Filmes
PUBLICIDADE
Por

Foram pessoas que executaram milhões de seres humanos na Alemanha nazista. Algumas testemunharam o Holocausto e decidiram apagá-lo da memória ou fingir que nada tinha acontecido. Para o massacre perpetrado nos campos de extermínio foram necessários a industrialização nazista da morte, uma infraestrutura e uma burocracia humana, a gestão da banalização do mal e seres humanos que voltaram para suas casas, que tinham família e amigos. Como eram esses seres humanos? Como eles puderam cometer tais crimes?

O audiovisual tende a focar nas vítimas ou em sua interação com os algozes e só recentemente se aprofundou na vida cotidiana dos assassinos. Esta semana, chegou aos cinemas o filme “Zona de interesse”, de Jonathan Glazer, que mostra o horror de Auschwitz através da família de seu comandante, cuja mansão ficava ao lado do campo de concentração. Eles nada viam, nada ouviam, não sentiam cheiro nenhum. Glazer, que ganhou o Prêmio do Júri em Cannes com o filme, adaptou livremente o romance homônimo de Martin Amis. E o Disney+ exibe a minissérie “A tradutora do silêncio”, baseada no romance “A casa alemã”, de Annette Hess, sobre o julgamento, entre dezembro de 1963 e agosto de 1965, em Frankfurt, de vinte comandantes desse mesmo campo de extermínio. É um bom momento para perguntar: esses retratos são legítimos? Ou são imorais? Como um diretor aborda esses personagens?

Documentários como “Shoah” e “O último dos injustos”, de Claude Lanzmann, contaram a história do extermínio nazista. Filmes como “O homem do prego”, “Um Sinal de Esperança”, “A vida é bela”, “A 25ª hora”, “Cinzas da guerra”, “Bent” e “O filho de Saul” e “A escolha de Sofia” mostraram as experiências das vítimas. As relações truculentas entre os nazistas e as pessoas confinadas em campos de concentração apareceram em “Kapò”, “A lista de Schindler”, “O menino do pijama listrado” e até em “O porteiro da noite”. A busca e a localização de nazistas escondidos após o fim da guerra foram mostradas em “O dossiê de Odessa”, “O aprendiz”, “O substituto”, “Os meninos do Brasil”, “Anjo da morte” e “O médico alemão” (nestes três últimos, no centro da trama está Josef Mengele, que já foi retratado na tela em inúmeras ocasiões). E há também as recriações da Conferência de Wannsee, onde foi planejado o extermínio judaico, em “A solução final” e “A conferência”. A vida cotidiana nazista, que raramente foi retratada na tela, surge em filmes como “A queda” e, em detalhes, em “Zona de interesse”.

Cena do filme "Zona de interesse" — Foto: Reprodução
Cena do filme "Zona de interesse" — Foto: Reprodução

Jonathan Glazer, o diretor, é um gênio do videoclipe com uma filmografia pequena — apenas quatro longas. Ele disse que já se dedicava ao tema há tempos: “Sou judeu e cresci em uma família praticante”. Em conversa com o El País em setembro, durante o Festival de San Sebástian, o cineasta afirmou ter se impressionado a ver imagens do vandalismo da Noite dos Cristais na infância: “Pessoas parecidas com o meu pai, meus tios, comigo mesmo, aparecem recolhendo os cacos das vitrines estilhaçadas. Eu era criança e não entendia o que era aquilo, mas me dava uma sensação perturbadora. Por que as pessoas andando na rua não fazia nada, não ajudavam? Por que tanta passividade?”. Glazer então procurou “um ângulo para encarar esses acontecimentos históricos, uma abordagem ainda não vista na tela”. Em 2014, topou com uma resenha do romance de Martin Amis e pediu para comprar os direitos antes mesmo de ler o livro. “Ele teve a coragem contar essa história”, disse. “Embora o personagem do comandante criado por Amis seja fictício, investiguei pessoas reais e isso me levou a uma longa jornada.” É por isso que no filme os protagonistas mantêm os seus nomes verdadeiros: o comandante de Auschwitz Rudolf Höss e a sua esposa, Hedwig.

Essa complexa indagação também moveu outros artistas, como o dramaturgo espanhol Juan Mayorga, vencedor do Prémio Princesa das Astúrias de Literatura, que refletiu sobre o nazismo em peças como “O cartógrafo” e, sobretudo, “Himmelweg”. “Quando um criador se depara com personagens como esses, uma questão que deve ser colocada é como compreendê-los, mas até certo ponto, sem justificá-los ou legitimá-los. Cuidado! Não se trata apenas de uma questão estética, mas também política e moral, de respeito à memória das vítimas”, explica Mayorga. “A tragédia deste último século não deve se diluir no contexto social ou no pensamento daquela época. Se você apresentar os personagens como misteriosos e insondáveis, o espectador não se reconhecerá neles de forma alguma. Se você propor uma investigação, revelará ao público traços, tendências, gestos que eles compartilham com aqueles personagens.”

Glazer encarou a mesma reflexão verbalizada por Mayorga: “Os responsáveis pelo genocídio são seres humanos, não apenas monstros”. “Preciso que o espectador se sinta, ainda que inconscientemente, próximo daquela família”, afirma o cineasta. Uma família, os Höss, cujos filhos brincam com os objetos macabros dos fornos crematórios, que têm de fechar as janelas para que o vento não inunde a casa com cinzas. Morando ao lado do campo, eles ouvem o tempo todo o barulho da maquinaria do Holocausto e os gritos dolorosos daqueles que vão morrer. “Sejamos honestos. Ninguém nasce assassino em massa. Aos poucos, a passividade e o desejo de ser aceito o levam a esse destino. Essa escalada ocorre até hoje”, explica o londrino.

Para Alberto Sucasas, professor universitário de filosofia, especialista em tradição judaica e autor do livro “Claude Lanzmann”, “a literatura foi mais longe nesta investigação, em obras como ‘As benevolentes’, de Jonathan Littell, que o cinema”. “Esse processo é muito necessário”, diz ele. Mas por que a relutância? “Por causa de uma certa armadilha moral, que nos faz acreditar que quando temos empatia com a vítima temos que ver o algoz como alguém alheio à condição humana, o que é reconfortante. Assim, evitamos a pergunta perturbadora: se pessoas normais, e não só os sádicos, chegam a tais extremos em condições anormais, do que eu seria capaz?” A mesma questão aparece na série “A tradutora do silêncio” quando um jovem de 20 anos confessa que espancou uma pessoa até a morte com uma pedra e no fim ejaculou. De repente, soltou uma fera desconhecida, tornando-se semelhante aos nazistas, o que o destruiu.

Sucasas destaca que, por causa desse medo, há uma “manifestação de encobrimento”. Ele explica: “Na cultura da memória, o protagonista principal é a testemunha, pois só ele pode nos transmitir, aqui e agora, a notícia do mal perpetrado. Esta situação atinge sua expressão paradigmática nas palavras dos sobreviventes dos campos nazistas. Fascinados pela aura da testemunha-vítima, e para não duvidar de suas palavras, que têm significado excepcional, omitimos um papel essencial, o do algoz, o agente do mal infligido à vítima. Por mais sinistra que sua “antiaura” possa ser, sentimos que ali, no fundo da psique do carrasco, se escondem chaves essenciais para nossa compreensão”. E nessa lama, insiste Mayorga, os artistas têm que se atirar: “Vamos passar pelo fogo. Encaremos o carrasco. Se uma obra te leva a pensar se há algo de fascista em você, estamos bem. Essa obra tem força. Precisamos estudar o carrasco. Transformá-lo em um monstro é uma simplificação que só serve para nos trazer alívio, que nos impede de saber se outro passado era possível”.

Personagens como o hierarca Albert Speer, arquiteto de Hitler e ministro de Armamentos e Munições do regime nazista que criou a imagem do bom nazista arrependido, foi levado ao palco por vários anos pelo ator Pep Munné na peça “Speer”. “Me disseram que era assustador, mas eu não fazia nada para que fosse assim. O que eu fiz foi levar em consideração o modo como ele pensava, como percebeu que os argumentos que justificavam suas ações eram enganosos. Foi assim que Speer conseguiu sobreviver e escrever seus diários”, diz o ator. Munné tinha uma vantagem, porém: “Soubemos a verdade sobre Speer algum tempo depois da sua morte, em 1981, quando as suas mentiras foram expostas. Ele chegou a propor a Hitler a construção da bomba atômica, mas depois ele criou uma outra versão da história”. Levar um personagem assim para palco, garante Munné, só se consegue “acreditando, sendo o mais convincente possível”.

Tanto Sucasas quanto Munné e Mayorga discordam do dogma de Lanzmann, que recusava negociações com o horror absoluto em histórias audiovisuais. Ele atacou “A lista de Schindler”, por exemplo. Só abriu uma exceção para “O filho de Saul”, de László Nemes, porque o filme dispensava qualquer imagem explícita. Embora cumpra o dogma de Lanzmann, mostrando o Holocausto apenas por meio dos sons, sem imagens, Glazer afirma que tal restrição “nos impede de compreender os paralelos com o presente”. “As imagens são a estrutura do inconsciente. Não queria fazer uma peça de museu, a uma distância gratificante do público. Porque é desse jeito que nos esquecemos da incrível capacidade do ser humano de cometer crimes aberrantes, passiva ou ativamente. É muito fácil seguir nessa direção...”

Mais recente Próxima Alec Baldwin é acusado novamente por homicídio culposo após morte de diretora de fotografia em filmagens de 'Rust'
Mais do Globo

Pré-estreia da ópera 'Il Trittico' é destaque das comemorações pelos 115 anos da instituição

Theatro Municipal do Rio abre venda de ingressos para ópera de Puccini; saiba como comprar

O jogo entre o tricolor sulista e o alviverde acontecerá nesta quinta-feira (04), às 19h (de Brasília), a partida terá transmissão do Premiere

Grêmio x Palmeiras: onde assistir ao vivo ao jogo do Campeonato Brasileiro

Casos da doença, que pode ser prevenida com vacina, estão aumentando

A coqueluche do momento

No país que reina no marketing esportivo com ligas de impacto global como a NBA ou a NFL, competição de seleções mais antiga do mundo está passando despercebida

Americanos mostram indiferença à disputa da Copa América no país: 'Estou descobrindo'

Craques brasileiros aproveitaram a folga para irem até o show do cantor em São Paulo

Mumuzinho reúne Thiago Silva e Coutinho em gravação de DVD em São Paulo; fotos

Modelo Aline Ferreira morreu na terça-feira; dona de clínica foi presa pela Polícia Civil de Goiás

Após influencer morrer por aplicação de PMMA, Sociedade Brasileira de Dermatologia alerta para risco de substância

São três novos produtos ao cardápio por tempo limitado; as caixinhas do McLanche Feliz terão uma das 12 miniaturas da campanha

'Meu malvado favorito 4' traz novidades  para o cardápio do Méqui e no McLanche Feliz

Casamento foi celebrado na Irlanda em 1999; casal está junto desde 1997

David e Victoria Beckham celebram 25 anos de casamento e recriam looks roxos icônicos usados no casório; veja fotos

Ferramenta do GLOBO permite checar os remédios que serão beneficiados

Que medicamentos ficarão isentos na Reforma Tributária? Quais terão imposto reduzido? Consulte lista completa

Plano é remar durante três semanas a bordo de um barco de oito metros com a bandeira dos Emirados Árabes Unidos, sem velas nem motor

Trio rema mais de mil quilômetros até o Ártico para conscientizar sobre o perigo do plástico nos oceanos