Quando veio ao Brasil pela primeira vez, em 2011, a cantora portuguesa Ana Moura refletia nas entrevistas que deu à época sobre uma necessidade de renovar o fado para que o gênero lusitano se aproximasse das novas gerações. Passados mais de dez anos, ela garante que o saldo é positivo e, de volta ao país, quer mostrar esta revitalização. Moura, 44 anos, uma das maiores vozes de seu país, se apresenta hoje em Petrópolis como parte da programação do Festival Fado em Cidades Históricas, que também acontecerá em Ouro Preto (MG) no fim de semana que vem. Ela repete sua apresentação na cidade mineira na próxima sexta-feira (24).
— Sem dúvida hoje o fado está mais próximo da juvente em Portugal — diz Ana Moura, em conversa por telefone. — Uma nova geração de fadistas fez com que os mais novos exigissem fado nas rádios. Com uma nova forma de cantar e de escrever, fizeram com que os jovens se aproximassem do gênero.
Ana Moura cresceu numa casa afeiçoada à música em Coruche, pequeno vilarejo com pouco mais de 17 mil habitantes no distrito de Santarém, região central de Portugal. A mãe angolana e o pai português eram uma dupla festiva e cantante, e sempre reuniam amigos em casa para encontros musicais. Foi nesse ambiente que, desde cedo, Moura escolheu o que queria ser.
— Papai tocava guitarra, cantava, e os amigos sempre ali em casa, minha mãe também canta. E conta que, quando eu tinha 5 anos, pedi para cantar num desses encontros. Eles achavam que era coisa de criança, mas depois que me viram cantar sério, afinada, entenderam que havia uma intenção mais profunda — lembra a artista.
Antes de se estabelecer como cantora de fado, Ana Moura chegou a ser vocalista de uma banda de rock e pop chamada Sexto Sentido. Ela havia acatado a sugestão de um professor de canto para se inscrever no concurso que selecionava uma voz para o grupo, e passou. A empreitada, no entanto, não durou muito.
Descoberta no bar
Um dia, aos 18 anos, ela foi com amigos num bar em Carcavelos, no Cascais, onde haviam uns fadistas. Ela não sabia, mas ali nasceria sua estrela.
— Meus amigos sabiam que eu gostava de cantar fado e pediram aos guitarristas para deixar eu cantar. Cantei, e o Antônio Parreira (guitarrista português) estava presente e me viu. Foi minha introdução em um núcleo pequeno, onde todo mundo se conhece. Fui para outra casa, depois acabei me apresentando em um local mais importante, e assim fui iniciando essa carreira.
De lá para cá, foram sete álbuns de estúdio que a puseram entre os artistas mais prestigiados — e vendidos — de Portugal. Feito em meio ao isolamento da pandemia, "Casa de Dominga" (2022), seu último trabalho, foi abraçado pela crítica. Com influência do semba, o ritmo angolano, e pitadas de pop, "Casa de Dominga" e suas 18 faixas são a tradução de uma cantora frequentemente citada por unir tradição e inovação no fado. O disco é também a base do repertório que Ana Moura vai apresentar no Palácio dos Cristais, neste sábado (18), em Petrópolis.
Samba do Trabalhador
A fadista diz que gosta de observar as ruas quando vem ao Brasil. Inclusive, cita o Samba do Trabalhador, no Andaraí, como um de seus programas favoritos no Rio, elogia nossa gastronomia e se rende à nossa música, que acompanha desde pequena com os pais.
— Acho que há uma leveza associada a uma profundidade na música brasileira que a torna muito atraente. Música profunda em Portugal tende a ter uma carga, é intensa. Mas música a brasileira consegue ser profunda com uma leveza que é muito saborosa — define.
Completam a programação do Festival Fado duas conterrâneas de Ana Moura: a cantoa Rachel Tavares e a guitarrista Marta Pereira da Costa, que se junta em show inédito à violonista Samara Líbano e Hamilton de Holanda. Há, ainda, palestras, workshops, atrações para o público infantil e feira ao ar livre com artesanato, gastronomia, vinhos, porcelanas e livros. A programação completa está no site fadoemcidadeshistoricas.com.br e nas redes sociais (@fadoemcidadeshistoricas).