Cultura
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Por Renata Izaal — Rio de Janeiro

Maria Marighella gosta particularmente da palavra “refundação”. Desde que foi anunciada como a primeira mulher nordestina a presidir a Fundação Nacional de Artes (Funarte), tem ouvido muito sobre a “reconstrução” do Ministério da Cultura e costuma escolher “reflorestamento” para fazer uma conexão entre duas questões urgentes do nosso tempo, ecologia e cultura. Apesar disso, acredita que, depois de quatro anos de governo Jair Bolsonaro, a hora é de refundar.

— Quem não sabe o que procura não reconhece o que acha. Para construir um futuro, é preciso ir ao fundo da violação sofrida pela Funarte e de sua missão institucional, do que significa promover política pública e das questões que geraram injustiças no passado — explica Marighella, baiana de 47 anos, mãe de dois meninos, vereadora licenciada em Salvador (PT-BA) e ex-coordenadora de teatro da Funarte (2015 e 2016).

E, sim, ela é neta do escritor, político e guerrilheiro Carlos Marighella, fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), assassinado pela ditadura militar em 1969, e filha de Augusto, preso pela operação Radar, comandada por Carlos Alberto Ulstra, único militar brasileiro declarado torturador pela Justiça, homenageado por Bolsonaro em diversas ocasiões, incluindo durante a sessão de votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Trauma dos ataques

Refundar a Funarte, como planeja Maria Marighella, passa por revisitar um passado recente que inclui uma queda orçamentária de 56,7% entre 2011 e 2022, segundo dados do Siga Brasil; o cancelamento de 11 editais depois de um corte de R$ 2,7 milhões no ano passado; um parecer que impediu a captação de recursos pelo Festival de Jazz do Capão alegando que a página oficial do evento o descrevia como “antifascista e pela democracia”, em 2021; a interdição da sede do Centro de Documentação e Pesquisa por falta de condições estruturais, também em 2021, e a indefinição sobre a ida deste acervo para a Casa da Moeda; além da tentativa do ex-ministro da Economia Paulo Guedes de leiloar o Palácio Gustavo Capanema, joia do Modernismo no Centro do Rio e sede da Funarte.

— É preciso recuperar o prestígio institucional e revisitar a memória da Funarte. Que história podemos contar dela? Se o futuro é ancestral, como afirma o pensador Ailton Krenak, não podemos projetá-la para frente sem proteger seu acervo e sua história, sem estabelecer essa memória, e a Funarte fará 50 anos em 2025 — explica Marighella, que participou do grupo de transição que analisou a situação da cultura no país e ajudou a redigir o relatório sobre a política nacional para as artes.

O relatório lista, em primeiro lugar, a necessidade de uma recuperação institucional da Funarte. O quadro geral é de baixa capacidade de formular políticas públicas, orçamentos aquém do necessário, servidores afastados da tomada de decisões e trauma dos ataques frontais à cultura, aos funcionários e aos artistas. Nos últimos anos, ainda antes do governo Bolsonaro, a Funarte foi perdendo sua função original de promotora de políticas públicas para se tornar uma operadora dos recursos vindos da lei de fomento e das emendas parlamentares. Tudo isso por meio do Programa Nacional de Apoio à Cultura, o Pronac, por onde passam 65% dos projetos que tramitam na lei de renúncia e incentivo fiscal. Estabelecer a diferença entre executar projetos e articular políticas, reforçando essa última função, é objetivo central da nova presidente:

— Sem abrir mão de nada que foi construído até aqui, acho que a Funarte deve ir cedendo da ideia de ser gestora de equipamentos para ampliar sua capacidade de articulação com outros entes em todo o território nacional. Ela deve executar apenas as políticas que só ela é capaz de realizar — diz Marighella, para quem será importante restabelecer vínculos com estados e municípios. — Muitas vezes, União, estados e municípios fazem a mesma coisa em termos de fomento, produção e editais, e há ausências muito severas, como uma política de internacionalização das artes e de proteção dos acervos.

Ela não diz como essas ideias sairão do papel (“sou do teatro, onde só existe o que se materializa; política pública é responder de forma prática, concreta e coletiva”, afirma), mas adianta que será preciso criar uma política nacional das artes, que estava sendo desenhada na segunda gestão de Juca Ferreira no Minc, entre 2015 e 2016, mas que ficou incompleta depois do afastamento de Dilma Rousseff pelo Congresso. Restabelecer a ligação do país com seus artistas é outro desafio na lista de Maria Marighella:

— Quando a gestão de Gilberto Gil (2003 a 2008) ampliou o conceito de cultura para sua dimensão antropológica, o que acho um acerto, foi possível dar conta da diversidade e da complexidade do Brasil, mas, ao mesmo tempo, as artes se ressentiram porque não foram formuladas políticas para elas. Isso passa também pela recuperação da autoestima dos artistas e pelo reconhecimento das artes como um campo de trabalho. O direito à cultura está na Constituição, e o artista é o trabalhador que faz com que esse direito se materialize em todo o país.

Maria Marighella, presidente da Funarte — Foto: Divulgação/Amanda Tropicana
Maria Marighella, presidente da Funarte — Foto: Divulgação/Amanda Tropicana

'Não seremos negligentes com o acervo'

Para 2023, a Funarte tem previsto um orçamento de R$ 107 milhões. A ideia é agir de forma imediata nos principais problemas, como a questão da preservação e da digitalização dos acervos. Maria Marighella diz que é prioridade analisar a situação do Centro de Documentação e Pesquisa, desalojado depois que o prédio da Rua São José, no Centro do Rio, foi interditado por não suportar mais o peso dos arquivos, e decidir se será necessário mover a memória da Funarte para a Casa da Moeda, como anteriormente previsto, ou uma outra sede. Ela quer a instituição de volta ao Palácio Gustavo Capanema, sua sede histórica.

— Defendo radicalmente o retorno da Funarte ao Capanema. É um marco na memória da instituição, do Centro do Rio e do país. E todos nós sabemos os prejuízos causados aos centros urbanos quando um equipamento cultural importante sai de cena. O Capanema está em reforma, mas tenho notícias de que os recursos para finalizá-la estão garantidos — diz ela, que arrisca uma promessa. — O país teve perdas incalculáveis com os incêndios no Museu Nacional e na Cinemateca Brasileira; não seremos negligentes com o acervo da Funarte.

Marighella acredita que a criação do Ministério da Cultura, em 1985, é um marco do processo democrático brasileiro e, por isso, entende que a volta do Minc faz parte de um processo de regeneração da democracia no país. Para ela, o percurso de “Marighella”, filme sobre seu avô dirigido por Wagner Moura, é uma denúncia das consequências do dirigismo na máquina pública, da perseguição a artistas e da censura ao livre pensamento e às artes ocorridos nos últimos anos.

— O filme atravessou os marcos políticos recentes do país, de 2013 a 2022. À medida que se tornava mais difícil realizá-lo, ele foi se transformando em um documento do entulho autoritário que o Brasil ainda precisa superar — diz. — É importante falarmos sobre isso para sabermos o que está em jogo, quais os riscos que enfrentamos quando há retrocesso democrático. No país do 01, 02, 04 é uma alegria ter o sobrenome Marighella. Meu avô foi uma voz contra a brutalidade. É uma honra ser fruto dessa raiz boa do Brasil.

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