Depois de duas semanas em Roma e Lisboa e suas ladeiras e colinas, volto feliz ao calçadão, no melhor espirito “a balão”, para onde o vento levar. Meu grande amigo Spotify vai dando as dicas do dia no meu ouvido, as pessoas passam como num filme, gente correndo, andando, malhando, sentada nos bancos olhando o mar. Cada música que o algoritmo escolhe desperta um mundo em mim, da minha lista de 800 músicas, todas amadas, pode brotar um clássico disco como “Runnaway”, do Nuyorican Soul, que me lembra que estrearei como DJ em agosto, com uma playlist violenta de petardos ultradançantes dos anos 80 para a festa Gudinaite, da amiga Patrícia Parenza. E emendar com uma sonata para piano de Robert Schumann, de 1850, que se harmoniza, por contraste, com a paisagem tropical da Praia de Copacabana, e me leva para pensamentos profundos sobre a fugacidade da vida e dos prazeres, e quando já estou quase ficando triste, entra o Bala Desejo com a alegria esfuziante de um novo som, com meninos e meninas talentosíssimos, misturando ritmos e sonoridades, botando pra ferver e para dançar, com “Dourado, dourado” em espetacular arranjo de orquestra de Ana Frango Elétrico, para o pessoal de velhas gerações saber que tem muita coisa nova na música brasileira, muita mesmo, o tempo não para, algumas pessoas é que param no tempo, e não sabem o que estão perdendo.
Todo mundo sabe da potência evocativa da música, com ela vem uma torrente de memórias, boas ou nem tanto, de momentos, pessoas, sentimentos, o chamado turbilhão de emoções, que nos leva a viajar no tempo por alguns minutos fugazes como os momentos que trazem. Caetano cantando “Os passistas” é uma delas, outra é “I’ve got you under my skin” com Sinatra, que me remete a momentos românticos desde meus 20 anos, a sonhos de amor criados num tempo em que eu não era nem nascido.
Quando já estava entrando no perigoso terreno da nostalgia, a coisa que mais envelhece, sou salvo pela explosão de juventude dos Garotin com “Só vem”, fina flor do novo soul carioca, doce, malandro e irresistivelmente suingado, para encher qualquer pista e quase me fazer dançar.
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Bem, estou exagerando um pouco. Já tinha me libertado da bengala em minhas caminhadas, mas depois de um infarto em outubro fiquei meio cabreiro e inseguro e voltei à velha amiga por precaução. Estou caminhando bem, tudo suave, na verdade estou levando a bengala para passear, ela só será usada em caso de necessidade.
Enquanto Lulu entra nos ouvidos com nossa música “Sereia”, cantando minhas palavras “clara como a luz do sol, clareira luminosa nessa escuridão/ prateando horizontes vejo rios, fontes, numa cascata de luz”, fico imaginando o que o pessoal do calçadão pensa olhando aquele coroa de bengala, sem desconfiar de tantos mundos que passam por sua cabeça, e coração. E pela de cada um deles. Bom dia, Rio.