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O estúdio AIR Montserrat de George Martin em ruínas — Foto: Divulgação
O estúdio AIR Montserrat de George Martin em ruínas — Foto: Divulgação

Os Scorpions e Bob Dylan não chegaram a gravar no estúdio AIR Montserrat, na ilha caribenha de mesmo nome, mas suas músicas com metáforas referentes a furacões (“Rock you like a hurricane” e “Hurricane”, respectivamente) seriam tristemente adequadas para contar a história do sonho de George Martin, o “quinto Beatle”: um estúdio de gravação no nível dos melhores do mundo em uma ilha paradisíaca, longe das tentações e dos impostos de metrópoles como Londres e Los Angeles. O delírio de Martin — que soube da existência da ilha em uma revista de bordo, num voo do Canadá de volta para a Inglaterra — durou dez anos, até que o furacão Hugo varreu Montserrat e acabou com suas atividades. Naquela década, entretanto, Rolling Stones, Sting (com e sem o Police), Paul McCartney, Duran Duran, Stevie Wonder, Nazareth e outros nomes de peso da música estiveram lá gravando discos que entraram para a história da música.

A trajetória do AIR Montserrat está no livro “Na rota do furacão” (Lisbon), fruto da pesquisa do produtor e baterista brasileiro Roberto Sallaberry ao longo de quatro anos.

— Eu era fascinado com a história do estúdio, mas sabia muito pouco sobre ele — lembra Sallaberry (que, sim, é neto da eterna Dona Benta da TV Zilka Sallaberry), morador há dez anos na Flórida. — A gente, que trabalha com música, lê as fichas técnicas dos discos, né? E são muitos os clássicos gravados lá, como “Ebony and ivory”, dueto de Paul McCartney e Stevie Wonder, “Steel wheels”, dos Rolling Stones, “Synchronicity” e “Ghost in the machine”, do Police, “Brothers in arms”, dos Dire Straits...

Depois de muito buscar na internet e pouco encontrar sobre a história do estúdio — exceto em antigas reportagens de revistas sobre equipamentos de som —, ele resolveu fazer a pesquisa pelas próprias mãos.

— Encontrei um contato do Rick Wakeman (tecladista do rock progressivo, conhecido por sua passagem pelo Yes) em um disco e escrevi para lá, achando que não daria em nada — conta ele. — Logo me responderam, dizendo que ele estava à disposição para falar comigo. Fiquei animado, e fui tentar o Jon Anderson (cantor do Yes, que gravou com Wakeman o primeiro disco do grupo Anderson Bruford Wakeman Howe na ilha). A filha dele me respondeu, e meus planos ficaram mais ambiciosos. A ideia era publicar em um pequeno tabloide de música aqui da Flórida, mas achei que merecia mais.

Salaberry no estúdio — Foto: Divulgação
Salaberry no estúdio — Foto: Divulgação

Ao longo de quatro anos, com uma pandemia no meio, Sallaberry entrevistou músicos, técnicos, o cozinheiro responsável pela comida no estúdio (elogiada por dez entre dez pessoas que provaram seus acepipes; o chef George “Tappy” Morgan contabilizou Elton John e Phil Collins entre seus fãs) e quem estivesse por perto. Acabou conseguindo a bênção da família de George Martin (morto em 2016, aos 90 anos) para fazer a pesquisa, com direito a uma ida à ilha e aos escombros do estúdio, cuja visitação é proibida ao público em geral. A excursão está num pequeno documentário feito por ele com a ajuda da filha, um iPhone e bons aplicativos de vídeo.

— Contactei umas 90 pessoas e consegui umas 60 entrevistas — contabiliza ele, que de Miami foi para Antígua, uma ilha maior no Caribe, com cerca de 80 mil habitantes, de onde saem pequenos aviões para Montserrat, território ultramarino inglês onde não vivem mais do que 10 mil. — Depois do furacão e das erupções do vulcão Soufrière Hills, nos anos 1990, muita gente saiu de lá.

Quando George Martin visitou a ilha pela primeira vez, no fim dos anos 1970, as intempéries não haviam começado.

— Ele ficou encantado com a paisagem caribenha e com a população, que mistura descendentes de irlandeses e de africanos e outras etnias, e imaginou o estúdio lá, a hospedagem dos músicos, tudo. Originalmente a ideia era montar um estúdio em um barco, que navegaria pelo Mar Mediterrâneo, mas seus sócios, os donos da gravadora Chrysalis, acharam que não seria viável — conta o autor.

George Martin no Mosteiro de São Bento, no Rio - — Foto: Ana Branco - 25/03/1997
George Martin no Mosteiro de São Bento, no Rio - — Foto: Ana Branco - 25/03/1997

Depois de explorar um pouco a ilha (que é pequena, tem 102km², um pouco mais da metade da Ilha Grande), Martin encontrou uma fazenda de 30 acres, que comprou por 70 mil libras (cerca de meio milhão de reais, em valores atuais) e, ao lado dos parceiros, construiu o estúdio, com direito a uma mesa de gravação feita especialmente para a empreitada.

— A mesa Neve A4792 é uma lenda — diz Sallaberry, explicando que o número é uma espécie de apelido do equipamento, já que ele não foi construído em série, é único. — Todo mundo ficava abismado ao saber que ela estava lá, era um dos atrativos do estúdio, ao lado da ilha e do próprio George Martin, que tinha um outro estúdio em Londres, também chamado AIR (de Associated Independent Recording, ou “Gravações associadas independentes”, em tradução livre), mas construiu uma relação especial com Montserrat e vivia lá.

A parte técnica do estúdio é um dos destaques do livro, um prato cheio para os profissionais do ramo.

A logística era complicada: artistas, técnicos, equipamentos e até comida tinham que voar até Antígua e de lá ir para Montserrat, em teco-tecos ou de barco.

— Os discos eram gravados em muito menos tempo lá, porque a banda não tinha distrações, a não ser comer, ir à praia, à piscina ou ao mercadinho local — conta ele. — Um disco que os Stones levariam seis meses para gravar em Londres era arrematado em três semanas em Montserrat. E Mick Jagger e Keith Richards ainda podiam passear pela ilha sem serem reconhecidos.

O livro também traz histórias saborosas das bandas, como os escoceses do Nazareth, que honraram sua bandeira e foram o grupo que mais bebeu, e a bateria de Stewart Copeland, do Police, montada na sala de jantar — ele e Sting não aguentavam ficar no mesmo estúdio. Babado. No entanto, apesar da produção extensa e bem-sucedida, o AIR Montserrat não chegou a render rios de dinheiro a George Martin.

— Ele queria pagar as contas, gravar bons discos e realizar seu sonho — resume Sallaberry.

Em setembro de 1989, o Furacão Hugo, com ventos de 260km/h, varreu a ilha, causando muita destruição.

— O estúdio foi construído para ser à prova de furacões, que são comuns na região — lembra Sallaberry. — A ilha toda ficou semanas sem luz, mas o AIR Montserrat tinha seus próprios geradores. Devido à destruição geral, no entanto, George entendeu que era hora de encerrar as atividades do estúdio, e logo que foi possível mandou levarem a mesa e outros equipamentos de volta para Londres. Também havia chegado o momento em que o CD estava tomando o lugar do LP, e as gravadoras estavam mais interessadas em transferir tudo para o novo formato do que em registrar novidades.

Em 1995, a erupção do vulcão fez a lava soterrar Plymouth, capital de Montserrat, até hoje uma zona de exclusão. Três anos depois, George reuniu estrelas como Elton John, Phil Collins, Mark Knopfler, Sting e Paul McCartney no show beneficente “Music for Montserrat”, que rendeu um badalado disco ao vivo. Além do livro de Sallaberry, editado pela portuguesa Lisbon International Press, o documentário “Under the volcano” (de Gracie Otto, 2021), disponível para aluguel nas plataformas de streaming, conta a história do estúdio.

— Quem sabe com o livro editado eu recupero um pouco do meu investimento — brinca ele, que gravou parte de uma música, “Beyond the air” (também já disponível), nas ruínas. — Aquelas paredes são vivas, a gente consegue sentir a energia da música.

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