Ricardo Henriques
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O que queremos dizer quando falamos em tomada de decisão baseada em evidências? Com frequência, nada, ou quase nada. O argumento de que políticas públicas precisam ser baseadas nelas é quase consensual, mas torna-se complexo quando questionamos o que cada um entende por evidências, como identificamos as mais robustas e adequadas, ou de que forma devem ser incorporadas nas ações governamentais. E há também o desafio, ainda maior em sociedades democráticas e plurais, de convencer políticos e a população — que possuem visões de mundo distintas e, não raro, opostas — de que determinado caminho é o melhor e mais viável.

A expressão “políticas baseadas em evidências” por vezes é equivocadamente compreendida como o predomínio da técnica sobre a política. Como se fosse possível, em temas complexos, recorrer à ciência para resolver conflitos e tomar, com plena certeza, a melhor decisão — o que significaria, diga-se, a não tomada decisões, porque o melhor caminho já seria “objetivamente” conhecido. Reconhecer essas limitações, porém, não significa que devemos ignorá-las. Decisões baseadas apenas na intuição ou em ideologias são perigosas pelo alto risco de ineficácia e por prováveis consequências negativas. O desafio das democracias modernas, portanto, é a busca de equilíbrio entre as melhores evidências disponíveis e a sensibilidade política.

Vale dizer que as evidências não se resumem apenas aos conhecimentos organizados pela comunidade científica. Elas podem considerar saberes populares, a prática dos operadores da política pública e as perspectivas da população por ela afetada, conforme o recente estudo Governança e Cultura do Uso de Evidências no Brasil, do Ipea.

Com frequência, ouvimos de grupos opostos que seus argumentos são baseados em evidência. A banalização da expressão exige da sociedade — especialmente dos formuladores de políticas e formadores de opinião — ampliação da capacidade analítica sobre a robustez e a relevância das evidências apresentadas. Isso exige pensamento crítico, métodos investigativos e mais abertura ao contraditório, algo raro em tempos polarizados. Mesmo recorrendo ao conhecimento científico, é possível chegar a conclusões enviesadas se selecionarmos — de forma intencional ou involuntária — apenas o que confirma nossos pontos de vista prévios. A ciência, aliás, já abandonou a ilusão iluminista do “conhecimento absoluto”. O desconhecido pode ser metafísico ou impossibilidade cognitiva, mas seguirá existindo.

Mesmo quando confiantes do uso da melhor ciência possível durante a ideação de políticas, é fundamental seu monitoramento constante, afinal, a diversidade de contextos, a qualidade da implementação e limitações ao conhecimento objetivo da realidade podem produzir resultados diversos ou distintos do planejado, especialmente quando se trata de intervenções sobre situações multideterminadas em sistemas de interações complexas. Esse exercício de humildade combinado à disciplina investigativa permite corrigir rotas e readequar rumos.

É preciso também produzir entendimento e engajamento amplo. Basta lembrar que a comunidade científica há pelo menos três décadas alerta para as consequências do aquecimento global. Argumentos técnicos, por mais sólidos, nem sempre são suficientes para fazer com que a política se mova na direção e tempo adequados, mesmo quando se referem a riscos existenciais à população.

Soa contraditório que a dificuldade no uso de evidências em políticas públicas ocorra numa era de abundância em dados para embasar o conhecimento científico. Mas, nos tempos atuais, o nível de incerteza se ampliou e sua natureza se diversificou. Até processos que considerávamos sólidos — como a consolidação das democracias liberais no ocidente — são colocados à prova pelo crescimento do populismo autoritário, que tem como uma das estratégias justamente a negação da política e da ciência.

Neste cenário, não falta quem se aproveite de expectativas frustradas e ressentimentos acumulados para oferecer soluções simples e equivocadas — mas, ainda assim, entendidas como soluções. O campo democrático precisa apresentar respostas para as legítimas aspirações da população. Soluções complexas para problemas complexos, mas, acima de tudo, soluções. Só questionamentos não apaziguarão ou engajarão a população. Elas precisam ser baseadas nas melhores evidências disponíveis, institucionalizando uma cultura de produção e de seu uso em políticas públicas, e reconhecendo, por fim, que o campo de disputa não é apenas o racional, mas, também, o emocional e afetivo.

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