Ruth de Aquino
PUBLICIDADE
Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

Informações da coluna

Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

Quando o rei Charles apresentou seu primeiro retrato oficial desde a coroação, achei horrendo, de mau gosto, pretensioso. As redes detonaram a pintura vermelha como “demoníaca”, com o monarca “sangrando e queimando no inferno”. Seria uma sátira à decadência da realeza? Eu lembrei imediatamente a série “Bellas Artes”, que ironiza a arte contemporânea, suas “panelas” e a obsessão pelo politicamente correto.

O retrato do rei foi produzido por Jonathan Yeo, que já expôs na National Portrait Gallery de Londres. É um pintor de celebridades, políticas ou não. Alguns de seus portraits são mais sóbrios e melhores. Yeo adora jogadas de marketing. Ao ser dispensado pela Casa Branca de pintar George W Bush, produziu uma colagem do rosto do presidente americano com fragmentos de revistas pornográficas. Foi para ele que Charles posou quatro vezes. Vai entender.

A obra será exposta no Palácio de Buckingham. Ou o rei vai desistir? Em 1954, quando Winston Churchill fez 80 anos, odiou tanto um retrato seu, encomendado a um pintor britânico, que jamais o expôs no Parlamento. No discurso, chamou de “arte moderna”, pejorativamente. Depois de sua morte, a mulher de Churchill destruiu a pintura.

O retrato vermelho de Charles tem “uma borboleta sobre o ombro simbolizando metamorfose”, segundo o artista. Seriously?

O esnobismo é semelhante ao da minissérie que acabo de ver. “Bellas Artes” tem seis episódios curtos de 30 minutos e é assinada por uma trinca argentina genial, já conhecida dos brasileiros por “O homem ao lado”, “Cidadão ilustre”, “Nada” e “Meu querido zelador”, entre outros clássicos.

Os irmãos Andrés e Gastón Duprat e Mariano Cohn se revezam em funções de roteirista, produtor e diretor, no cinema e no streaming. Criam personagens imbatíveis, antipáticos e contraditórios. Os roteiros são sarcásticos, os diálogos inteligentes, as situações por vezes caricatas. Nunca fico indiferente ao que eles fazem.

“Bellas Artes” não é brilhante, mas farpas e clichês nos obrigam a refletir sobre o que é arte. E arte conceitual, voltada às ideias e aos ready-mades, como o mictório de Duchamp. O roteirista, Andrés Duprat, dirige, na vida real, o Museu de Belas Artes de Buenos Aires: “Nós nos divertimos com a hipocrisia, com gente que tenta mostrar o que não é. Na série, criticamos que uma obra valha 50 milhões de dólares. E vale isso porque há gente disposta a pagar. Me parece uma loucura”.

Oscar Martínez é o protagonista, sempre excelente. Faz Antonio Dumas, novo diretor do Museu Iberoamericano de Arte Moderna de Madri.

“Sou velho, homem, branco, heterossexual e com ascendência europeia. Elas duas são melhores do que eu. São opções menos arriscadas e, por isso, mais conservadoras”. Assim Dumas, com forte currículo, define suas concorrentes no concurso, uma afro negra e uma branca lgbtqia+ com piercings. E ganha a vaga, apesar de se revoltar com os testes psicotécnicos. “Às vezes”, diz ele, “um cigarro é apenas um cigarro”.

O arrogante Dumas enfrenta o sindicato dos funcionários, o nepotismo da ministra da Cultura e uma turma de militantes que picha a escultura do “misógino chauvinista” que já morreu. Mas há também sérios problemas com instalações e performances. Uma baleia morta em decomposição. Um coletivo, vindo do Senegal, que decide não sair nunca mais do museu nem da Espanha.

Dumas não trata bem ninguém e é péssimo avô de Lucas. De má vontade, ele explica ao menino que, para algo ser considerado Arte, “é preciso ter alguém que proponha como tal e alguém que aceite”. E que pague. “O que, na rua, é lixo pode ser arte se colocado num museu”. Lucas não entende. E, num dos melhores momentos da série, enquanto o avô está ocupado com burocracia, desenha um cachorro na parede, agachado sobre uma montanha de carvão exposta. E escreve: “Isto é um cocô”.

Uma referência óbvia é a "Merda de Artista", as 90 latas de fezes do italiano Piero Manzoni. Num raro momento de ternura, Dumas diz ao neto: “O que você fez foi errado, mas, no fundo, está certo”.

Jonathan Yeo, pintor de políticos e celebridades, e sua obra: o retrato do rei Charles, feito em dois anos — Foto: Reprodução
Jonathan Yeo, pintor de políticos e celebridades, e sua obra: o retrato do rei Charles, feito em dois anos — Foto: Reprodução
Mais recente Próxima Por que Londres não tem preço