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Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo

Em 9 de agosto de 1981, Ariano Suassuna (1927-2014) assustou todo mundo ao publicar uma “Despedida” no Diário de Pernambuco. Escreveu que, depois de deixar inconcluso um romance ao qual vinha se dedicando, começava a sair “do caos trevoso e palavroso da maldita Literatura”. “Não me cobrem mais livros que não estou mais escrevendo e pelos quais já perdi qualquer interesse”, afirmou. A perplexidade dos leitores foi tamanha que a mãe do autor, Dona Ritinha, então com 85 anos, precisou dizer à imprensa que a cabeça do filho estava “muito boa”. “Ele não vai deixar de escrever”, assegurou.

Dona Ritinha estava certa. Suassuna não deixou de escrever nem de revisitar seus livros. Prova disso é que ainda hoje, quase uma década após sua morte, continuam saindo do baú do autor textos inéditos ou que só haviam aparecido em páginas de jornal, caso de “As infâncias de Quaderna”, a segunda parte do romance “História d’O Rei Degolado nas caatingas do Sertão”. Agora completo, o livro acaba de ser lançado em dois volumes ilustrados pelo filho do escritor, Manuel Dantas Suassuna.

Quando faleceu, Suassuna deixou um acervo com milhares de páginas a inventariar: inéditos em prosa e verso, textos publicados em jornais e nunca reunidos em livro, incontáveis versões de obras já conhecidas. É daí que vêm saindo as publicações póstumas do autor, que será homenageado na I Festa Literária de Santo André (18 a 20 de agosto).

— Parece spin-off de série, sabe? De repente, aparece mais uma história do Quaderna — diz Janaína Senna, editora da Nova Fronteira, em referência ao narrador do livro recém-lançado, também presente em outras obras, como “A pedra do reino”.

Ilustração de Manuel Dantas Suassuna para "História d’O Rei Degolado nas caatingas do Sertão", de Ariano Suassuna — Foto: Manuel Dantas Suassuna
Ilustração de Manuel Dantas Suassuna para "História d’O Rei Degolado nas caatingas do Sertão", de Ariano Suassuna — Foto: Manuel Dantas Suassuna

Perfeccionista crônico

Suassuna publicou “O rei degolado” em folhetins dominicais no Diário de Pernambuco entre novembro de 1975 e junho de 1977. A primeira parte, “Ao sol da Onça Caetana”, chegou a ser editada em livro em 1977, pela José Olympio. “As infâncias do Quaderna”, porém, ficaram relegadas às páginas de jornal e aos arquivos do autor, que chegou a revisar a obra para uma publicação que, não se sabe o motivo, não ocorreu.

Perfeccionista declarado, o paraibano reescrevia incansavelmente seus livros. No caso de “O rei degolado”, colou os folhetins em um álbum e, à mão mesmo, corrigiu erros, modificou frases, cortou e acrescentou parágrafos, fundiu capítulos. Também incluiu cinco páginas datilografadas que viraram o primeiro capítulo de “As infâncias de Quaderna”. O texto da nova edição foi fixado por Carlos Newton Júnior, ex-aluno e antigo colaborador de Suassuna.

Janaína Senna descreve o autor como um long-seller: seus livros vendem sempre e bem. A editora não divulga números, mas afirma que o campeão é “O auto da Compadecida”. Desde 2018, o título já foi reimpresso 25 vezes.

E o sucesso de não é só editorial. A peça de 1955 virou minissérie em 1999 e chegou ao cinema no ano seguinte. Para 2024, está prevista a estreia do filme “O auto da Compadecida 2”, com direção de Guel Arraes, que assina o roteiro com Adriana Falcão, João Falcão e Jorge Furtado. Matheus Nachtergaele e Selton Mello voltam nos papéis do esperto João Grilo e do covarde Chicó.

Nachtergaele conta que o novo filme foi discutido com o próprio Suassuna. Ele não chegou a escrever uma continuação para “O auto da Compadecida”, mas o roteiro incorporou elementos de outros textos do autor e de obras que o inspiravam.

— Ariano plantou uma obra brasileira numa tradição cultural que vem de séculos. Bebeu nos gregos, em Cervantes, nas fábulas que nos formam. Ele trabalhava com arquétipos. João Grilo e Chicó existem com outros nomes em todas as literaturas do mundo. É isso o que garante a perenidade da obra dele — afirma Nachtergaele, que comemora que “a obra de Suassuna continue frutificando quase uma década depois de sua partida”.

Newton Júnior concorda com o ator: ao falar do sertão, Suassuna foi universal.

— Veja “O auto da Compadecida”, escrito quando ele tinha 28 anos. Está tudo ali, naquela cidadezinha do interior: a exploração do homem pelo homem, a corrupção do poder, a empáfia da aristocracia, a classe média que se preocupa mais com os cachorros do que com quem vive na rua, o banditismo social — diz ele, que é professor da Universidade Federal de Pernambuco. — Suassuna aborda questões sérias, supratemporais, com muito humor, o que facilita tudo.

Inéditos póstumos

Em 2017, surgiu o primeiro inédito do baú de Suassuna: “Romance de Dom Pantero no palco dos pecadores”, que ele vinha reescrevendo há décadas e, após um infarto em 2013, decidiu terminar. Súmula de sua produção, a obra incorpora teatro, poesia, autobiografia, as aulas-espetáculo em que ele apresentava sua visão de cultura (que unia popular e erudito).

O “Teatro completo” saiu em 2018, com sete peças inéditas, como “As conchambranças de Quaderna” e “O seguro”. Dois anos depois, veio à luz outro romance: “O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada”, escrito em 1966 como roteiro para um filme nunca produzido e que se passa na Paraíba, em 1930, ano do assassinado do governador João Pessoa (estopim da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder). João Suassuna, pai do autor e ex-governador do Estado, foi acusado de mandante do crime e morto no Rio de Janeiro.

Suassuna revisitou a tragédia familiar várias vezes em sua obra. Em “As infâncias de Quaderna”, o volume recém-publicado, dois personagens representam o pai do autor: o cômico Justino Quaderna, pai do narrador, e João Suarana, que prefere a morte à desonra. Suassuna acrescentou duas fotografias do pai ao texto, identificando-o como João Suarana.

Newton Júnior conta que a dor da rememoração contínua da morte do pai foi uma das razões que levou o escritor a abandonar o projeto iniciado com “A pedra do reino” (1971). Originalmente, ele pensava numa trilogia. Cada romance teria cinco partes. No entanto, só concluiu o primeiro deles: “A pedra do reino”. Do segundo, “O rei degolado”, terminou duas partes: “Ao sol da Onça Caetana” e “As infâncias de Quaderna”. Chegou até a metade da terceira, “A guerra dos doze”, mas desistiu. Ninguém sabe o destino deste manuscrito.

Abandonada a trilogia, Suassuna passou a investir em outro projeto: formar uma “ilumiara”, uma obra que abarcasse toda a sua produção e sintetizasse a cultura brasileira. Ele chegou a modificar algumas obras para permitir que seus personagens circulassem livremente de um livro a outro e assim completar sua ilumiara. Na quinta edição de “A pedra do reino” ele acrescentou João Grilo e Chicó, de “O auto da Compadecida”, à trama.

No ano que vem, a Nova Fronteira lança a poesia completa de Suassuna, que inclui poemas inéditos. A editora também vai publicar uma adaptação de “O auto da Compadecida” em quadrinhos e as famosas aulas-espetáculo do paraibano em livro. Segundo Newton Júnior, é possível que, editada a poesia, não restem mais inéditos (com exceção da crítica de arte e teatral publicada apenas na imprensa). A não ser que, da papelada deixada pelo escritor, surja o manuscrito inacabado de “A guerra dos doze”.

— Convivi tanto com Ariano, mexi tanto aquele escritório, mas nunca perguntei: “O manuscrito de ‘A guerra dos doze’ está aí para eu ver?”. Tanta coisa que a gente devia ter perguntado, mas só se lembra depois, né? — lamenta Newton Júnior.

Serviço:

"História d’O Rei Degolado nas caatingas do Sertão"

Autor: Ariano Suassuna. Editora: Nova Fronteira. Páginas: 688. Preço: R$ 289,90.

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