Se a aviação comercial está penando para manter seu equilíbrio financeiro — a Gol recorreu à recuperação judicial nos EUA para levar adiante sua reestruturação — a aviação executiva mostra fôlego invejável no país. Com a interrupção de rotas comerciais na pandemia, esse segmento para poucos privilegiados foi bastante demandado e vem mantendo o ritmo de crescimento, mesmo diante de um quadro complicado para as grandes companhias aéreas.
O número de pousos e decolagens de aviões de negócios aumentou, assim como a frota. As vendas, tanto no mercado de novos quanto no de “jatinhos usados”, também estão em alta.
Além da demanda de empresários, com destaque para os do agronegócio, há mais compras para serviços médicos e para o governo, que precisa do transporte aéreo para, por exemplo, levar atendimento à população indígena em regiões remotas do país.
Com regras facilitadas recentemente, crescem também os serviços de táxi-aéreo, com preços até próximos dos aviões de carreira no país, cujos bilhetes têm estado nas alturas.
— Os números de 2022 e 2023 foram espetaculares para o segmento executivo em compra e venda de aeronaves. O crescimento da economia vem se refletindo no movimento do setor — diz Flávio Pires, presidente da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), que representa a aviação executiva e prevê que o impulso continua neste ano.
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Em 2019, segundo a Abag, foram 875,9 mil pousos e decolagens de aeronaves de negócios nos cem principais aeroportos do país. Esse número saltou para 901,9 mil em 2021 e chegou a 931,2 mil em 2022, No ano passado, o patamar foi praticamente mantido, com 926,1 mil operações. A frota de negócios (incluindo jatos, turboélices, helicópteros) atingiu 9.990 unidades em dezembro. Eram 9.607 um ano antes.
Segunda frota do mundo
O Brasil só fica atrás dos EUA, que tem frota de 14 mil unidades. Considerando apenas os jatos, a frota brasileira saltou de 780 unidades em 2022 para 852 no ano passado.
Fundador da JetMatch, uma empresa de compra e venda de jatinhos usados, Luiz Sandler conta que as transações cresceram entre 40% e 50% ao ano desde 2019. Além do agro, muitos empresários e altos executivos passaram a considerar os jatinhos como ferramenta de produtividade. Em vez de perder horas num aeroporto num voo comercial e fazer escalas, eles migraram para a aviação de negócios.
— Na aviação executiva, o voo não é a atividade-fim, mas sim uma ferramenta de ganho de produtividade. Por isso, quem pode, migra. E pode usar o avião para lazer também — diz Sandler, que expandiu suas atividades para os serviços de gestão de aeronaves.
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O advogado de Direito Aeronáutico e especialista em negócios de aviação, Felipe Bonsenso, aponta a introdução do compartilhamento de aeronaves como um dos catalisadores do setor. Nesse modelo, autorizado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) desde 2021, em vez de gastar milhões de dólares num avião para chamar de seu, o interessado torna-se sócio de um. Compra uma cota do aparelho e o usa em datas marcadas, compartilhando os custos operacionais com os outros sócios.
De olho no crescimento da tendência, Marcos Amaro, filho de Rolim Amaro, fundador da TAM, criou uma empresa de compartilhamento de aeronaves. O negócio já cresceu 60% desde 2021 e deve dobrar de tamanho este ano.
— Temos entre 20 e 30 aviões compartilhados enquanto nos EUA são milhares. Portanto, há muito potencial de crescimento — diz Amaro.
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A economia da aviação comercial vai além dos jatinhos. Envolve também a infraestrutura e os serviços que eles demandam. Um sinal de que esse setor está avançando é o surgimento, em Goiás, do Antares Polo Aeronáutico, um empreendimento que está sendo construído em Aparecida de Goiânia sob a promessa de se tornar o maior aeroporto de negócios do Centro-Oeste, onde o agronegócio domina.
Os investimentos são da ordem de R$ 100 milhões, nesta primeira fase. A pista e o terminal de operações devem começar a operar no fim do ano.
— Duas grandes empresas de manutenção de aeronaves já adquiriram espaço no Antares, e teremos hangares. Com pista de 1.980 metros e 45 de largura, poderemos receber até aviões 737 800 — disse Rodrigo Neiva, um dos sócios investidores do Antares, para quem o terminal pode se tornar um hub de logística para o Brasil e países vizinhos.
Embraer entrega mais
O Antares é inspirado no Catarina Aeroporto Executivo Internacional, da JHSF, em São Roque (SP), a 62 quilômetros da capital paulista. O empreendimento manteve em 2023 o forte desempenho dos últimos anos: aumentou em 61,3% o número de movimentos e em 36,8,3% o de litros abastecidos na comparação com 2022. Passou a operar voos internacionais 24 horas, como já eram as operações nacionais.
O Catarina virou um hub para manutenção dos modelos dos principais fabricantes desse mercado, com hangares voltados para marcas como Bombardier, Pilatus e Dassault.
Assim como na indústria automobilística, a cadeia de suprimentos da aviação executiva também foi prejudicada pela pandemia, o que atrasou as entregas de novos aviões. O setor viveu uma inflação com o descasamento entre demanda e oferta, inclusive no mercado de usados. Hoje, a procura ainda está em alta para alguns modelos novos e alguns fabricantes têm fila de espera de até dois anos. Mas os preços já arrefeceram.
A Embraer entregou, por exemplo, até o fim do terceiro trimestre, 28 novas aviões executivos, aumento de 22% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Simplificação de normas
Outro fator estimula a aviação executiva, dizem os especialistas: o setor está passando, desde 2020, por um processo de simplificação das normas que o regulamentam. Chamado de Voa Simples, um programa da Anac vem reduzindo as exigências de autorizações e concessões para a operação de novas empresas de aviação de negócios no Brasil, além de simplificar regras de serviços aéreos e fiscalizações.
No caso de táxis aéreos, por exemplo, a agência permitiu que as empresas vendam assentos individuais para passageiros. Com isso, é possível viajar em um avião particular sem precisar pagar pelo fretamento de toda a aeronave.
— Já cheguei a pagar R$ 1.500 pelo trecho entre São Paulo e Belo Horizonte num voo de táxi-aéreo com outros passageiros. É quase o mesmo preço de um voo comercial, só que com muito mais agilidade e qualidade no serviço, sem horas de fila e o risco de a bagagem extraviar — conta o empresário Thiago Ferreira, adepto do serviço.
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O fretamento de um jato, na mesma rota, sai por R$ 40 mil, em média. A mineira Black Aviação trocou, no ano passado, um avião de seis passageiros por um jato de oito lugares diante da maior demanda por seu serviço de táxi-aéreo. Aumentou o alcance de seus voos e a oferta de lugares.
— Em 2023, decolamos para 48 destinos distintos no Brasil. Percorremos mais de 154,9 mil quilômetros — resume Rafael Matos, fundador da empresa.
No setor, entretanto, há preocupação com o futuro. Com a aprovação da Reforma Tributária, aviões particulares passarão a pagar Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), tributo que já é cobrado dos donos de carros e motos.
Além disso, com imposto único nos estados e na União, a importação de aparelhos deve perder o benefício de redução de ICMS e IPI que as aeronaves têm atualmente. Com esse benefício, os impostos nas compras de aeronaves hoje caem de 30% para 12%, em média.
— Com a reforma, tudo isso vai mudar. E é esta insegurança jurídica que deixa o setor preocupado — diz o advogado Felipe Bonsenso.