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‘Jogador Nº 1’ transporta Spielberg para sua década de ouro

Adaptação de best-seller passado em 2045, filme que estreia quinta (29/3) é repleto de referências à cultura pop dos anos 1980
Wade (Tye Sheridan) joga Oasis, plataforma onde todos são iguais Foto: Divulgação
Wade (Tye Sheridan) joga Oasis, plataforma onde todos são iguais Foto: Divulgação

LOS ANGELES - Os bons tempos voltaram. Pelo menos para Steven Spielberg. Um dos principais responsáveis pela transformação da indústria cultural americana, com seu olhar sofisticado para o entretenimento com viés assumidamente adolescente, é dele a direção de “Jogador Nº 1”, adaptação do best-seller de Ernest Cline, lançado no Brasil em 2012 pela Leya, e a partir de quinta-feira nos cinemas. Repleto de referências ao período de explosão da cultura pop, do fim da década de 1970 à primeira metade da de 1990, o filme aposta na nostalgia para conquistar espectadores mais maduros enquanto mira nos mais novos com a criação de um universo virtual quase tão impressionante quanto o de “Avatar” (2009).

— Cheguei à conclusão de que este foi o terceiro filme mais difícil que fiz na vida, depois de “Tubarão”(1975) e “O resgate do soldado Ryan” (1998) — diz Spielberg. — Primeiro tivemos de criar um universo real, com atores reais, cenários reais, figurinos reais. Depois, o virtual com os mesmos atores interpretando personagens de uma plataforma digital imaginária. Esta, por sua vez, viajava, sem a nossa lógica dimensional, por mundos diversos. Eu tinha de estar em todos estes mundos, você não tem ideia da trabalheira. Aliás, só James Cameron (“Avatar”) e Peter Jackson (“O senhor dos anéis”) têm, né? Tirei minha carteirinha deste clube agora!

“Jogador Nº 1” se passa nos idos de 2045, na América Profunda. Há grande desigualdade social, e comunidades verticais são erguidas com sucata eletrônica. Mas o paraíso parece estar ao lado, no jogo de realidade virtual Oasis, criado pelo gênio da computação James Halliday (ou Anorak, seu avatar), vivido por Mark Rylance (“meu alter ego”, diz Spielberg). Lá, todos são iguais. O Oasis é livre de propaganda, e o dinheiro é de mentirinha. Mas o que era escapismo inocente está prestes a ser transformado radicalmente por uma corporação interessada em monetizar a criatividade dos cidadãos. “Redes sociais e afins, estamos de olho em vocês”, parecem dizer os produtores do filme, que tem orçamento estimado em US$ 200 milhões. E, como ironia pouca é bobagem, será distribuído por um dos maiores conglomerados de mídia dos EUA.

— Penso nos meus filhos e no que eles terão acesso no futuro. É inevitável, o progresso nasce sempre da imaginação. A parte mais positiva da tecnologia hoje é o estímulo que oferece às crianças para elas inventarem o impossível. Mas também precisamos refletir sobre o outro lado, o de que universos digitais saem da cabeça de seres humanos reais, com suas idiossincrasias e imperfeições — diz o diretor.

“Tenho horror a autocelebração. Vi o primeiro esboço do roteiro e saí cortando tudo que tivesse dedo meu na história”

Steven Spielberg
Cineasta

No filme, cabe a um grupo de cinco improváveis heróis vividos por Tye Sheridan (Wade, ou seu avatar Parzival), Olivia Cooke (Samantha/Art3mis, por quem Wade se apaixona), Lena Waithe (Helen/Aech), Philip Zhao (Sho/Akihide) e Win Morisaki (Daito/Toshiro), provar que a fantasia pode sim ser um meio transformador da realidade. Todos exportam suas personalidades, mas não suas características físicas, para seus avatares no mundo virtual. Aparência física, gênero e etnias se misturam em mais um comentário social do diretor. A batalha dos jovens idealistas para manter a liberdade no Oasis contra os vilões corporativos, comandados pelo executivo Sorrento (Ben Mendelsohn), se dá tanto no mundo “real” quanto no jogo.

Cena inspirada em “Embalos de sábado à noite” reúne os avatares de Samantha e Wade Foto: Divulgação
Cena inspirada em “Embalos de sábado à noite” reúne os avatares de Samantha e Wade Foto: Divulgação

Em “Jogador Nº 1”, a população é formada por gamers e o título é uma referência ao desafio criado por Halliday antes de seu desaparecimento . Quem vencer três provas distintas herdará suas ações e passará a ser o novo responsável pelo Oasis. As idas e vindas entre os mundos virtuais em busca de pistas para a vitória no jogo impressionam, especialmente a que transporta a audiência para dentro de “O iluminado” (1980), de Stanley Kubrick (1928-1999).

“Horror à autocelebração”

Centenas de outras referências aparecem, de Speed Racer a Akira, passando por Batman e “Embalos de sábado à noite”, em meio a uma trilha sonora de fazer sorrir os fãs de Prince, Van Halen e Cindy Lauper. E personagens da Warner batem ponto majoritariamente em um filme que não faz citações às criaturas da rival Marvel-Disney. Também são escassas referências a filmes dirigidos por Spielberg.

Delorean dá as caras no filme: referência a 'De volta para o futuro' Foto: Divulgação
Delorean dá as caras no filme: referência a 'De volta para o futuro' Foto: Divulgação

— Tenho horror a autocelebração. Vi o primeiro esboço do roteiro e saí cortando tudo que tivesse dedo meu na história. Só não consegui tirar a parte de “De volta para o futuro”, pois funcionava bem demais — conta Spielberg, produtor-executivo da franquia, referindo-se à cena em que Parzival pilota o inesquecível DeLorean.

Na primeira apresentação pública de “Jogador Nº 1”, no início do mês, o diretor afirmou que havia feito não um “ film ” e sim um “ movie ”, brincadeira com as palavras em inglês a fim de intensificar o aspecto visceral do longa, que passa longe de algumas de suas produções “adultas” recentes, como “The post — a guerra secreta” (2017), que disputou o Oscar, “Ponte dos espiões” (2015) e “Lincoln” (2012).

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— Com o filme, o círculo se completa. A nostalgia do futuro que me guiou ganhou sua imagem definitiva. Não haveria livro sem Spielberg — diz Cline, que assina, com Zac Penn, o roteiro do filme. — “Jogador Nº 1” é filho direto de “E.T. — O extraterrestre” (1982), que ele dirigiu, “Os goonies” (1985), cujo argumento é dele, e “De volta para o futuro” (1985), por ele produzido.

* Eduardo Graça viajou a convite da Warner Bros