Ruth de Aquino
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Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

Sempre senti admiração genuína pelos fotógrafos de guerra. Estar armado com uma câmera, no meio de soldados, sem poder revidar, em trincheiras, é digno de respeito. Robert Capa morreu no Vietnã, ao pisar numa mina, aos 40 anos, depois de cobrir cinco guerras e inúmeras batalhas, em 10 países diferentes. Eu me lembrei de Capa hoje, nos 80 anos do Dia D, o desembarque dos aliados na Normandia, que marcou o início da queda do regime nazista.

Capa foi o único fotógrafo presente nesse momento histórico. Dez mil soldados aliados morreram na costa da Normandia. “Vi homens caindo e tive de ultrapassá-los. Minhas fotos estavam repletas de fumaça de estilhaços. Vi tanques incendiados e embarcações naufragadas. Tirei uma foto após outra freneticamente”, relatou Capa. Na história oficial, da revista Life, foram mais de 100 fotos, mas um laboratório teria danificado a maioria das imagens. Apenas 11 foram salvas.

Essa versão foi contestada décadas depois. Especialistas dizem que Capa fez só um punhado de fotos e teve um ataque de pânico. Negam falha de laboratorista. As imagens de 6 de junho de 1944, feitas por Capa, são dramáticas, também por estarem fora de foco, com baixa resolução, em movimento.

Nunca houve perícia definitiva das imagens. Nunca algum laboratorista veio a público. Life e o irmão de Robert Capa, Cornell, blindaram a história. Como se houvesse um pacto. Meu texto não é sobre a polêmica, mas sobre esse fotógrafo nascido na Hungria, com seis dedos, de nome André Friedmann, e pai alfaiate. Sua vida é como um romance de capa e espada. Capa foi um mosqueteiro da imagem.

Foi um deslocado de guerras, sempre. Preso aos 17 anos numa manifestação antifascista em Budapeste, fugiu para uma Berlim ainda livre do nazismo. Trabalhou num studio de revelação de fotos até ter uma grande chance. Leon Trotsky ia discursar em Copenhague e os fotógrafos do studio estavam ocupados. Pediu para ir, foi bem sucedido.

Por ser judeu, precisou fugir de Hitler para Paris. Ali, aos 22 anos, “nasceu” Robert Capa, “famoso fotógrafo americano”. Era uma brincadeira com o diretor de cinema Frank Capra. E ideia de uma namorada, Gerda, porque André Friedmann estava queimado no mercado. Gastava em jogo, era indisciplinado. “Mãe”, escreveu Capa, “mudei de nome, é como nascer de novo”.

Gerda foi fundamental para Capa. Vendia as fotos dele, aprendeu a fotografar, foi com ele para a Espanha cobrir a Guerra Civil. E morreu quando um tanque atingiu o carro onde estava.

Aos 25 anos, Capa já era considerado o melhor fotógrafo de guerra do mundo. “Se suas fotos não são boas o suficiente”, dizia Capa, “é porque você não chegou perto o suficiente”. Estava no México quando os nazistas ocuparam Paris. Três meses depois, cobriu o bombardeio aéreo de Londres. Da Inglaterra foi para Nova York, morar com a mãe e o irmão.

Voltou para a Europa em 1942. Na Tunísia, juntou-se às tropas americanas contra os alemães. Foi para a Sicília cobrir a grande batalha pela Itália. “Fotografei lama, miséria e morte”. Em Nápoles, cobriu o funeral de 20 crianças que lutaram contra os nazistas por 14 dias. Entrou em triunfo na Paris liberada.

Depois da Segunda Guerra, Capa parecia ter se cansado dos grandes conflitos. Criou a Magnum, primeira cooperativa independente de fotógrafos. Charmoso, lançou-se à vida buscando a mesma adrenalina das guerras. Jogou pôquer com Hemingway, fotografou Pablo Picasso, teve um romance com Ingrid Bergman. Deixou a vida confortável e festeira para voltar ao front, a convite da Life, e fotografar a Guerra da Indochina.

“Você viu que seu fotógrafo explodiu com a mina?”, perguntou o motorista do jipe ao repórter que tomava notas no comboio. “O meu fotógrafo? Não. Deve ser outro. O meu fotógrafo é imune”.

Era Robert Capa. E essa é uma das lendas que cercam o mito.

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