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Cultura Música

Erasmo Carlos canta o amor em disco novo, com parceiros como Marisa Monte e Emicida

'Em toda minha carreira, é o trabalho que melhor representa o que eu tinha pra dizer', diz o Tremendão
Bem humorado, Erasmo Carlos brinca até com marcapasso: “eletricidade no amor” Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo
Bem humorado, Erasmo Carlos brinca até com marcapasso: “eletricidade no amor” Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo

“Certas pessoas têm um momento feliz na vida e querem que aquilo se reproduza sempre. E isso não vai acontecer. A vida não é assim. A melhor coisa é saber ser feliz dentro do momento em que você está. E eu sou.”

Erasmo Carlos
Cantor e compositor

RIO - O piano e o violão preparam o terreno para a voz de Erasmo Carlos, que surge afirmando, suave: “Houve um tempo em que eu chorava quase todo dia”. Pouco depois, ele menciona que “o infinito de uma coisa boa começou devagarinho a orbitar em mim”, iniciando um momento crescente que explode com seu canto gritado, no verso final: “E ganhei um universo pra chamar de céu”.

Esse arco de redenção, uma redenção ao mesmo tempo incisiva e serena, marca “Convite pra nascer de novo” — parceria de Erasmo com Marisa Monte e Dadi que abre o novo disco do artista, “Amor é isso” (Som Livre).

CRÍTICA: Erasmo retorna a seu melhor personagem

E é esse arco que dá o tom de todo o álbum, com composições de Erasmo só ou com parceiros como Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhotto, Emicida e Samuel Rosa, além de trazer músicas de Nando Reis, Marcelo Camelo e Teago Oliveira (Maglore).

— Em toda minha carreira, é o disco que melhor representa o que eu tinha pra dizer — resume.

MÚSICA DE TIM MAIA DOS ANOS 1960

O que Erasmo tem a dizer agora? Nas 12 faixas, o cantor e compositor de 76 anos detalha sua satisfação em estar vivo (“Além do mais, ainda respiro/ Vejo cores e ouço música”); mergulha na filosofia que cabe na música popular (“Se vou fundo, é porque no fundo a fé se aprende nos erros”); projeta-se otimista no futuro (“Vou prosseguir pra ver/ O infinito e mais além”); propõe uma existência mais quente no mundo digital (“Mas o primeiro touch screen/ Foi uma pessoa”); se dirige à vida com autoridade de quem a domina (“Faz-me teu amor em luz/ Pra que eu me resplandeça nele/ E avisa-me quando acabares o amém/ Pra que eu te seja no além”).

Criança que não entende nada e homem que sabe tudo, Erasmo diz que o contato com novos parceiros trouxe outros elementos para seu repertório. Cita “as divisões de Emicida”, “a latinidade de Samuel”, “as melodias e a visão feminina de Adriana”. Nesse ar renovado, “Novo love (New love)” — música que seu amigo Tim Maia escreveu no início dos anos 1960 e gravou em 1973, e que agora ganha versão em português de Erasmo — cai de forma harmônica (“Ela fala muito da minha juventude”). Assim como “Não existe saudade no cosmos”, canção de Teago Oliveira na qual o Tremendão reconhece seu estilo:

— Parece que fui eu que fiz. Na levada, que parece de alguém que está caminhando. E na forma de dizer as coisas, como se estivesse falando no ouvido de uma mulher, indo direto ao coração dela, sem nada no meio.

O estado de felicidade atravessa o disco. Frente à banal e fundamental pergunta da existência (“Você é feliz?”), Erasmo não titubeia, mas também não se faz ingênuo. Sua resposta parece abrir caminho para clássicos versos erasmianos:

— Certas pessoas têm um momento feliz na vida e querem que aquilo se reproduza sempre. E isso não vai acontecer. A vida não é assim. A melhor coisa é saber ser feliz dentro do momento em que você está. E eu sou. Estou tranquilo e apaixonado (ele está casado há dois anos com Fernanda Passos) . E pus um marcapasso, que dá eletricidade ao amor — brinca, a seu estilo, sobre o problema no coração. — Não podemos fugir das coisas que nos estão reservadas.

SUBVERTENDO A TRÍADE

Essa compreensão da vida se revela num disco que carrega ecos de seu “Carlos, Erasmo”, de 1971 — embora o cantor afirme que não vê paralelos entre “Amor é isso” e qualquer um de seus álbuns. Depois de cantar “Rock’n’roll” (2009) e “Sexo” (2011), ele subverte a tríade clássica da rebeldia e, em vez das drogas, descreve o amor — antes, passou por “Gigante gentil” (2014).

— Mas não é só o amor sexual, ou o amor romântico. É o amor geral: pela natureza, pela mãe, pelo vizinho, do patrão pelo empregado — explica. — Toda essa história pode ser resumida naquele vídeo que viralizou, do menininho que está andando com a menininha e há um buraco no caminho. Ele se abaixa, faz uma ponte pra ela, que passa e dá a mão a ele para que os dois sigam o caminho. Amor é isso.

Mas o romantismo ocupa um papel importante no álbum. Seu ponto de partida foram poemas que Erasmo começou a escrever há oito anos e a mandar por e-mail para Fernanda, então sua namorada. Hoje, Erasmo tem um livro pronto com 111 poemas, ainda sem lançamento previsto. Pela primeira vez, o cantor fazia o exercício de escrever palavras desvinculadas da ideia de uma melodia — mas a vocação de sua poesia falou mais alto, e algumas acabaram se tornando canções em “Amor é isso”.

“Sei que isso (o amor como solução) é utópico. Mas, costumo dizer que a utopia é impossível, mas ela é sonhável.”

Erasmo Carlos
Cantor e compositor

Quando começou a se desenhar mais claramente o desejo de fazer um novo álbum, Erasmo convidou Marcus Preto para assumir a direção artística, ajudá-lo a articular novas parcerias e pensar o repertório. Preto sugeriu Pupillo (Nação Zumbi) para produzir. Juntos, eles montaram a banda: Guilherme Monteiro (guitarras e violões); Carlos Trilha (pianos, teclados e sintetizadores); Bruno Di Lullo e Dadi Carvalho (baixos); o próprio Pupillo (bateria e percussões); Felipe Ventura (cordas); e Filhos da Judith (vocais). Há ainda um trio de metais em “Novo sentido”, de Erasmo e Samuel Rosa.

— Minha ideia era valorizar as canções, nada de distorções, tudo mais acústico — conta Erasmo, que levou referências ao estúdio para mostrar aos músicos. — Teve Bryan Adams, Matt Bianco, Fats Domino...

Arranjos sem firulas, como o tal amor, que, nas palavras de Erasmo (ecoando mil poetas) é o mesmo e sempre novo. E é solução para o mundo em convulsão:

— Sei que isso é utópico. Costumo dizer que a utopia é impossível, mas é sonhável.