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Cultura

Caetano na quarentena: pijama, paçoca, neto, disco em construção e nova live

Na internet, o artista que faz neste sábado seu show de Natal, oferece vislumbres da rotina de confinado em transmissões da companheira Paula Lavigne
O cantor Caetano Veloso com o neto, Benjamin Foto: Reprodução da internet
O cantor Caetano Veloso com o neto, Benjamin Foto: Reprodução da internet

Quem é Caetano Veloso por trás do mito? Como vive? Do que se alimenta? Nunca antes na história desse país o público pôde chegar tão perto de um dos maiores e mais queridos ídolos da música brasileira quanto nesta quarentena. Durante esses intermináveis nove meses de pandemia, as portas da intimidade do cantor e compositor de 78 anos foram escancaradas nas redes sociais numa espécie de reality show transmitido pela produtora Paula Lavigne, companheira do músico há mais de 30 anos (contando com uma separação que durou dez).

A movimentação aumentou nas últimas semanas por causa da live de Natal que ele faz este sábado, às 21h , e para o qual Paula convocou amigos, familiares de Caetano e o público em geral a fazer pedidos de músicas nas redes sociais do artista. A transmissão é pelo YouTube dele, além dos canais Like e Cliente Claro.

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Por meio de um olhar amoroso, bem-humorado e por vezes invasivo da câmera de seu celular, Paula revelou um Caetano desconstruído, vivendo o dia a dia de um isolamento privilegiado em sua casa na Avenida Niemeyer, debruçada sobre o mar de São Conrado. A intimidade começava pelo figurino. Quase sempre, um pijamão de corte clássico, com estampas que iam do xadrez ao listrado, passando pelos lisos em tons de branco, azul ou cinza.

Paula Lavigne e Caetano: quarentena passada a limpo nas redes sociais Foto: Reprodução / O GLOBO
Paula Lavigne e Caetano: quarentena passada a limpo nas redes sociais Foto: Reprodução / O GLOBO

Todos parte de um guarda-roupa recheado com mais de dez conjuntos, comprados por ele e por Paula em viagens, pela internet ou pelo figurinista Felipe Veloso, amigo do casal. Caetano adora a roupa de dormir, mas o apego também não é tão grande assim. Outro dia, ele mandou um de seus preferidos, o vermelho xadrez, de presente para o filho do diretor Guel Arraes, que tinha amado o modelito.

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Mas a novelinha particular de Caetano e Paula não começou por causa de uma peça de roupa. Foi motivada por uma paixão gastronômica do compositor: a paçoca (diet). Paula achou engraçada a fixação dele pelo doce de amendoim e passou a registrar toda vez que “papito”, como ela o chama, abria um pacotinho. Era paçoca na cama do casal, no sofá amarelo da sala, na poltrona de leitura. Os flagras de um Caetano que parecia estar sendo pego numa travessura lhe renderam o apelido de “Seu Paçoca”.

Uma vida mais saudável

Os capítulos dedicados à kombucha, que fez o cantor abandonar o vício em Coca-Cola que mantinha há décadas, também renderam — não só caixas e caixas da bebida fermentada enviadas à casa da família, como discussões hilárias sobre como ela é feita e seus benefícios. Caetano anda levando uma vida mais saudável. Sua comida é sem gordura ou açúcar e inclui verduras cultivadas numa horta orgânica mantida em casa.

O cantor Caetano Veloso, em momento caseiro Foto: Reprodução da internet
O cantor Caetano Veloso, em momento caseiro Foto: Reprodução da internet

Se todas essas cenas divertiram, a pressão de Paula para que ele entrasse na onda das lives chegou a irritar parte do público. “Estão dizendo que estou te enchendo o saco, Caetano. Me defende”, pediu Paula, que, não é boba nem nada e resolveu incorporar a “treta’’ em seus vídeos.

— Diziam: “ah, mas o Caetano estava com uma cara...” Claro que é tudo pensado e combinado, gente. Eu recebia um milhão de pedidos de live, não era uma coisa minha. Os fãs me marcavam e comecei a gravar os vídeos mostrando que estava na missão — conta Paula, que resolveu registrar cenas caseiras tanto para movimentar as redes sociais do artista, quanto para espantar o tédio familiar no isolamento. — As pessoas gostam de ver a vida das outras nas redes, e a gente também tem que se divertir, né?

Live, a lenda

A saga, batizada de #livealenda, durou quatro meses e culminou com a apresentação do compositor em agosto, ao lado dos filhos, Moreno, Zeca e Tom . Esse último, aliás, foi morar com os pais no início da pandemia. O apartamento do caçula de Paula e Caetano estava em obras, e ele se mudou para lá com a namorada, Jasmine, então grávida de Benjamin. O bebê, hoje com sete meses, nasceu na casa dos avós. Como já estava todo mundo junto e misturado, Paula e Caetano puderam curtir o neném em segurança. Mas a família faz testes de Covid-19 toda a semana, conta Paula (“Tom é o mais paranoico de todos”).

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Caetano ficou tão inspirado pela convivência com Benjamin que compôs “Auto acalanto” para o neto, com quem passeia de carrinho pelo condomínio para fazê-lo dormir. “Quanto beijo você tá jogando aí, hein, coisinho meu? Você é o máximo, é o melhor que existe”, diz o compositor, num vídeo fofo no Instagram.

— O Benjamin foi um presente. A gente deu uma sorte danada com essa obra aí. Eu ficava fazendo coisas para que não terminasse nunca, torcendo para cair uma parede — brinca Paula. — Estou amando ser avó. Caetano fica horas com ele, canta... Sabia que o Benjamin mesmo canta para se ninar?

O cantor Caetano Veloso Foto: Reprodução da internet
O cantor Caetano Veloso Foto: Reprodução da internet

Durante esse tempão de quarentena, também foi possível espiar Caetano cantando e tocando violão (com as unhas muitas vezes lixadas por Paula), se divertindo nas redes com as paródias de suas músicas feitas pela dupla Renata Maciel e Livia La Gatto, e chorando de rir com as imitações de Marcelo Adnet. Tudo visto pelo telefone de Paula, já que ele mesmo não tem celular.

No entanto, o que o compositor mais fez quando as câmeras estavam desligadas foi ler. Desde os textos do filósofo italiano e teórico marxista Domenico Losurdo ao novo livro de Ciro Gomes, "Projeto nacional: O dever da esperança". Também passaram pela biblioteca do artista um estudo de Heidegger sobre Nietzsche, os livros "O inominável atual", de Roberto Calasso, "Guitarras atlânticas", de Carlos Galilea, e "Língua portuguesa e a realidade brasileira", de Celso Cunha.

O que quer, o que pode essa língua?

Português é um assunto que move Caetano. Tanto que, em outro momento dessa quarentena, Paula o apelidou de “Professor Veloso” por causa de seus questionamentos sobre a nossa língua. Devidamente registrados por ela, claro. Num dos mais divertidos, ele protesta: “Acham que palavras relacionadas ao sexo não merecem respeito. No fundo, isso é um moralismo. Sexo, para mim, merece mais respeito que as outras coisas desse mundo.” A resistência do cantor em fazer exercício físico também marcou o período e provocou gargalhadas diante de sua argumentação: “É um problema intelectual, minha cabeça fica cansada”.

O reality show dos Veloso deve continuar enquanto durar a pandemia, mas quando acabar... Caetano já tem cerca de seis músicas inéditas para um novo disco, que deseja gravar só quando puder reunir vários músicos. Quatro canções foram compostas antes da crise sanitária, duas delas, durante. Mas a pergunta que não quer calar é: qual é o lugar do compositor na fila da vacina?

— Um dos primeiros, né? 78 anos, pelo amor de Deus — suplica Paula.