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Cultura

Liniker se lança em o voo solo com o seu 'disco sol' de renascimento

Em 'Índigo borboleta anil', cantora inclui canção escrita aos 15 anos: ‘Ver que ainda estou nesse processo de cura de mim mesma é especial’
A cantora e compositora Liniker Foto: Caroline Lima / Divulgação
A cantora e compositora Liniker Foto: Caroline Lima / Divulgação

RIO - É hora do renascimento para Liniker, cantora e compositora trans de 26 anos, surgida no cenário há cinco anos, à frente de sua banda, Os Caramelows. Desde que seu caminho se separou, de comum acordo, daquele dos companheiros , em 2019, ela vem preparando o voo solo, um disco “que se pudesse ouvir, mas também sentir”, “um disco convite, um disco de presente, com o qual se possa se acessar novos lugares”. Enfim chegou a hora: esse voo na direção do seu público se dá a partir desta quinta-feira, nas asas de uma “Indigo borboleta anil” que chega ao streaming.

— Várias borboletas azuis passaram na minha frente na feitura do disco, física e oniricamente. Eu cuspi o título justo quando estava passando uma borboletona. Eram os meus orixás e a natureza me avisando — relata Liniker, em entrevista por Zoom, na ensolarada manhã da última segunda-feira. — Eu precisei de tempo. Tanto que tem uma música no disco, “Antes de tudo”, que é minha primeira composição, de quando eu tinha 15 anos. Ver que eu ainda estou nesse processo de cura de mim mesma é muito especial. Esse é o meu disco sol, para a gente poder incandescer.

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Produzido por Liniker junto com o violonista Júlio Fejuca e o guitarrista Gustavo Ruiz, “Indigo borboleta anil” é um disco sofisticado e balançado. Nada menos que duas orquestras – a Jazz Sinfônica de Ruriá Duprat e a Rumpilezz de Letieres Leite – dão a moldura mais luxuosa e emotiva para que a cantora solte a voz em suas composições entre o soul, o samba, o jazz e o reggae.

— Eu sentia que eu tinha que voltar para o quintal em Araraquara. Sou cria do samba, dos movimentos de música preta brasileira. Quando esse disco tocar na casa da minha mãe ou da minha tia, as duas vão saber que é para elas — aposta a cantora, que começou o disco na cozinha da sua casa, repassando as suas letras com Fejuca ao violão (e logo depois ela mesma assumiu o instrumento). — O violão é um companheiro meu desde que vim de Araraquara. Era eu, ele e uma mala. O violão sempre foi um lugar de poder me conectar com o que eu estava sentindo.

Na reaproximação de Liniker com o instrumento, que andava encostado, foram surgindo canções – até mesmo na hora em que as gravações do disco tinham começado. A faixa de encerramento, “Mel” foi uma dessas, e entrou no álbum na versão caseira, só com a cantora e o seu violão:

— Depois de um disco cheião desses, com orquestra, tudo volta para o início. Essa música me reconecta com a Liniker de 16 anos que começava a cantar, me reconecta com meus processos artísticos mais íntimos.

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Em sua lua de mel com o violão, ela ainda compôs a mais densa e onírica faixa do disco, “Lalange”, gravada com a participação de Milton Nascimento:

— A parte cantada eu escrevi quando morreu o Miguel [ menino que, no ano passado, caiu do alto de um prédio em Recife enquanto estava aos cuidados da patroa da mãe ]. Fiquei pensando que, quando minha mãe também trabalhou como doméstica, muitas vezes ela me levou para o trabalho. Graças aos orixás nunca aconteceu nada comigo, mas eu poderia ter sido essa criança.

Paulo Miklos e Liniker em cena da série "Manhãs de setembro" Foto: Divulgação
Paulo Miklos e Liniker em cena da série "Manhãs de setembro" Foto: Divulgação

Enquanto corria o trabalho de “Indigo borboleta anil”, Liniker se viu ocupada com um outro projeto: como atriz, protagonizou série “Manhas de setembro”, da Amazon, que estreou em junho. O papel de Cassandra, cantora e motogirl que tem seus planos interrompidos pela chegada de um filho que não sabia ter, foi, para Liniker, também uma realização de velhos sonhos.

— Antes de ter minhas músicas lançadas, eu era estudante de teatro e de artes do corpo em Araraquara, e foi isso que me tirou da cidade. Em 2014, fui para Santo André para a Escola Livre de Teatro. Eu tinha muita vontade de fazer cinema — recorda-se. — Comecei a preparação para “Manhãs de setembro” um ano antes de filmar, fui deixando essa personagem aparecer. A Cassandra é uma personagem muito fiel ao que ela sente. Ela trouxe uma coragem que eu estou redescobrindo nesse disco, a coragem de cuidar do próprio desejo.

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Um grande show, uma carreira internacional... é vasto o universo de possibilidades que Liniker vislumbra à sua frente agora, ao lançar “Indigo borboleta anil”.

— Eu faço música. E acho que às vezes muitas plataformas e meios de comunicação são reducionistas quando colocam nossos corpos só em situações LGBTQI+, como se ele fosse o lugar onde a gente pudesse habitar — critica. — Com esse disco eu quero abrir a linguagem, vir inteira, seja cantando em português como nos meus outros discos, seja fazendo uma música em inglês, porque o meu trabalho me levou para lá para fora e eu fiquei com vontade de pesquisar esse verbo dentro da minha boca. Nunca tive um disco que soasse tanto como meus sonhos quanto este.