Cultura

Gabriel Leone diz que terapia o ajuda com personagens complexos e critica teste de elenco baseado em número de seguidores

Par romântico de Andréa Beltrão em 'Um lugar ao sol' e protagonista do filme 'Eduardo e Mônica', ele sonha em interpretar Hamlet e Jesus Cristo no palco, revela crises de ansiedade e planeja morar com a namorada, a atriz Carla Salle
Gabriel Leone Foto: João Arraes/ Divulgação
Gabriel Leone Foto: João Arraes/ Divulgação

Gabriel Leone surge irreconhecível em um café do Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. O visual inspirado em John Lennon que adotou para viver Felipe, o jovem apaixonado por música que se envolve com a personagem de Andréa Beltrão em "Um lugar ao sol", deu lugar ao cabelo raspado para a segunda temporada de "Dom", série sobre o criminoso carioca Pedro Dom que protagoniza na Amazon Prime. Repaginado, ele passa despercebido entre as mesas cheias do restaurante.

Na verdade, um dos nomes mais quentes da nova geração de atores do país raramente é reconhecido na rua. Quase sempre está com a aparência do próximo trabalho que fará e não do que está no ar ou em cartaz. E trabalho não anda faltando para o carioca que, aos 28 anos, já soma oito filmes no currículo. No último Festival do Rio, podia ser visto na telona em três personagens completamente diferentes: um policial em "Alemão 2"; com aparelho nos dentes e cara de adolescente em "Eduardo e Mônica" (que estrela com Alice Braga a partir do dia 20 nos cinemas); e na pele de um cantor da música dita brega em "Meu álbum de amores".

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Fazer filmes relacionados à música, aliás, é motivo de alegria especial. Gabriel foi batizado com esse nome por causa da canção homônima de Beto Guedes, criado entre a coleção de vinis e CDs dos pais, toca violão e compõe. Partiu dele a ideia de o Felipe da novela das 9h ser apaixonado por sambas antigos e compositores como Ké Ketti e Noel Rosa. Por estrear no cinema este ano, o ator ainda tem "Duetto", de Vicente Amorim, e "Cidade ilhada", de Sérgio Machado. Agora, se prepara para viver o irmão de Dom Pedro I, Dom Miguel, na série que Luiz Fernando Carvalho dirige na TV Cultura sobre os 200 anos da Independência do Brasil. Gabriel, realmente, está em todas.

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Para quem olha de fora, pode parecer que tudo aconteceu rápido demais. Mas não foi sem que ele corresse atrás. É do tipo que bate na porta dos diretores com que quer trabalhar. Foi assim com Cláudio Assis, que o dirigiu em "Piedade". Encara sem orgulho besta a bateria de testes que for e não joga a toalha nem quando vai mal. Em "Eduardo e Mônica", por exemplo, pediu uma segunda chance após não ir bem no primeiro teste. Nesse projeto, conquistou de vez a parceira de cena, Alice Braga, que o considera "um dos melhores atores do Brasil".

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As conquistas de sua trajetória, iniciada por acaso fazendo teatro numa escola da Tijuca, bairro onde nasceu, também são frutos de uma consciência rara para um ator da sua idade, que prefere não ter contrato fixo para escolher os papéis com liberdade.

- Gabriel não é imediatista e traz profunda consciência do ofício, não negociando trabalhos, mas seguindo sempre sua necessidade de tocar a vida. Não é um ator comum. É um artista que se manifesta das mais variadas formas e frequências. Sua presença ilumina - elogia Luiz Fernando Carvalho, que o dirigiu em "Velho Chico".

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Crise de ansiedade

Os bons ventos atuais chegaram após um momento delicado. No início da pandemia, Gabriel sofreu uma forte crise de ansiedade, que credita não só à tensão do momento, como à soma de estados emocionais que precisou alcançar para dar vida aos seus mais recentes personagens. Principalmente Dom, que considera o mais intenso de sua carreira. O ator recorreu à terapia que, desde então, não largou, mais.

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— Os processos que nós atores vivemos mexem muito internamente. Com a experiência e a maturidade, conseguimos ir separando o lado profissional do pessoal, mas não temos um disjuntor que desliga e pronto, faz tudo virar uma mentirinha. A gente estimula verdades dentro do que vivemos em cena, por isso, ter um acompanhamento terapêutico é fundamental - afirma ele, que encenou peças como "Gota D’água", "Senhora dos afogados" e "Chacrinha – O Musical" e, na TV, enfileirou "Malhação", "Verdades secretas", "Os dias eram assim", "Onde nascem os fortes", entre outros trabalhos.

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A análise também ajuda a mudar antigos comportamentos e impacta positivamente na relação com a namorada, a atriz Carla Salle. Os dois vivem um relacionamento monogâmico e pretendem juntar os trapos em breve ("estamos para dar esse passo esse ano").

— Minha geração ainda repete padrões machistas, mas só o fato de estar se abrindo para falar sobre e escutar é um passo interessante. Tento rever a forma como me comportava em casa, nos serviços domésticos, e as atitudes com minha namorada, olhar coisas que não gostava de outra maneira, aprender e me abrir com as mulheres do meu ciclo — diz. — Vejo muitos homens da minha idade fazendo terapia. Homens de gerações anteriores viam a terapia como um problema, uma fraqueza.

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Também foi na pandemia, com a ansiedade controlada, que ele rodou a novela da 9, a primeira toda gravada antes de ir ao ar. Assim que começou a se desenhar o romance com Rebeca, a ex-modelo 30 anos mais velha interpretada por Andréa Beltrão, muitas mulheres na casa dos 50 encheram o Twitter de posts como: "Gabriel, também tenho 50 anos, vem aqui!". Ele se diverte com a repercussão e tem na ponta da língua a resposta para as críticas sobre a diferença de idade.

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— Isso sempre foi um tabu, mas hoje, com a internet, ficou mais ainda. Há pessoas que passam mais tempo cuidando da vida do outro e julgando do que vivendo. Se as duas pessoas estão felizes, não interessa a ninguém - afirma ele, que namorou a atriz Sabrina Korgut, 16 anos mais velha.— Acho curioso que, como psicóloga da Rebeca, a personagem de Regina Braga, minha avó, incentiva o relacionamento. Mas quando descobre que é com o neto dela, tudo muda de figura. Isso é maravilhoso, porque é humano. Seria mentira se ela fosse uma pessoa ultra evoluída que dissesse "vai lá, fica à vontade aqui em casa".

O ator costuma trocar figurinhas por WhatsApp com Andréa sobre memes e reflexões em torno da novela que vão parar nas redes. Foi assim na cena que mostrou a primeira transa dos dois, quando o internautas lamentaram que não fossem ainda mais longe.

— Gabriel é um companheiro de cena extraordinário e um amigo maravilhoso. A gente se divertiu muito, conversávamos sem parar, tínhamos muitos assuntos. Futebol era um dos nossos preferidos. Nesse ponto, temos uma enorme rivalidade. Sobre a vida, pensamos parecido. Às vezes, bastava um olhar meio debochado e a gente já sabia o que o outro estava pensando. Foi uma farra - conta Andréa. - Ele tem todas as ferramentas que um ator ou atriz sonha ter, e sabe usá-las com afeto, humor e emoção. Tem um único defeito: não é flamenguista. Mas, ninguém é perfeito.

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Gabriel, que cursou design gráfico na UFRJ, segue com fé na sua vocação maior, com desejo de encarnar Hamlet e Jesus Cristo no palco. E longe, bem longe de expor sua vida pessoal para biscoitar seguidores em um momento em que a prática de escolher atores pelos números que ostentam nas redes ganha força em seu meio profissional.

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— Escolher ator pelo número de seguidores é um absurdo. Tira a oportunidade de muita gente com talento. Não estou falando de pessoas que são escolhidas por seu talento e que têm muitos seguidores. O Instagram virou ferramenta de trabalho, há análise de gráficos, atores que têm apresentações de como rendem ali. Existe até valor de cachê de acordo com número de seguidores. Até aí, tudo bem, é algo estritamente comercial. Quando começa a envolver arte e subjetividade é que é estranho - analisa ele, que tem 625 mil seguidores no Instagram. - Nunca fui da selfie, de ficar me filmando no stories, não consigo. Muita gente me fala: "Você está perdendo dinheiro". Artistas contratam pessoas para cuidar do Instagram, tipo "em tal hora, você posta uma foto do pôr do sol, depois, seu café da manhã" . São tipos de engajamento que eu não tenho o menor interesse. Minha vida pessoal é minha.