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'Serei muito apreciado quando houver um contato extraterrestre’, diz Guilherme Arantes

Sucesso em trilhas de novelas e em rádios FM, músico lança novo álbum, 'A desordem dos templários', e sonha com grandes show no fim da pandemia: 'Quero tocar em festivais como Rock in Rio e Lollapalooza'
SC - O cantor e compositor Guilherme Arantes Foto: Marcia Gonzalez
SC - O cantor e compositor Guilherme Arantes Foto: Marcia Gonzalez

Desordem dos templários? Mago brasileiro do pop de rádio FM (e das trilhas de novela), o paulistano Guilherme Arantes tem gastado um bom tempo tentando explicar o título (e a capa) do seu novo álbum, lançado na última quarta-feira, dia do seu aniversário de 68 anos.

— Em nome de uma paz e de um amor, você vem com uma linguagem das botas e das armas. A truculência surge em nome de uma reordenação moral e ideológica. Estou preocupado com a gênese da distopia, o tal do ovo da serpente — discorre o cantor e compositor, em entrevista por Zoom.

Por causa do título do disco, Guilherme chegou a receber e-mails de membros da Ordem dos Templários do Brasil, expressando preocupação com uma possível crítica inserida no trocadilho:

— Os intolerantes carregam uma guerra dentro de si e ela contamina tudo. Mas o Brasil é um fato menor dentro desse processo, o mundo é grande e ele está todo crispado. A liberação do melhor de nós só se dá pelo humanismo e pelo sentimento.

E sentimento é algo inseparável dos discos e da vida de Guilherme, um artista que, no intervalo entre o novo álbum e o anterior (“Flores & cores”, de 2017), passou por um exílio involuntário na Espanha (na cidade medieval de Ávila, para onde foi pouco antes da pandemia), por problemas na coluna e pela morte da mãe.

Detalhe da capa do álbum "A desordem dos templários", de Guilherme Arantes Foto: Reprodução
Detalhe da capa do álbum "A desordem dos templários", de Guilherme Arantes Foto: Reprodução

Trabalhando num quarto de casa, longe dos seus músicos, ele sentiu necessidade de despejar a melancolia e a angústia nas novas criações — que viraram seu “delírio particular”, desobrigando-o de pensar no mercado ou mesmo na forma padrão que as canções devem ter.

— No final de 2019, eu vim para cá estudar os livros do (compositor italiano Domenico) Scarlatti e tentar entender como os caras do barroco estruturavam suas composições. Era a minha frustração não ter sido músico erudito, tenho uma inveja sadia de quem saber ler partituras bem. Meu pai chegou a dizer que a música popular era um voo pequeno para mim — recorda-se Guilherme. — E eu falei: “Pô, pai, eu sou uma espécie de Tchaikovsky!” No colégio, eu era prodigioso no piano, usava cabelo chanel, me intitulava Sir Michel de Troteville... e apanhava por causa disso!

A música barroca estudada em Ávila acabou levando-o à literatura de cordel, de origem ibérica, e aí à lembrança de clássicos da MPB de matriz nordestina que povoaram os festivais da sua infância, como “Domingo no parque” (Gilberto Gil), “Ponteio” (Edu Lobo e José Carlos Capinam) e “Disparada” (Geraldo Vandré e Théo de Barros). Subitamente, Guilherme se viu impelido, em “A desordem dos templários”, a reclamar um lugar de maior nobreza dentro da música popular brasileira.

— Algo me chamava para fazer o meu épico, algo que levantasse uma lança meio quixotesca frente a essa era distópica para a qual o coronavírus traz um sentimento medieval — diz ele, que deu vazão ao seu ímpeto de filho do rock progressivo na faixa-título, em “El rastro” e na instrumental “Kyrie” enquanto se manteve junto do velho pop romântico em “Nossa imensidão a dois”. — Não é um disco totalmente prog, como eu havia prometido ao meu público, mas tem música de 10 minutos ( na verdade, 7m34, “A desordem dos templários” ), o que hoje é uma eternidade!

Enquanto o reconhecimento ao seu épico não chega, Guilherme Arantes se sente à vontade para ressaltar — face às recentes crises ecológicas — o valor de sua canção “Planeta água”: favorita no Festival MPB Shell de 1981, mas derrotada por “Purpurina” (defendida por Lucinha Lins).

— É uma música a qual, na época, nem eu dava tanto valor. Eu falava de um item abundante. É por isso que agora, quando se fala de aquisição de patrimônio autoral, eu penso no “Planeta água”. Agora ela é um ativo gigantesco, porque não teve nenhuma outra música sobre a água potável no mundo — acredita. — Eu sonhava em cantá-la com o Sting e o Bono Vox, mas nós, brasileiros, temos um escopo pequeno de contágio devido à língua. E acho a língua portuguesa perfeita para cantar a água, o elemento-chave do Brasil é a água. “Planeta água” é uma música que, quando houver um contato extraterrestre, tenho certeza de que o Guilherme Arantes vai ser muito apreciado.

Até lá, entre os planos do cantor está o de voltar ao Brasil em outubro para começar a montar, a partir da “A desordem dos templários” — disco que gravou de forma remota, com boa parte dos músicos em São Paulo —, um espetáculo no qual deve cantar sucessos que tenham afinidade com esse repertório, como “Raça de heróis”. Tão logo o fim da pandemia, ele sonha com multidões na plateia.

— Quero tocar em festivais como Rock in Rio e Lollapalooza, tenho bagagem para estar neles! — reivindica.

O artista, por sinal, mantém os olhos abertos para a juventude musical de 2021:

— Quero aferir qual a afinidade desse público comigo. Essa nova geração é muito heroica, só o amor pela arte a faz prosseguir. São uns caras meio escondidos, acho legal jogar uma luz sobre eles. É uma geração que tem uma sinergia com a nossa dos anos 1970, essa geração perdida entre o AI-5 e o BRock. A internet funciona para abrir esses canais de diálogo e encontrar uma tribo que comungue com os seus ideais. Porque, hoje, ficar usando a rede para ser cáustico é chover no molhado.