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Só se fala do grupo italiano Måneskin, que é fluido, viralizou no Tik Tok com 'Beggin' e gravou com Iggy Pop: entenda o fenômeno

Maior sucesso viral do rock em 2021, banda estourou via aplicativo - no Brasil, inclusive. Especialistas arriscam explicações
O grupo italiano Måneskin Foto: Ilaria Ieie / Divulgação
O grupo italiano Måneskin Foto: Ilaria Ieie / Divulgação

RIO - Em 1969, um Iggy Pop de 22 anos de idade chocou a sociedade americana ao lançar com o seu grupo, os Stooges, “I wanna be your dog”, violenta e sombria canção sobre submissão com toques sadomasoquistas que prefaciou o punk, o gótico e muito do que o rock viria a ser. Esta sexta-feira, 52 anos depois, o cantor voltou com uma espécie de fada madrinha do grupo italiano Måneskin, ao cantar com eles em uma nova versão de “I wanna be your slave” — canção que de certa forma se atém ao tema do clássico dos Stooges, mas dilui sua mensagem e sua sonoridade.

“Foi uma honra que Iggy tenha amado nossa música e tenha querido trabalhar conosco. Ficamos comovidos ao vê-lo cantar ‘I wanna be your slave’ ao vivo na nossa frente, é poderoso quando um artista tão grande consegue ser tão aberto e amigável”, disse, em comunicado, esse grupo que desponta como uma esperança para o combalido rock em tempos de estádios e grandes espaços fechados para a música ao vivo.

Vencedores do Eurovision em maio , com a música “Zitti e buoni” (que chegou ao número 22 da parada Global 200 da Billboard), os italianos surfaram a boa onda com o single seguinte, o dançante “I wanna be your slave”, que foi ao número 13 da mesma parada. Mas a coisa não parou por aí. Subitamente, a gravação de “Beggin’” (cover de uma canção de 1966 do grupo Frank Valli & The Four Seasons, lançada pelo Måneskin em 2017) tornou-se um viral internacional no TikTok, vindo a alcançar o número 3 na Global 200 e 35 na Hot 100.

Os números de “Beggin’” (são 370 milhões de execuções só no Spotify) impressionam também no Brasil: são mais de 26 milhões de streams em áudio e vídeo, com uma sétima posição no chart do Spotify BR e primeiro lugar no do Apple Music BR. E mesmo o rádio brasileiro se rendeu à gravação: segundo a Crowley Broadcast Analysis, “Beggin’” chegou à a oitava faixa internacional mais ouvida no país (número 31 no cômputo geral).

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A ascensão do grupo de um país fora da rota habitual dos sucessos internacionais motivou várias tentativas de explicação: pode ser desde uma boa vontade que o público mais jovem passou a ter com o rock (da qual muito se beneficiou mais recentemente as estrelas teen americanas Olivia Rodrigo e Willow ) à sexualidade de gênero fluido emanada pelo Måneskin, especialmente pelo vocalista Damiano David (não foi à toa, portanto, que ele buscou Iggy Pop, um dos patronos do rock andrógino nos anos 1970, como companheiro na nova versão de “I wanna be your slave”).

O mistério do TikTok

Mas resta a questão: o que teria feito, no caso específico desses italianos, uma sensação no mundo dos vídeos curtos, consumidos basicamente por adolescentes e crianças, do TikTok? Nos últimos meses, o aplicativo chinês logrou viralizar de adolescentes desconhecidos com suas dancinhas sobre faixas do mais novo hip hop a velhas canções do pop – caso de “Dreams” (de 1977, do grupo Fleetwood Mac, que voltou às paradas ano passado graças ao vídeo de um skatista) e “How bizarre”, hit de 1995 do duo neozelendês que se tornou, em dezembro de 2020, uma das músicas mais ouvidas em vídeos do TikTok, com cerca de 2,2 bilhões de visualizações.

— No TikTok, você não faz sucesso como artista, mas com uma música que é tiktokável — explica Rodrigo Gorky, produtor de Pabllo Vittar, cantora cujas músicas são muito populares nos vídeos do aplicativo. — Descobrir como se pode fazer sucesso com uma música no TikTok é uma ciência bizarra, que ninguém descobriu ainda. Às vezes a música tem uma transição bacana, ou uma ideia interessante... e aí um tiktoker famoso faz uma coreografia que todo mundo quer fazer.

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Quanto ao sucesso de músicas antigas no TikTok, Ian Black (que é CEO da empresa de comunicação digital New Vegas) tem algumas teorias que podem explicar o fenômeno.

— É importante considerar que a geração atual tem uma fluidez nas suas preferências culturais e estéticas muito mais sofisticadas das pessoas que foram adolescentes há 20 ou 30 anos. O fato de alguns hits do TikTok serem músicas antigas é uma questão exclusiva de pessoas mais velhas. Para as mais jovens, ela é apenas mais uma novidade pop agradável descoberta e viralizada na plataforma — analisa. — Uma outra hipótese é que essas pessoas mais velhas podem estar no TikTok. Além disso, a viralização não é  aleatória. Considerando que muitos funcionários do TikTok estão acima dos 25 anos, não é difícil que o gosto deles influencie na curadoria dos vídeos.

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Respectivamente diretora de casting e diretora de conteúdo da empresa de comunicação digital Rede Snack, Fernanda Martinez e Patrícia Calil oferecem uma explicação conjunta para a explosão do “Beggin’” do Måneskin no TikTok.

— Não é sobre a música em si, e sim sobre a liberdade de se criar conteúdo a partir dela e as possibilidades diversas dessa criação. O mercado musical sempre foi muito restritivo e o TikTok conseguiu criar essa atmosfera mais “livre” — dizem. — O algoritmo do app considera o view como a maior métrica, e é por isso que um usuário com pouquíssimos seguidores tem chance de viralizar se acertar no vídeo, seja por conta da originalidade desse conteúdo ou por acertar o timing de postagem, pegando carona em algum challenge que esteja em alta na plataforma.