![A brasileira Filipe Catto e a argentina Kaleema: atrações do Ultrasonidos — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/3Emd6bpW3DkGDh0wmv4pHxXGrR8=/0x0:2000x1194/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/O/D/dxvHWkRkauCZWy11JaPw/ultra.png)
“Dá-me tu amor, solo tu amor”, pedia Herbert Vianna, em “Trac trac”, regravação dos Paralamas do Sucesso, lançada em 1991, para a música “Track track”, do argentino Fito Paéz, gravada quatro anos antes. O pedido foi atendido, em termos. Embora “Os grãos”, que trazia a música, tenha vendido no Brasil menos que os trabalhos anteriores do grupo — em 1991, Daniel Ek, fundador do Spotify, tinha 8 anos e discos ainda eram comprados —, o álbum teve boa repercussão na Argentina e abriu as portas do mercado sul-americano para o trio. No ano seguinte, os PDS lançaram um disco com regravações dos seus sucessos em espanhol e passaram a lotar estádios no país de Maradona. Mil novecientos noventa y uno.
Mas esse foi mais um caso isolado do que uma tendência. A curiosa relação musical entre o Brasil e seus vizinhos sul-americanos — assunto principal do Festival Ultrasonidos, que estreia nesta sexta-feira (3) — é marcada por inúmeros flertes ocasionais, como esse dos Paralamas com Fito Paéz.
O Ultrasonidos tenta fazer a sua parte nessa busca por aproximações, carinhos e gentilezas entre Brasil y sus hermanxs, sempre no mais sincero portunhol. Nesta sexta, às 17h30, o percussionista argentino Agustin Rios apresenta “Tambores de América”. Já as residências artísticas, marca do evento, são entre o grupo vocal Fémina, da Argentina, e o tecladista afrofuturista carioca Jonathan Ferr, e entre a multi-instrumentista Kaleema, também argentina, e a cantora brasileira Filipe Catto. As duas duplas — que passaram a semana juntas em estúdio — vão apresentar o resultado das residências em shows, a partir das 19h, no teatro do Futuros — Arte e Tecnologia (Rua Dois de Dezembro 63 - Flamengo, Zona Sul do Rio).
Com entrada gratuita, o festival continua no sábado e no domingo, das 11h às 20h, com filmes, vídeos e instalações de artistas latino-americanos.
O Ultrasonidos também desperta reflexões sobre esse atípico relacionamento entre nosotros y los hermanos. É certo que os Secos e Molhados saudaram o sangue latino, que João Donato jogou um molho de salsa na bossa nova, que Milton Nascimento encontrou Mercedes Sosa e que Paulinho Moska voou junto com Jorge Drexler. Na grande linha do tempo, porém, esses são pontos isolados, cheios de espaços vazios entre eles. E aí começaram a surgir as interrogações. ¿Qué pasa?
Por que esse intercâmbio não é mais frequente? Por que na escalação dos festivais de música na América do Sul existem bandas de Argentina, Chile, Colômbia etc., e nenhuma banda do Brasil? Por que a escalação dos festivais de música no Brasil não incluem bandas de Argentina, Chile, Colômbia etc.? Por que parecemos ouvir mais o que é produzido nos EUA e na Europa do que o que é feito ao nosso redor? É por causa do idioma? ¿Hablamos apenas english? ¿Qué pasa?
Respostas na ponta da língua ninguém tem. Mas existem novos sinais no ar e eles são animadores. O grupo Braza, que tem o DNA dos Paralamas, gravou com o grupo uruguaio Cuatro Pesos de Propina. Estrela emergente, a cantora Luciane Dom, que fez recentemente uma residência artística na Colômbia, lançou um single com o grupo local Esteban Copete y su Kinteto Pacfico. E o BaianaSystem, um gigante que não para de crescer dentro da moderna MPB, vive reforçando seus laços com o continente, como demonstram os álbuns “Ato 3: América do Sol” e “Oxeaxeexu”.
Por essas e por outras, que venham mais Ultrasonidos.
* Carlos Albuquerque, o Calbuque, é idealizador e curador musical do Festival Ultrasonidos