Economia
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RESUMO

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GERADO EM: 04/07/2024 - 04:30

Críticas de Lula ao Banco Central e resistência política

Lula critica o Banco Central, duelando com o mercado e defendendo suas convicções sobre juros. Reúne economistas para discutir a escalada do dólar e busca manter sua base popular, evitando ceder a pressões do mercado. Resistência política em jogo para as próximas eleições.

A cruzada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o Banco Central (BC), que vem causando tensão no mercado financeiro e ajudado na disparada do dólar, tem como pano de fundo a impaciência de Lula com a política de juros e o diagnóstico interno de que, eleitoralmente, ele se beneficia junto a parcelas da população quando decide duelar com o mercado.

O presidente não está fazendo a conta sobre o impacto de sua fala na cotação do dólar, mas buscando externar o que realmente acredita, diz um aliado.

O petista vê um movimento do mercado para forçá-lo a adotar uma agenda ambiciosa de cortes que ele não coaduna e, por isso, tem insistido nos comentários contra a autoridade monetária e sobre o "jogo especulativo" ao qual o real vem sendo submetido.

Quem convive com Lula no Planalto, afirma que, internamente, o petista faz críticas muito mais pesadas ao BC e à taxa de juros do que as feitas em público. Um dos auxiliares afirma que esse é um dos poucos assuntos que com frequência “tira o humor” do presidente.

A avaliação entre auxiliares é que, apesar da irritação dos investidores, a maioria da população entende quando o petista associa os juros a problemas cotidianos.

Uma série de pesquisas e levantamentos internos encomendados pelo governo também tem indicado que Lula ganha o debate da opinião pública quando bate na taxa de juros. O fato de Lula repetir a mesma crítica se deve a uma intenção de “cristalizar” a narrativa.

De Mantega a Galípolo

O recuo de quarta-feira, quando Lula citou que “responsabilidade fiscal é um compromisso" do governo e autorizou Haddad a anunciar o cumprimento do arcabouço fiscal, foi visto como uma demonstração de que o presidente demarca sua posição, insiste no tema, mas não irá esticar a corda, segundo um interlocutor que conversou com o presidente durante o dia. A equipe econômica recebeu os gestos do presidente com "alívio", disse um interlocutor de Haddad.

Ainda que venha a baixar o tom sobre Campos Neto, o presidente não deixará de criticar a taxa de juros ao longo do segundo semestre. Há uma intenção do Planalto de manter o ambiente de desgaste ao presidente do BC e impedir que o mercado se organize para impor um nome para sucedê-lo.

Não há consenso no entorno próximo ao presidente sobre como ele deveria conduzir esse tema. Na avaliação de um aliado, Lula acertou no conteúdo até agora, mas não na forma. O diagnóstico na equipe econômica é que os ataques já haviam "passado do ponto". O efeito das falas sobre o câmbio se tornou evidente.

A resiliência da escalada do dólar passou a preocupar também o presidente a ponto de ele pedir ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para organizar um encontro com um grupo de economistas.

De acordo com um aliado, apesar de Lula ter suas convicções sobre o que motiva a desvalorização do real neste momento, ele sentiu a necessidade de ouvir vozes de fora do governo. Uma forma de o presidente se certificar de que não estava deixando algo fora de seu radar.

Lula costumava fazer esses encontros até com mais frequência em seus outros mandatos, lembra um economista. Na época, o grupo incluía Delfim Netto, Bresser Pereira e Luiz Gonzaga Belluzzo. A interlocutores, Lula disse recentemente sentir falta de ter um grupo de economistas de fora do governo para se consultar.

Na reunião, que ocorreu na casa de Haddad em São Paulo na última sexta-feira, Lula reuniu auxiliares econômicos de longa data, como o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, e o próprio Belluzzo.

Estiveram no encontro ainda nomes com os quais o petista passou a interagir mais recentemente: o investidor Eduardo Moreira, dono do canal de notícias ICL, e Gabriel Galípolo, diretor do Banco Central e cotado para chefiar a instituição a partir do próximo ano.

A conversa não tinha caráter de aconselhamento, mas de “troca de ideias”, segundo um convidado. E se alongou. Marcado para às 19h, o encontro durou até meia noite. Segundo um dos presentes, a reunião durou bastante porque “o pessoal todo fala demais” e Lula estava disposto a ouvir.

Foi um debate sobre as condições atuais e possíveis caminhos para resolver a subida do dólar, mas não se falou em medidas de intervenção no câmbio, segundo um dos presentes. Foram debatidas, inclusive, medidas que o próprio BC poderia tomar e suas limitações neste momento.

O uso das operações de “swap cambial” até entrou na conversa. Houve ponderação, contudo, de que o instrumento foi muito utilizado no passado e já um estoque alto neste momento.

Mexe com cotidiano

O presidente escutou um diagnóstico de que, apesar de haver um movimento global de valorização do dólar, quando se trata de economia, os sinais contam muito e a linguagem usada pelas autoridades importa. A economia, afinal, é uma "dimensão da vida social" e a fala de um presidente tem impacto na formação das expectativas.

Lula tem deixado claro que está descontente com o BC, enfurecido com a postura de Campos Neto e convencido de que, sem poder determinar qual deve ser atuação da instituição, precisa registrar publicamente sua discordância com a autoridade monetária. O diagnóstico foi feito por ele na conversa na casa de Haddad e vem sendo repetido a outros aliados na política.

O presidente costuma trocar impressões sobre o tema com auxiliares. Além do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estão na lista os ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Reconstrução do RS), o secretário executivo da Fazenda, Dario Durigan, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Trata-se de um grupo que tem menor influência sobre o petista do que o seu entorno nos primeiros dois mandatos, quando o presidente era cercado por amigos de décadas de convivência em sindicatos e na militância petista, como José Dirceu, Antônio Palloci, Luiz Gushiken e Luiz Dulci.

Na visão do presidente, a equação política não é simples, diz um interlocutor frequente de Lula. Ao mesmo tempo em que ele acredita haver uma ação “orquestrada” para emparedá-lo a abraçar medidas de austeridade, ele não pode dar um “cavalo de pau” na política sob o risco de deteriorar sua base popular. Em jogo, está sua posição não só para 2026, mas também a bandeira que a militância petista deverá carregar nas eleições municipais deste ano.

Um integrante da cúpula do PT afirma que o presidente não irá repetir o erro de Dilma Rousseff que, uma vez reeleita, cedeu ao “mercado”, colocou um banqueiro para formular sua política econômica, e perdeu aderência com as ideias do partido e que a elegeram. Por isso, Lula sabe que não pode ceder a sugestões como desvincular os pisos de saúde e educação do salário mínimo. Isso seria fazer o PT perder seu discurso.

Uma leitura no Planalto, é que toda vez que o presidente se coloca contra a política do BC, acaba enfraquecendo o discurso das pautas identitárias da extrema-direita, já que a economia é que mexe com o cotidiano da população. Também há uma avaliação de que esse tema ultrapassa a barreira da base lulista e chega, por exemplo, em pequenos e médios comerciantes que são diretamente afetados pela alta taxa de juros em seus negócios.

Lula de certa forma vai medindo forças com o mercado e calculando até onde tem de resistir. Um interlocutor do presidente lembra que ele concordou com Haddad ao manter a meta de déficit zero para 2024 e não alterou a meta de inflação, que se manteve em 3% para o próximo ano. Havia apelo de aliados para que houvesse um alívio nessas diretrizes.

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