Teatro
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Por — Rio de Janeiro

O ator Renato Borghi enfrentou uma sucessão de problemas de saúde nos últimos tempos. Teve diverticulite, operou quatro vezes a coluna e encarou uma cirurgia cardíaca às pressas para que seu coração não parasse de bater. O remédio para a recuperação? Teatro na veia.

- A experiência radical de ter meu coração arrancado e colocado sobre uma mesa fria me deu vontade de colocá-lo toda noite sobre o tablado e fazer a seguinte pergunta ao público: o que nos mantém vivos? No meu caso, é o teatro, capaz de me levar a entrar e sair de hospitais pronto para a luta - diz. O teatro é a minha razão de ser. Agora, de uma forma diferente, estou velho, frágil, mais cansado, não ando mais como antes, tudo acontece com a diferença da limitação física, mas o amor, o interesse a e a vontade de fazer estão intactas.

Prestes a completar 87 anos em 30 de março, ele falou ao GLOBO pelo telefone, de São Paulo. Vez ou outra, dois parceiros de trabalho - o diretor Elcio Nogueira Seixas e da atriz Débora Duboc - o ajudavam a contextualizar assuntos abordados na conversa. Mas Borghi esbanjou lucidez durante toda a entrevista.

A indagação do ator, citada no início deste texto, intitula o espetáculo que ele e seu grupo, o Teatro Promíscuo, estreiam nesta sexta-feira (23), no Espaço Cultural Sergio Porto, no Rio.

Trata-se de uma continuação de "O que mantém um homem vivo?", elaborado, a partir de textos de Bertolt Brecht, por ele e por sua ex-mulher, Esther Góes, em 1973, como obra de resistência à ditadura militar.

Desta vez, a montagem - dirigida por Rogério Tarifa, com roteiro de Elcio (que também atua), e Débora, Nath Calan e Cristiano Meirelles, além de Borghi, no elenco - critica o autoritarismo fascista que assombra o Brasil, costurando textos do dramaturgo alemão à realidade do país.

- É uma peça de sobrevivência de todos nós, um alerta para nós brasileiros, que estamos vivendo na expectativa do fascismo, do golpe que nos ameaça constantemente.

O espetáculo estreou em novembro e passou por vários palcos em São Paulo. Mas conquistou enorme repercussão no Teatro Oficina. É que a temporada por lá marcou a volta de Borghi ao local que ajudou a fundar 50 anos após ele ter abandonado o espaço. A atitude foi motivada por divergências com seu ex-companheiro e parceiro teatral José Celso Martinez Correa, morto em um trágico incêndio em julho do ano passado, meses antes da estreia.

Para Borghi, que será homenageado na próxima edição do Prêmio Shell, retornar ao Oficina foi como "encarar seus fantasmas".

- Estava com medo de pisar naquele espaço, representar novamente ali. Mas o teatro me abrigou. De repente, me senti em casa. Os melhores espetáculos dessa temporada foram lá. Foi como se o Zé Celso me recebesse e dissesse: 'Vem, Renato, a casa é sua'. Acho que ele ficou feliz em me ver lá.

Renato Borghi: 'É uma peça sobre sobrevivência de todos nós, um alerta para nós brasileiros, que estamos vivendo na expectativa do fascismo, do golpe' — Foto: Divulgação/ Bob Sousa
Renato Borghi: 'É uma peça sobre sobrevivência de todos nós, um alerta para nós brasileiros, que estamos vivendo na expectativa do fascismo, do golpe' — Foto: Divulgação/ Bob Sousa

Borghi e Zé foram casados por 14 anos, construíram uma senhora obra juntos debaixo daquele teto. Se ver fora daquele espaço, em 1973, quando decidiu abandonar o barco, fez o ator sentir-se perdido. Não sabia o que fazer, para onde ir, não tinha noção "de quem era Renato Borghi no mercado".

- Estava há 14 anos no Oficina, não tinha ideia de como era a vida fora dali. Estava casado, com um filho de seis meses, responsabilidade grande.

Acabou contratado por Beatriz e Mauricio Segall para encenar "Frank 5". Em seguida, fundou a companhia que batizou de Teatro Vivo, que estreou com a tal montagem "O que mantém um homem vivo?". Era resposta direta a Zé Celso que, na época, andava dizendo que o teatro da palavra estava morto. O rompimento deles se deu exatamente por isso: divergências em relação ao rumo que o teatro do Oficina havia tomando. Houve um embate teórico sobre o estilo do grupo.

- A gente passou por uma grande influência do Living Theatre, um teatro performático, que tinha relação direta com o público. As pessoas se massageavam, sacudiam. A partir do "Roda Viva", Zé começou a fazer um coro interativo, que vinha para a plateia, tirava a roupa. E eu continuava querendo ser um ator do texto, do personagem. Houve uma divisão de interesses.

Passaram uma década de mal. Mas a maturidade suavizou a teimosia inerente à juventude. E aí ficou difícil manter a animosidade.

- A gente se gostou muito. Quando conheci o Zé, na faculdade de Direito, tivemos um impacto grande um no outro. Sentíamos que precisávamos uma obra. Essa obra era o teatro. Não só a construção do Oficina, como um aprofundamento na arte do ator, de diretor, da leitura de textos. Tudo dentro de uma amizade sólida. Brigamos e ficamos uns 10 anos sem nos falar. Mas, como não tinha sentido, a gente se reaproximou.

Foi Borghi quem levantou a bandeira branca. Bateu na porta do Oficina e foi muito bem recebido pelo amigo, com quem o laço jamais se desfizera. A partir daí, os dois, que nasceram no mesmo dia do mesmo ano, voltaram a celebrar juntos os aniversários. O último foi na casa de Borghi, que Zé chamava carinhosamente de “carioca”.

- Antes do teatro, tínhamos uma ligação forte através da música. Zé era muito ligado à música popular brasileira. Eu também. Ele era fã da Isaurinha Garcia e eu, da Dalva de Oliveira. Com 13 anos, eu fugia de casa dizendo que ia estudar com colega e ia para a Praça Mauá ver Dalva cantar no auditório. Um dia, eu e Zé fomos a um bar ver a Isaurinha. Estávamos sentados numa mesa e ela chegou, de cabelos curtinhos e cantou com aquele gestual. Zé gostava porque ela era moderna.

Do período em que ficaram casados, ele também só guarda recordações especiais.

- Foi bom demais. A gente viveu tudo que tinha para viver. Quando nos separamos, foi porque a coisa tinha acabado. Não havia mais sentido continuarmos casados, então, cada um seguiu a sua vida. Mas o tempo que tivemos juntos foi muito prazeirozo. Era uma vida de descobertas, de prazeres, caminhos e, principalmente, no campo da interpretação da arte do ator.

Sete meses após a morte do parceiro, Borghi ainda está em carne viva.

- É difícil lidar com a dor da perda. Acordar e pensar que o Zé não está mais aqui.

Foram dois os derradeiros encontros dois amigos e ex-amantes. Um com Zé muito vivo, em seu casamento épico com Marcelo Drummond dentro do Oficina. Outro, com Zé dentro do caixão.

- Ali, eu senti muito. Ver aquele corpo deitado no caixão foi difícil. Fiquei um tempo, falei da minha saudade, do quanto ele foi importante. Acho que não ouviu, mas senti necessidade de falar. Talvez o Zé seja o diretor mais importante que tivemos. Trabalhar com ele foi uma grande festa, cada espetáculo e ensaio era delicioso. Ele sempre procurou olhar para frente, pensar no futuro, abrir caminhos.

As lembranças boas ajudam a preencher o vazio. Ele se emociona contando uma promessa que fizeram juntos:

- Aqui na praça Osvaldo Cruz tem uma estátua de um índio com uma lança na mão. Aliás, roubaram a lança... Mas o índio continua lá. Lembro naquele começo do Oficina, numa noite de inverno, eu e Zé de sobretudo, paramos em frente à estátua e fizemos um juramento. O de que íamos viver de teatro, para o teatro, só de teatro. Foi o que fiz. Se você olhar minha carreira, fiz mais teatro do que qualquer outra coisa.

A forma trágica como o amigo partiu, queimado em um incêndio, é carregada de simbologia, acredita. Alguém que só fez tacar foto no palco e na vida "não podia morrer de infarto, AVC"...

- Tinha que fazer uma coisa maior. Acho que ele encenou e dirigiu a própria morte. E deixou uma semente grande, a ideia da criação do parque o Bixiga - destaca Borghi, sobre a briga do Oficina com o Grupo Silvio Santos, que se arrasta há 40 anos. - Tenho certeza que a gente vai ganhar essa parada e ali vai ser o Parque José Celso Martinez Correa. Há uma grande força atuando. Toda a classe e os habitantes da região desejam isso.

Cabeça e horizonte largos são características que Zé e Borghi compartilharam. O ator vê com bons olhos o teatro feito hoje no Brasil.

- É chato esse papel do velho ator que fala: "Ah, no passado é que era bom". Tem, sim, muita coisa boa sendo feita. Fui ver o espetáculo do (diretor) Elias Andreato, "O nome do bebê" e gostei muito. Assim como adorei e me diverti muito com o da Claudia Raia sobre modernismo. Bem montado, dirigido, fiquei encantado. Foi um deleite.

Como se vê, é mesmo o deleite com o palco que segue motivando esse patrimônio do teatro brasileiro a seguir firme.

- Não tenho a menor dúvida que meu estímulo para sair da cama de manhã e enfrentar tudo é saber que tenho uma temporada pela frente, que vou estrear no Rio, que preciso saber minha marca. - reafirma. - Operei quatro vezes a coluna, cheguei a ficar paralítico na terceira, perdi o movimento da perna. Só a última operação que devolveu tudo para o lugar. O problema no coração foi um susto. Não tive um infarto. Só me sentia muito cansado. Quando o médico viu o exame, encontrou duas veias entupidas. Disse que ou eu ficava em casa, vendo televisão, lendo jornal ou encarava uma operação com tantos por cento de risco de não voltar. Optei por fazer. Falei: "Vamos, vai, corta!". Só pensava em voltar para o teatro, que é o que me mantém vivo.

O que ele pensa da morte, esse problema insolúvel?

- Ela agora está mais perto de mim do que nunca. Vou repetir Fernanda Montenegro: eu tenho pena de morrer.

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