Cultura
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Por , Em El País

Muitas vezes, juntamente com os filmes, os festivais de cinema também apresentam alguma controvérsia. E o de Annecy, que esta semana celebra o que há de mais notável no cinema de animação internacional, não foi a exceção. Fundado em 1960 por um pequeno grupo de artistas do mundo da animação, em pouco mais de seis décadas, o festival deixou de ser um nicho daquela técnica vista por muitos como “para crianças” para se tornar a maior mostra de filmes de animação do mundo e a segunda maior competição de cinema na França, atrás apenas de Cannes. Até 15 de junho, são esperados em Annecy cerca de 17 mil profissionais de 104 países, que transformarão esta pequena cidade francesa, saída de um conto de fadas no pés dos Alpes, na capital mundial do cinema desenhado. Um lugar onde vale tudo, onde coexistem artistas e técnicos e onde a arte e a indústria andam de mãos dadas. Com permissão do convidado mais comentado deste ano: a inteligência artificial.

O festival deu seu pontapé inicial no último domingo (9), com a exibição do mais recente trabalho do vencedor do Oscar Michel Hazanavicius ("O artista"), na sua primeira aventura animada, "A mais preciosa das cargas", e uma homenagem ao cineasta maldito Terry Gilliam, que segundo ele veio a Annecy em busca de inspiração entre animadores.

Há muito mais neste festival em constante mudança que procura acomodar novas tendências artísticas e técnicas, filmes independentes e de estúdio. Mas o foco desta edição está em algumas obras, quatro curtas-metragens e um longa-metragem, aceitas na programação apesar de, ou talvez por, terem conteúdo gerado por ferramentas de inteligência artificial.

Desde o anúncio da seleção, a polêmica foi servida e comentários como “vergonhoso” ou “ladrões” responderam com raiva nas redes à decisão ou aos seus autores.

— É muito triste ler tantas mensagens de ódio de pessoas que, aparentemente, não se deram ao trabalho de investigar as técnicas que foram utilizadas — defendeu-se Verena Repar, diretora da "Echoes of grief", uma das obras selecionadas na categoria estudante e onde, segundo admissão da autora, apenas 50 segundos dos 19 minutos de filmagem de sua obra foram gerados por meio de IA generativa.

Cena do curta-metragem "Echoes of Grief", de Verena Repar — Foto: Divulgação
Cena do curta-metragem "Echoes of Grief", de Verena Repar — Foto: Divulgação

"Who said death is beautiful?", filme de zumbi do diretor Ryo Nakajima, e três curtas da mostra Fora dos Limites ("Data Flesh", do chileno Felipe Elgueta; "Glass House", de Boris Labbe, e "The Great Tree Piece", de Claudia Larcher) assumiram as mesmas apostas num momento em que há grande preocupação com o impacto da IA ​​não só nos direitos dos autores, mas também no trabalho futuro dos artistas. De acordo com um estudo publicado este ano pelo Sindicato dos Animadores nos Estados Unidos, em 2026, 21,4% dos empregos na animação, seja no cinema ou na televisão (aproximadamente 118.500 empregos), serão afetados por ferramentas generativas de IA a ponto de poderem ser substituídos ou eliminados.

— Já sabemos o que está acontecendo no grande estúdios com as demissões e a redução de pessoal na produção — lembra o produtor espanhol Xosé Zapata, Goya de melhor curta-metragem com "O macaco" e responsável pelo "Dragonkeeper". — Mas, do meu ponto de vista, o futuro nunca será a IA, mas sim o nosso povo. Que esperança lhes damos se dissermos que o futuro é uma máquina?

Em declarações divulgadas pelo festival, o diretor artístico Marcel Jean lembrou que não existem regras que desqualifiquem obras por utilizarem imagens geradas por IA, acrescentando que, entre as mais de 3.400 propostas recebidas nesta edição, houve muitas mais que utilizaram essas ferramentas, mas na maior parte não havia “uma visão” que as tornasse dignas de serem selecionadas.

— No entanto, uma minoria embarcou num caminho fértil. Obras que provocam questões que devemos partilhar com o público, com a indústria, com os júris... Daí a seleção do que achamos mais relevante, capaz de estimular ou provocar o debate — indicou em referência às obras vilipendiadas.

Os cineastas Carlos Fernández de Vigo e Lorena Ares, responsáveis pela produtora Dr. Platypus & Ms. Wombat e pelo Laboratório Professor Octopus AI, não poderiam estar mais de acordo.

— Não tenho dúvidas de que existe um antes e um depois da inteligência artificial. Por isso o debate é necessário, mas baseado no conhecimento. Uma discussão positiva que deve ser realizada no espaço artístico. Annecy assume a sua responsabilidade como líder, como grande representante do que é a indústria da animação e do seu papel a nível internacional. Porque é necessária uma reflexão mais profunda — afirma Fernández de Vigo

Ambos passarão por Annecy com diversos projetos e apresentações, incluindo o painel que, sob o título "Emotional Films", mostrará 14 modelos onde, graças à IA, filmes e videogames reagirão em tempo real às emoções do usuário.

— É um salto tecnológico tão avassalador que a indústria demora muito a ter um debate baseado no conhecimento, ou a querer perceber o que faz, o que não faz e onde está a vontade do artista —acrescenta Fernández de Vigo.

Já Ares destaca a necessidade de maior transparência em treinamentos e ferramentas quando se fala em IA. Algumas dessas ferramentas, como Midjourney ou Dall-E, estão sob escrutínio por gerarem conteúdo sem supostamente respeitar os direitos autorais em suas bases de dados. É o caso do Stable Diffusion, utilizado pelo longa-metragem "Who said death is beautiful?" e no centro de diversas reclamações de violação de direitos autorais.

Como corrobora José Luis Farias, diretor do Next Lab Animation, as regras do jogo são claras e são a não violação da propriedade intelectual.

— O problema com a IA é que são fornecidas informações muito superficiais e, para compreendê-las bem e ter uma voz crítica, é necessário ter um conhecimento técnico bastante profundo. Além disso, estamos apenas falando de IA generativa, quando existem muitos tipos de ferramentas onde nenhum direito autoral é violado e são muito úteis na produção e desenvolvimento de animação, games e outras artes audiovisuais — acrescenta o criador do Weird Market, que este ano lançou em colaboração com o mercado do festival o espaço XR&Games, uma nova área na qual Annecy procura a modernização ao ingressar em outros campos da animação.

Como recordou Marcel Jean, em 1982, o realizador Zbigniew Rybczyński levantou sobrancelhas em Annecy quando seu curta-metragem "Tango" ganhou o grande prémio. Feito com fotografias animadas com técnicas de stop-motion, não foi considerado animação. A obra não só ganhou o Oscar meses depois como é considerada atualmente uma das joias do cinema de animação.

— Não dediquei dois anos de árduo trabalho manual só para ouvir comentários cheios de ódio de tantas vozes sem conhecimento — resumiu a autora de "Echoes of grief", magoada em sua conta no Instagram, incentivando quem tiver interesse a conhecer seu trabalho antes de falar.

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