Brasil

Mulheres lutam contra assédio e obrigação de ter filhos na China

Para se opor às restrições do governo, cresce o número de ONGs feministas no país
Mulheres seguram cartazes contra a desigualdade de gênero e contra o presidente americano Donald Trump, durante uma vigília para marcar o Dia internacional da Mulher Foto: ANTHONY WALLACE / AFP
Mulheres seguram cartazes contra a desigualdade de gênero e contra o presidente americano Donald Trump, durante uma vigília para marcar o Dia internacional da Mulher Foto: ANTHONY WALLACE / AFP

PEQUIM — O Dia Internacional da Mulher já foi feriado na China. Em alguns lugares, elas até têm direito a trabalhar meio-expediente. Mas esta quarta-feira de 2017 é um dia como outro qualquer. Não quer dizer que a data tenha ficado menos importante. Grupos feministas destacam que jovens mulheres estão mais conscientes do que nunca dos seus direitos e que isso já é motivo para

comemoração. Mas reconhecem que há uma longa lista de desafios a enfrentar. Um deles terá sido criado pelo próprio governo ao acabar com a política do filho único no ano passado. O que durante quase quatro décadas foi visto como um cerceamento da vontade da mulher de decidir quantos filhos pretendia ter, agora começa a ser tratado como um novo fator de pressão.

— Muitas (mulheres) agoras vão sofrer pressão das famílias para ter um segundo filho. Mas elas querem se dedicar às suas carreiras. Os chefes vão encará-las com desconfiança, com medo de que saiam em licença-maternidade. Haverá uma nova forma de discriminação no trabalho — diz a feminista Xiaotie, que é diretora do Centro LGBT de Pequim e co-fundadora do Festival de Cinema das Mulheres da China.

O grupo Feminists Forum publicou na sua página no Weibo (uma espécie de Facebook chinês) um texto em que garante que a velha política restritiva liberou as mulheres para terem suas próprias vidas e acabou promovendo a emancipação das chinesas. Elas defendem que a mudança na lei foi um retrocesso para as mulheres. “A vigorosa campanha para que os mulheres voltem para casa para ter filhos vai contra a imagem das chinesas emancipadas”, afirma o grupo.

A mesma política fez disparar a população masculina chinesa. Com direito a ter um único filho, muitos casais deram preferência ao nascimento de meninos, que seriam os esteios da família. De acordo com as últimas estatísticas, eram 704 milhões de homens em 2015 para 670 milhões de mulheres. A enorme diferença só reforça a pressão esperada sobre o público feminino. Está mais difícil para os homens se casar, e, quem conseguir, vai querer ter filhos.

25% DAS CHINESAS SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Este mês, a nova lei de combate à violência doméstica na China completa o seu primeiro ano de vida. E é motivo de comemoração, embora as próprias autoridades admitam que ainda é preciso tornar a legislação mais conhecida, sobretudo nas áreas rurais do país. Na China, cerca de 25% das mulheres teriam sofrido algum tipo de agressão. O dado é da Federação das Mulheres de Toda a China. A nova lei foi aprovada pela Assembleia Nacional Popular chinesa, órgão legislativo máximo, em dezembro de 2015, e entrou em vigor em março passado. Agora, é considerado como violência doméstica "dano físico, psicológico ou de outro tipo", com manifestações de abuso o mau-trato físico e psicológico. Este era um assunto considerado tabu. A violência doméstica era tida como assunto "privado" ou "familiar", e não um crime. Ou seja, ninguém interferia. Ainda hoje a cultura é muito assim.

Foi uma vitória importante para os grupos de defesa dos direitos da mulher, que desde os anos 1990 lutavam pela criminalização da violência doméstica. Não há, contudo, menção à violência entre casais do mesmo sexo.

Li, de 22 anos, é de Suzhou, uma cidade próxima de Xangai. Ao GLOBO, ela contou ter tentado registrar ocorrência cinco vezes na polícia após apanhar do marido, mas não teria sido levada a sério. Pelo contrário, depois de tantas visitas, o oficial disse que entraria com queixa contra ela, alegando que tinha problemas mentais. Ele ainda a teria agredido. Hoje, ela está separada, mas perdeu a guarda do filho.

— Isso acontece mais do que se imagina — diz ela.

A garantia de que as crianças ficam com a mãe só é dada até os 2 anos de idade. Muitas vezes, os juízes entendem que os pais têm como prover melhor e são os chefes da família. Existem ONGs só para ajudar essas mães. Diante do drama de recuperar o filho, esta jovem faz parte de uma delas, a Fita Roxa.

FEMINISMO É ESTIGMATIZADO

Cresceu o número de ONGs pela China. E o ativismo entrou na moda. No entanto, ele acaba esbarrando em restrições impostas pelo governo. A conta do grupo Feminist Voices foi bloqueada pelo prazo de 30 dias pelas autoridades. Tudo indica que a ação tem a ver com um artigo postado pela organização tratando da “greve de mulheres” que estava sendo planejada nos Estados Unidos para esta quarta-feira.

— Isso é uma pequena prova dos desafios que temos pela frente para fazermos a nossa voz ser mais ouvida — destaca Xiaotie, que acredita que o feminismo ainda é muito estigmatizado na China.

Mas a ativista está otimista. Segundo ela, houve avanços importantes no país. Acabou, por exemplo, a necessidade de as mulheres precisarem tirar notas mais altas em algumas matérias, se quisessem fazer determinados tipos de mestrado considerados mais masculinos. Isso era regra cinco anos atrás.

— A mídia começou a escrever sobre a discriminação, as mulheres estão mais conscientes. E isso é motivo para comemorar. Mas ainda há muito a ser feito.

Outra questão que já está na agenda das feministas e que começa a movimentar as redes sociais chinesas é a discussão sobre a nova idade mínima para que as mulheres se casem. O limite legal hoje é de 21 anos, mas a ideia é baixá-lo para 18 anos. O Feminisum já afirmou que vai defender um aumento para 22 anos. O grupo alega que isso pode evitar que as mulheres se casem e tenham filhos antes de terminar a universidade. Defender a redução, de acordo com o Feminisum, é estimular o número de casos de casamentos arranjados e baixar a escolaridade das mulheres.

RÚSSIA MANTÉM FERIADO, MAS DÁ PASSO PARA TRÁS

Na Rússia, ainda é feriado, por decisão de Vladimir Lenin, em 1917. A polícia de trânsito distribuiu flores na terça-feira, véspera do Dia Internacional. Mas a Rússia deu um passo para trás este ano no que se refere aos direitos das mulheres. Aprovou a polêmica “lei da bofetada”, como ficou conhecida. A legislação prevê que, em casos em que não há sérios danos físicos, a agressão será classificada, nas primeiras instâncias, como uma infração civil, e não criminal.