Segredos do crime
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Segredos do crime

Histórias policiais, investigações e bastidores dos crimes

Informações da coluna

Vera Araújo

Jornalista investigativa há 30 anos e autora de "Mataram Marielle" e "O Plano Flordelis: Bíblia, Filhos e Sangue". Passou por "Jornal do Brasil" e "O Dia"

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques autorizou a retirada da tornozeleira eletrônica do bicheiro Rogério Costa de Andrade e Silva. Apesar de a ordem ter sido concedida na terça-feira, a notícia só veio à tona nesta quinta-feira. O processo se encontra em segredo de justiça, mas a notícia vazou para a imprensa. Não é a primeira vez que o ministro Nunes Marques favorece Rogério de Andrade em suas decisões. Foram quatro no total desde 2021. O contraventor responderá aos processos por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção ativa na primeira instância, totalmente em liberdade.

O bicheiro usava o dispositivo eletrônico desde dezembro de 2021, quando outro ministro, desta vez do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Jorge Mussi, revogou a prisão preventiva do contraventor e impôs a medida cautelar. Mussi decidiu soltar Rogério de Andrade, que estava preso desde agosto daquele ano, numa de suas últimas sessões na Corte. O ministro deixou o cargo em 10 de janeiro de 2023, aos 70 anos, quando a aposentadoria compulsória ocorre aos 75. Ele pediu a antecipação de sua saída do STJ.

Decisões favoráveis

A primeira decisão de Nunes Marques que beneficiou Rogério de Andrade foi em setembro de 2021. O ministro do STF suspendeu um mandado de prisão contra o bicheiro pela suspeita de ser o mandante da execução do também contraventor Fernando Iggnácio, numa emboscada, em novembro de 2020. A investigação foi da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) da Polícia Civil. Embora, à época, o chefe da segurança de Rogério, o sargento reformado da PM Márcio Araújo de Souza, tenha ficado na cadeia pelo mesmo crime. Três meses depois, Nunes Marques decidiu pelo trancamento da ação penal contra Rogério de Andrade, favorecendo-o pela segunda vez.

A terceira decisão que o beneficiou ocorreu em agosto de 2022. O ministro do STF suspendeu novo mandado de prisão contra Rogério de Andrade, por organização criminosa e corrupção ativa. Nunes Marques também revogou as prisões do filho do contraventor, Gustavo de Andrade, e do chefe da segurança, Márcio Araújo, em junho e outubro de 2023, respectivamente.

O sargento estava preso desde fevereiro de 2021. Araújo foi apontado como o responsável pela contratação de quatro pistoleiros que executaram Fernando Iggnácio, genro do contraventor Castor de Andrade, que morreu em decorrência de um infarto em 1997. Iggnácio e Rogério de Andrade, sobrinho de Castor, eram rivais.

Bicheiro solicitou, no final do ano passado, o direito a circular sem monitoramento — Foto: Fotos de Marcos de Paula e Carlos Moura
Bicheiro solicitou, no final do ano passado, o direito a circular sem monitoramento — Foto: Fotos de Marcos de Paula e Carlos Moura

Operação Calígula

Uma ação deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ), em maio de 2022, batizada de Operação Calígula, mirou Rogério de Andrade, o filho Gustavo, Araújo e outros integrantes da suposta organização criminosa do bicheiro. Havia mandados de prisão inclusive contra dois delegados, Marcos Cipriano e Adriana Belém, além do ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado dos homicídios da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

As investigações, segundo os promotores, começaram a partir da extração de dados do celular de Lessa. Segundo a denúncia, o contraventor comandava uma organização criminosa que explora jogos de azar como jogo do bicho, máquinas de caça-níqueis, bingos e cassinos na Zona Oeste, com o pagamento de propina para policiais.

Rogério de Andrade e o filho Gustavo fugiram e, no dia 1º de agosto de 2022, o bicheiro conseguiu a suspensão de seu mandado de prisão, por ordem do ministro Nunes Marques. No entanto, ele não ficou totalmente livre por muito tempo. Quatro dias depois, ou seja, em 4 de agosto daquele ano, na tentativa de prender Gustavo, que continuava até então foragido, policiais federais e promotores do Gaeco foram numa casa de Rogério de Andrade, em Petrópolis, na Região Serrana, e apreenderam documentos que demonstravam o pagamento de propina a delegacias especializadas do Rio.

Rogério de Andrade e Márcio Araújo de Souza foram denunciados na Operação Calígula — Foto: Reprodução
Rogério de Andrade e Márcio Araújo de Souza foram denunciados na Operação Calígula — Foto: Reprodução

Por decisão do então juiz da 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa do Tribunal de Justiça do Rio, Bruno Rulière, um novo mandado de prisão foi expedido contra Rogério de Andrade, porque o magistrado entendeu que havia a comprovação de que o bicheiro continuava comandando sua organização criminosa. Pai e filho foram presos.

Mas, com as demais decisões do STJ e do STF, como a desta terça-feira, a quarta ordem expedida por Nunes Marques, que determinou a liberação do uso de tornozeleira e a dispensa do recolhimento noturno das 20h até 6h, Rogério de Andrade fica totalmente livre. A decisão do ministro, no entanto, não foi submetida ao crivo da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Bicheiro Rogério de Andrade chega com a mulher sob escolta de PMs para malhar

Bicheiro Rogério de Andrade chega com a mulher sob escolta de PMs para malhar

Nos bastidores, desde o fim do ano passado, já havia a notícia sobre a possibilidade de o ministro Nunes Marques decidir favoravelmente pela retirada do dispositivo, desde que o pedido tinha sido negado pelo STJ. Com a aproximação do desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel, escola da qual é patrono, em fevereiro, essa possibilidade surgia ainda com mais força. A decisão não saiu e o bicheiro perdeu a oportunidade de ver a mulher, Fabíola Andrade, debutar como rainha de bateria da verde e branco, na Marquês de Sapucaí.

O advogado de Rogério de Andrade, André Callegari, justificou a decisão do ministro, ressaltando que as medidas cautelares já se estendiam há muito tempo, no caso, há um ano e quatro meses. A defesa ponderou ainda que o bicheiro cumpriu todas as ordens determinadas pela Justiça, inclusive em relação ao uso do equipamento eletrônica. Segundo o advogado, as investigações contra Rogério de Andrade já estão em fase final.

No último dia 20, outra operação causou um baque na estrutura de Rogério de Andrade. A Operação Pretorianos, desencadeada pelo Gaeco e a Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MPRJ, tinha como alvos 18 policiais militares, um PM inativo e um policial penal, acusados de fazerem parte da segurança armada do bicheiro. O contraventor não está citado nessa operação.

Além dos 20 mandados de prisão pelo crime de organização criminosa, a Justiça expediu mais de 50 mandados de busca e apreensão nas casas dos alvos e em outros endereços ligados ao grupo. A Corregedoria da PM também apoiou a operação. Segundo a Secretaria de Estado de Polícia Militar, 18 PMs da ativa continuam presos.

No fim da tarde desta quinta-feira, Rogério de Andrade foi à Central de Monitoramento da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) retirar a tornozeleira, acompanhado de um advogado.

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