniciais do monólogo “Bárbara”, em cartaz até dia 3, no Teatro XP, na Gávea, Zona Sul do Rio. A peça marca os 40 anos de carreira de Marisa e é inspirada no livro “A saideira”, em que a jornalista Barbara Gancia narra a cruzada contra o alcoolismo. Tão logo surge no palco, a atriz avisa não se tratar de uma comédia. Ainda assim, ela mesma completa, isso não significa que a plateia não vá rir.

A paulistana faz 60 anos em outubro e chegou a relutar, no começo da carreira, em assumir a veia cômica. Mas foi por meio dela que se tornou uma artista popular. Consagrou-se com a Magda, do humorístico “Sai de baixo”, que ficou seis anos no ar na TV Globo, e fez mais uma penca de personagens hilárias no canal. Marisa, contudo, é complexa. Formou-se em Psicologia, cantou em bandas, atuou em musicais, mergulhou em papéis dramáticos e viveu as dores e as delícias de ser alçada a símbolo sexual com uma edição icônica da revista “Playboy”, em 1997.

Um pouco de tudo isso explode em “Bárbara”, cuja atuação rendeu-lhe o Prêmio Bibi Ferreira de melhor atriz de teatro, no ano passado. Ao longo de uma hora de espetáculo, as tais risadas vêm aos montes, assim como o choro, a tensão e a melancolia. Sensações distintas costuradas com a sofisticação cênica de quem está em total segurança. “Dane-se que eu esteja com 60. Estou viva, lúcida, uma atriz boa para caramba. Depois de quatro décadas numa profissão, você fica cada vez melhor. E ainda tenho a energia física”, comemora.

A atuação visceral guarda também o vigor de um projeto arquitetado em meio à pandemia e ao desmonte do setor cultural brasileiro nos últimos anos. “É heroico estarmos em turnê. Só agora começamos a captar (recursos). Entretanto, tem uma fila para isso. Há projetos paralisados desde 2017”, diz, sobre a montagem idealizada e dirigida por Bruno Guida, com dramaturgia de Michelle Ferreira. Mas existe, segundo ela, uma outra força por trás da interpretação intensa: “A Barbara é uma pessoa cheia de vontade. Por isso, saiu da buraqueira. Bebeu com muita vontade e parou de beber com muita vontade. Ela é vital”.

A autora do livro, por sua vez, afirma que a atriz deu novo parâmetro à obra ao levá-la a públicos diferentes. Desde que a peça entrou em cartaz, em 2021, Barbara recebe mensagens semanais de pessoas que deixaram de beber, incentivadas pelo monólogo. Um êxito que credita ao talento de Marisa. “Ela era a única pessoa com o humor e a inteligência suficientes para entender o que se passou comigo”, comenta. “Há um lado de escracho, mas também uma dignidade. Não teria me recuperado, se não houvesse essa seriedade dentro de mim.”

Vestido Haight, chapéu Barbarah, choker e pulseira Struktura na Pinga — Foto: Pedro Bucher
Vestido Haight, chapéu Barbarah, choker e pulseira Struktura na Pinga — Foto: Pedro Bucher

Barbara enfatiza o fato de o assunto não alcançar a dimensão necessária no Brasil. Embora o consumo de bebida alcoólicas esteja relacionado a problemas como violência doméstica e acidentes de trânsito, segue naturalizado e até glamourizado. Marisa concorda. “Vivo em realidades onde existe o abuso do álcool e, quando era criança, vi os adultos se jogarem nas drogas da época, que era o uísque e o cigarro”, relembra.

O tabaco, diz a atriz, foi a sua pior experiência com esse tipo de substância. “Comecei fumando baseadinho até que, numas férias, aos 23 anos, não tinha e vi o povo fumando cigarro. Falei: ‘Ah! Passa para cá’”, recorda-se. Tornou-se dependente e foram cinco tentativas, incluindo visitas a psiquiatras e pneumologistas, além do uso de adesivos e antidepressivos, até conseguir parar, cerca de dez anos atrás. “Quanto à maconha, não vou dizer que nunca tive dependência. Mas suspendo com facilidade.”

Fazer com que o público entenda a dificuldade de superar compulsões, segundo Marisa, é uma das principais preocupações da peça. “Eu mesma tenho vários descontroles e impulsos. Mas fiz muita terapia e tenho a coragem de observá-los”, avalia. Foi assim que acendeu, recentemente, o alerta quanto ao uso de um remédio hipnótico para dormir. “Quando passei pela menopausa, meu sono sumiu. Comecei a tomar meio comprimido diariamente, até que me ‘autodei’ um ‘boa noite, Cinderela’.”

Spencer e calça Carol Bassi, brincos Ylla, anéis Hstern e óculos Balenciaga na Lunetterie — Foto: Pedro Bucher
Spencer e calça Carol Bassi, brincos Ylla, anéis Hstern e óculos Balenciaga na Lunetterie — Foto: Pedro Bucher

Foi num dia em que saiu com um amigo e bebeu duas doses de uísque. De volta para casa, tomou o remédio e, na manhã seguinte, acordou com um pijama diferente do que usava naquela semana e não se lembrava das atitudes antes de adormecer. “Não aconteceu nada grave, mas fiquei em pânico. Pensei: ‘Agora, você vai ficar acordada até aprender a induzir o sono novamente’. Aguentei uma semana e meia de insônia e voltei ao normal.”

Marisa coloca até mesmo relações tóxicas antigas na conta das compulsões. “Só tenho as falangetas porque nunca namorei um alpinista”, ironiza. “Eu viro a porcaria da pessoa, começo a viver a vida dela. Mesmo sendo uma pessoa legal, isso está errado. Você tem que viver a sua vida. Sou libra com ascendente em libra. Sou muito flexível, romântica. Muito trouxa!”

Solteira desde 2020, quando terminou o segundo casamento (com o percussionista Dalua, por dez anos), Marisa tateia com leveza e curiosidade a nova fase. No dia desta entrevista, estava empolgada com vinda do filho João, de 24 anos (do primeiro casamento, com o produtor Evandro Pereira), para passar o fim de semana no Rio, onde iriam juntos a um festival de música. Ambos moram em São Paulo e, durante as temporadas cariocas, ela fica na casa do arquiteto e diretor artístico Gringo Cardia, na Lagoa, onde recebeu a reportagem.

Amigos de longa data, os dois moraram juntos quando a atriz se mudou para o Rio, em 1990, para gravar o filme “Não quero falar sobre isso agora”, de Mauro Farias, do qual Gringo era diretor de arte. Na época, dividiram uma casa no alto de Santa Teresa, mítica pelas festas organizadas pela dupla. “Tudo era motivo de celebração, e chegávamos a reunir 300 pessoas”, recorda-se Gringo. “Os convidados se perdiam nos jardins e saíam casais. Era o auge da nossa juventude e havia muita efervescência cultural.”

Vestido Dolce & Gabbana, luvas Ohlograma e joias Hstern — Foto: Pedro Bucher
Vestido Dolce & Gabbana, luvas Ohlograma e joias Hstern — Foto: Pedro Bucher

Retomar a agenda “festiva”, portanto, tem um sabor especial para a atriz. “Estou botando a cabecinha para fora só agora”, afirma. “Eu me sinto mais animada e fiz novos amigos. A Claudinha Raia me pegou pelo colo praticamente, mandou eu ir ao endócrino dela, me indicou um professor de balé particular. Estou treinando para caramba. Isso tudo é da autoestima. Estou bem. Morrendo de medo de me casar de novo, mas desejando ao mesmo tempo.”

Os treinos têm a ver também com um novo projeto. Marisa grava, em outubro, para a Warner, a série “Body by Beth”. Ela vai interpretar uma campeã mundial de aeróbica que recebeu o prêmio das mãos de Jane Fonda e hoje tem uma academia. Com a estreia prevista para 2024, ela espera provocar, em meio ao humor, debates sobre o etarismo. “Não tenho culpa do dia em que nasci, bicho! Envelhecer dá medo, porque vamos morrer. Mas não vou sofrer. Precisamos seguir em frente”, reflete, sem deixar de criticar a maneira cruel como o audiovisual trata as atrizes. “Cansei de ver jovens interpretarem as filhas do ator e, dali a cinco anos, fazerem a esposa. Mas vou fazer o quê? Pedir bondade? Não! Vou é ser feliz. Para mim, uma pessoa de mais de 60 anos feliz é um ato político.”

Colegas de geração de Marisa e mais velhos estão, inclusive, no programa “Dois em cena”, que a atriz estreia amanhã, no Viva. A cada episódio, um ator veterano e outro jovem compartilham experiências e fazem leituras de cenas. Entre as duplas, estão nomes como Léa Garcia, que morreu no último dia 15, e Clara Moneke; Antonio Fagundes e Bruno Fagundes; e Othon Bastos e Caio Blat. “Tomamos tanta tijolada na cabeça, mas quero crer que o brasileiro ama seus atores. Somos o país da teledramaturgia.”

Ao falar sobre os pares, Marisa elogia a “quantidade de mulheres gatas” que tem adotado os cabelos brancos e diz cogitar fazer o mesmo. “Antes só víamos isso aos 80 anos. Já já eu quero. Não fiz ainda por causa dos meus papéis”, avisa. Diz também que se sente bem com o corpo, do qual cuidou a vida inteira e que exibiu, com convicção, na extinta revista “Playboy”. Dá boas risadas ao se lembrar do choque provocado em jornalistas portugueses, quando reiterou sua decisão, em entrevistas no país europeu. “Nunca precisei de dinheiro. Fiz por prazer, por fantasia.”

Blazer e calça Andrea Marques, top NV, brincos e anel Maria Friering e sapatos Schutz — Foto: Pedro Bucher
Blazer e calça Andrea Marques, top NV, brincos e anel Maria Friering e sapatos Schutz — Foto: Pedro Bucher

Na época, Marisa estava no ar em “Sai de baixo” e suas pernas torneadas viraram marca da personagem que tinha beleza de sobra e inteligência de menos. No meio do programa, separou-se do primeiro marido e, quando voltou “para a pista”, havia virado símbolo sexual. Lidar com isso, entretanto, não foi um deleite. Houve um deslumbre com a quantidade de bonitões que a desejavam, mas a ficha caiu logo: “Virei um lugar. As pessoas não querem ficar com você, mas com a famosa da Globo. Então, subi de nível no jogo do amor, mas fiquei mais sozinha”.

Identificada com as pautas feministas, Marisa seguiu sem sucumbir ao machismo. Celebra os avanços conquistados pelas mulheres no audiovisual, tem posicionamentos políticos claros e não teme falar publicamente sobre tabus, como o aborto. “Precisamos mexer nessa cumbuca”, alerta. “É uma prática comum entre as mulheres e acaba sendo mais uma coisa que separa pobres de ricos. Acho muito cruel não querer entender as razões que uma mulher tem para abortar.”

Diante de falas tão eloquentes, é interessante notar que, em sua trajetória, a atriz sempre esteve ao lado de personalidades femininas que abriram caminhos no Brasil. Dividiu o sofá do “Saia justa”, no GNT, com Rita Lee, e contracenou com Aracy Balabanian, no “Sai de baixo”, só para citar algumas. Ambas, porém, figuram entre as personalidades brasileiras que morreram nos últimos meses. “Já comecei a sofrer quando perdi meus ídolos. Bob Marley, Prince, David Bowie... A Gal acabou comigo”, lamenta. “Agora, bate uma tristeza porque formamos uma família na arte. A Aracy era muito maternal, e a Rita foi sonho realizado.”

O tom de voz fica mais baixo ao falar sobre o assunto, mas não indica resignação. Apesar da saudade, Marisa ergue a cabeça e diz, nos minutos finais do papo: “Elas eram tão legais quanto eu imaginava e se tornaram minhas amigas, gostavam de mim. Isso é muito gratificante. Tive e tenho uma vida muito boa, cara”.

Já é noite do lado de fora, e Marisa sabe que ainda há muitas conquistas por vir.

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