Segredos do crime
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Segredos do crime

Histórias policiais, investigações e bastidores dos crimes

Informações da coluna

Vera Araújo

Jornalista investigativa há 30 anos e autora de "Mataram Marielle" e "O Plano Flordelis: Bíblia, Filhos e Sangue". Passou por "Jornal do Brasil" e "O Dia"

A angolana Maravilha Manuel Sebastião trocou seu país de origem pelo Brasil há três anos. Ao fugir da casa de um tio abusador, com quem passou a morar após a morte da mãe e a fuga do pai, por motivos políticos, ela também deixou para trás dois irmãos mais novos. Maravilha chegou ao Rio na clandestinidade e conseguiu refúgio por aqui, mas nunca desistiu de voltar a reunir a família. Na tarde da última segunda-feira, ela realizou seu sonho: trouxe os irmãos para passarem três meses com ela na casa de uma família acolhedora, onde mora há cerca de dois anos.

A história de Maravilha, refugiada angolana que se apaixonou pelo Rio, foi contada pelo GLOBO em outubro do ano passado. Nela, a jovem contou sobre suas desventuras na terra natal. Na chegada ao Brasil, acrescentou alguns percalços à biografia: morou em um quartinho na favela, testemunhou o fogo cruzado entre policiais e bandidos, escapou de outra tentativa de abuso sexual e, por pouco, não se tornou vítima de uma quadrilha internacional de tráfico de mulheres. A Vara da Infância e Adolescência de Madureira e a Comissão de Adoção do Direito do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) resgataram Maravilha das ruas cariocas.

Reencontro com emoção

Adilson Manuel Sebastião, de 16 anos, e Dinis Salomão Manuel Sebastião, de 13, cresceram: foi o que Maravilha constatou ao recebê-los no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, às 3h30 da segunda-feira passada, vindos, de Luanda, a capital de Angola. Coube à irmã mais velha, hoje com 18 anos, trazê-los de ônibus para o Rio. Os R$ 17.358,00 arrecadados em sete horas de vaquinha no dia 1º de março foram usados para pagar as passagens aéreas de ambos, de ida e volta.

— Sou grata a todos que colaboraram com a vaquinha para trazê-los de Angola. Eles vão passar um tempo comigo. Vamos relembrar quando dormíamos juntos no mesmo quarto, comíamos juntos na sala. Estava com muita saudade deles, das piadas do Adilson, de dormir de conchinha com Dinis, que sempre foi o meu bebezão. Eles estão como visitantes. Mesmo sendo por pouco tempo, é uma grande alegria, e, ao mesmo tempo, uma vitória que estejam aqui — festeja Maravilha, cujo quarto é repleto de bichos de pelúcia — Eu deixo alguns na minha cama, só para imaginar que Dinis está comigo.

Maravilha recebe os irmãos Adilson e Dinis, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo — Foto: Álbum de família
Maravilha recebe os irmãos Adilson e Dinis, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo — Foto: Álbum de família

Espontânea, com seus cabelos de tranças coloridas, Maravilha deu um berro ao rever os irmãos passando pelo portão de desembarque internacional:

— Fiquei em choque. Reconheci de longe. Fiz um escândalo no aeroporto. Só depois percebi que Adilson estava enorme. Ele está mais alto do que meu pai. Deve ter uns dois metros de altura. E o Dinis, meu bebê, está do meu tamanho. Não tem como descrever essa felicidade! Parece que não acordei de um sonho, mas é real — descreve a jovem.

No trajeto de ônibus de São Paulo para o Rio, Maravilha conta que uma coisa chamou a atenção dos irmãos:

— Eles repararam nos morros, quando o ônibus chegou ao Rio. Aí eu disse para eles: "vocês vão ver um morro bem maior em frente da nossa casa" — conta ela, ressaltando que não há morros em Luanda.

De olho no futuro

Maravilha já faz planos. A lista de programas inclui a Praia de Copacabana, o Parque de Madureira e a Biblioteca Pública estadual, no Centro. Uma ida ao cinema está na agenda: segundo ela, eles nunca foram a uma sessão.

Maravilha, os irmãos Dinis Salomão (de jaqueta) e Adilson, e a amiga Raquel, numa lanchonete em São Paulo — Foto: Maravilha Manuel
Maravilha, os irmãos Dinis Salomão (de jaqueta) e Adilson, e a amiga Raquel, numa lanchonete em São Paulo — Foto: Maravilha Manuel

Exaustos, os dois, que desembarcaram com vistos de visitantes, foram dormir cedo no dia em que chegaram, mas a família acolhedora preparou um jantar bem brasileiro: churrasco, farofa e maionese. No fim do ano passado, Maravilha acabou o Ensino Médio. Atualmente, estuda para entrar numa universidade pública. Ela quer cursar Engenharia Civil.

— A gente tem que correr atrás dos nossos sonhos. Se uma porta não abrir, tem que bater, tem que chutar, tem que dar a volta, mas uma hora ela abre. Caí dezenas de vezes até chegar ao Brasil, um sonho que só conhecia pelas novelas que assistia em Luanda. Houve um momento em que a minha vida estava de cabeça para baixo. Com esforço estou aqui, me levantei. O próximo sonho é entrar na faculdade, ter minha casa própria, dar vida digna para eles. Quem sabe, não junto meus irmãos e meu pai aqui no Brasil? Só falta meu pai. Eu não desisto! — garante.

No fim da vaquinha, uma mensagem comoveu a jovem:

— Um de meus professores do Ensino Médio me mandou a mensagem: “O Brasil teve a melhor pessoa de Angola. Nós brasileiros te adotamos, Maravilha”.

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