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Crítica: Arctic Monkeys surpreendem com disco mais europeu e conceitual

Em 'Tranquility Base Hotel & Casino', líder Alex Turner se transforma em crooner para contar histórias em um fictício resort espacial
Alex Turner (à direita) e seus companheiros do grupo Arctic Monkeys Foto: Zachery Michael / Divulgação
Alex Turner (à direita) e seus companheiros do grupo Arctic Monkeys Foto: Zachery Michael / Divulgação

RIO - A imaginação do líder Alex Turner voa e os Arctic Monkeys vão atrás. Ponto na Lua onde os astronautas Buzz Aldrin e Neil Armstrong pousaram em 1969, a Base da Tranquilidade é onde ele foi parar desta vez em meio ao processo de criação do sexto álbum da banda inglesa — a mais bem-sucedida (artística e comercialmente) do rock mundial nos últimos 15 anos.

“Tranquility Base Hotel & Casino”, que chega esta sexta-feira ao mercado sem qualquer antecipação em single, é o disco menos convencional — e menos rock — da carreira desses garotos de Sheffield que deram uma sacudida na cena em 2006 com seu álbum de estreia “Whatever people say I am, that's what I'm not” .

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Na direção contrária do processo de americanização que os Arctic Monkeys vinham sofrendo (e que deu no álbum elétrico e cheio de riffs de guitarra “AM” , o último que haviam lançado, em 2013), eles agora investem num tipo de disco que é muito inglês: conceitual, com um personagem saudoso que faz a crônica dos desajustes de seu tempo presente, como nos clássico disco dos Kinks “The Kinks are The Village Green Preservation Society”, de 1968.

Meio século depois do “Village”, “Tranquility Base Hotel & Casino” faz uma excursão musical e poética por uma futurístico hotel de veraneio localizado numa base espacial, no qual Alex Turner assume funções de crooner e de gerente, entre outras.

INFLUÊNCIA DE LÔ BORGES

As canções do novo disco do Arctic Monkeys são mais lentas e climáticas que de costume, com letras enigmáticas, às vezes com referências a outras obras de arte, como se seguissem um único fluxo de pensamento.

Capa do novo disco do Artic Monkeys Foto: Divukgação
Capa do novo disco do Artic Monkeys Foto: Divukgação

Já a sonoridade, essa deve muito ao pop francês e italiano dos anos 1970, de artistas como Serge Gainsbourg, Jean Claude Vannier, Nino Ferrer e Ennio Morricone (autores de músicas citadas por Alex, em entrevista à revista inglesa “Mojo”, como tendo tido grande influência no disco, ao lado do “Aos barões”, faixa de 1972 do brasileiro Lô Borges).

Num certo sentido, o grupo se aproximou da música mais cinematográfica que o líder vinha fazendo nos Last Shadow Puppets, seu projeto paralelo com o cantor e compositor Miles Kane.

Mais decisivo, porém, para a forma musical que “Tranquility Base Hotel & Casino” viria a assumir foi a decisão de Alex Turner em se aventurar pelo piano, e não mais a guitarra, na composição das canções. Assim, no resultado final, a bateria passou a ter um papel secundário, as guitarras entraram mais para dar colorido do que estrutura e o baixo, com uma sonoridade propositadamente antiquada, tornou-se a âncora dos desvarios pianísticos de Alex (que pela primeira vez atuou como co-produtor de um disco dos Monkeys).

“Eu só queria ser um dos Strokes, agora veja a confusão que você me fez causar.” É com esses versos marotos, na voz de um decadente cantor de cassino mergulhado num instrumental cocktail, que o inglês dá a partida no disco, em “Star treatment”.

POP ITALIANO

“Não se deve esperar nenhum solavanco em "Tranquility Base Hotel & Casino": a levada é a mesma do começo ao fim”

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Aos poucos, o ouvinte vai entrando no clima do disco e na biografia do personagem (“talvez eu tenha sido um pouco selvagem demais nos anos 1970”, confessa, na mesma faixa). A atmosfera um tanto empoeirada muda pouco em “One point perspective”, faixa com um solo de guitarra que bem poderia ter sido de saxofone, e um punhado de memórias que, admite o narrador, bem poderiam ter sido inventadas.

Uma certa melancolia e sons de teclados que remetem imediatamente ao pop italiano mais cafona invadem a faixa-título — com bom efeito para o tipo de emoção que se quer imprimir à narrativa. “Golden trunks”, que vem na sequência, aprofunda-se no drama, com uma das melodias mais memoráveis do disco. “E, em resposta ao que você sussurrou no meu ouvido, devo admitir que às vezes fantasio sobre você também”, abre-se o narrador/sedutor.

Não se deve esperar nenhum solavanco em “Tranquility Base Hotel & Casino”: a levada é a mesma do começo ao fim, e não há frases potentes de guitarra ou refrãos que mobilizem. Alex Turner está ali contando a história que escreveu, com o generoso engajamento dos Arctic Monkeys.

Algumas faixas sobrevivem melhor fora do conjunto, como a excelente “Four out of five”, que chega a um nível Queen de sofisticação vocal e versos venenosos (“novos lugares bonitos vêm aparecendo desde o êxodo, tudo está ficando gentrificado”).

Boas também são “Science fiction” e a paranoica “Batphone”, que versam sobre as armadilhas da tecnologia moderna. E o disco termina com o apropriado baladão de piano “The ultracheese”, a mais derramada e romântica faixa da coleção (Alex Turner em seu momento mais Elvis Presley), clamando por um passado que não volta mais.

É o gran finale de um passeio em boa parte do tempo proveitoso, com boas surpresas para quem estiver disposto a procurá-las, mas, por outro lado, com um punhado de faixas como “The world's first ever monster truck front flip” e “She looks like fun” que não se sustentam sozinhas. É de se aguardar para ver como os Arctic Monkeys vão transformar em show esse “Tranquility Base Hotel & Casino”.

Cotação: Bom