Ana Paula Lisboa
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Ana Paula Lisboa 

Escritora, jornalista e apresentadora.

Informações da coluna

Ana Paula Lisboa 

Por — Luanda

Uma infiltração era tudo que me faltava, ou era só o que me faltava, a verdadeira gota d’água, o castigo final sobre a pedra que joguei na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Pensando bem, nem faz sentido ser castigada por algo feito numa vida passada sendo que não acredito em reencarnação. Enfim, deve ser algum karma desta vida mesmo.

Porque olha, dentro dos problemas das últimas semanas, eu até que estou suportando bem o fato de estar com o pulso imobilizado, o que me faz ter que narrar a escrita desta coluna e outros textos que preciso finalizar. Mas o.k., eu sei bem o que fiz com meu pulso, aquela coisa de causa e consequência.

Mas a desgraçada de uma infiltração, eu não fiz nada por isso, eu não merecia. Eu cuido bem desta casa que nem é minha, cuidei bem de todas as casas por onde passei — e não foram poucas.

Luanda é uma cidade que te faz pensar muito sobre a água: a que sai da torneira, a que brota do chão, a que cai do céu. Raramente há equilíbrio, há sempre água demais ou água de menos. A água nunca é um pensamento natural, algo que sempre vai estar ali.

E não é uma infiltração leve, uma manchinha no teto. É daquelas mesmo pesadas, com direito a múltiplas goteiras, alagamento e necessidade de mudar tudo no cômodo de lugar.

Em Luanda eu aprendi que é preciso resolver as coisas rapidamente, os problemas, especialmente os relacionados à água, assim que eles aparecem. Se esperamos e achamos que o universo vai resolver, isso pode até te matar.

Mas o que me mata, na verdade, é o acúmulo. Eu queria parar o tempo por apenas 30 dias, que nada novo surgisse, para que eu conseguisse diminuir aquela interminável lista, mas em vez disso... uma infiltração.

Será que estão todos contra mim? Não há um momento de paz no capitalismo, não existe trégua.

Porque assim: já não bastava eu ter que ter uma rotina de exercícios, cozinhar minha própria comida e comer saudável, tomar sol, ter um diário de gratidão sobre o meu momento presente e ao mesmo tempo construir um quadro de intenções para o meu futuro.

Eu ainda preciso ser sincera comigo mesma e com os outros, fazer terapia, ser compreensiva com meu pai e responder às mensagens de WhatsApp dos meus amigos.

Não basta a necessidade de estar atenta às notícias, mas não tanto a ponto de me deprimir. Não basta a função de estudar e ficar fluente em inglês, consolidar minha carreira (risos) sem deixar meus sonhos de viajar e conhecer o mundo.

Eu sei que preciso aprender sobre investimentos a ponto de viver de renda passiva, poupar, mas também saber o valor das compras supérfluas. Eu tenho que aprender a jogar no bicho, dormir oito horas por dia, mas acordar cedo, e não abrir mão de sair e curtir os prazeres da noite. O.k., toda essa vida inatingível eu já estava acostumada, até tudo bem. Mas uma infiltração? Aí já é demais!

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