Míriam Leitão
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Míriam Leitão

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O governo tentou muito atrapalhar sua própria notícia boa. Era dia de o presidente Lula ir ao Rio Grande do Sul com seus ministros, comandantes militares, presidente do STF e vice-presidente do TCU anunciar medidas para socorrer a população, mas na maior parte dele, o que ocupou o noticiário foi a troca na presidência da Petrobras. Na cerimônia na Unisinos, em São Leopoldo, houve momentos em que ministros deixavam autoridades locais à deriva. Parecia intervenção e não ajuda. Coube ao ministro Luís Roberto Barroso lembrar que ali se estava elevando o “patamar civilizatório da não politização de uma crise humanitária”.

A implementação de toda esta ajuda terá que ser feita sem montar palanque para as próximas eleições. A escolha do ministro Paulo Pimenta, gaúcho, político e com ambições locais pode acabar gerando atritos e desconfiança. O governador Eduardo Leite lembrou, quando falou, que “não haverá diferenças políticas e ideológicas entre nós que nos impeça de trabalhar”. E mais adiante disse que “o governo federal passa recursos para o acolhimento humanitário e nós estamos somando esforços do governo do estado”.

Não há dúvida de que a presença constante, desde o primeiro momento, do governo federal nesta crise do Rio Grande do Sul marca uma enorme diferença de atitude diante da tragédia em relação ao governo anterior. Mas é preciso manter o protocolo do respeito às autoridades locais. A palavra “apoio” foi dita, mas faltou deixar bem mais presente a palavra “cooperação”.

Essa terceira viagem do presidente Lula ao Rio Grande do Sul foi preparada com medidas concretas, como o Auxílio Reconstrução, mas, na maior parte do dia de ontem, a economia esteve de olho nas ações da Petrobras após a demissão de Jean Paul Prates. No fim do dia, a empresa perdeu R$ 35 bilhões de valor de mercado. Do ponto de vista da comunicação, área que Paulo Pimenta comandava até ontem, o melhor teria sido deixar para outro dia. A fritura de Prates já vinha acontecendo há muito tempo. Poderia ter esperado um pouco mais.

E qual a natureza dessa mudança na Petrobras? Não é uma escolha entre uma pessoa que defendia o respeito à governança da empresa e outra que obedecerá ao Palácio do Planalto. Parece mais o resultado de brigas intestinas. O próprio Prates mostrou que também acatava as solicitações do governo quando disse que entregou a política de preços que o presidente pediu. Ele deu sorte, porque estava segurando os preços defasados. Só que o petróleo caiu no exterior e ontem cálculos de especialistas do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) apontavam que não havia mais defasagem. O problema é a empresa ficar ao sabor desse tipo de conflito interno. Magda Chambriard será a sexta pessoa a presidir a companhia em seis anos e, nesse ímpeto intervencionista na Petrobras, o atual governo fez o mesmo que o anterior. O primeiro desafio da nova presidente é combater a impressão de que estará lá apenas cumprindo ordens do governo. É uma empresa de capital aberto com acionistas no mundo inteiro, e os minoritários precisam também ser respeitados. O segundo desafio será não repetir erros do passado, de transformar a Petrobras em motor, por exemplo, da indústria naval. Isso já deu muito errado.

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No caso da ajuda ao Rio Grande do Sul, a revoada para o estado foi excelente ideia, e o conjunto de medidas anunciado pelo ministro Rui Costa é sólido. Um auxílio de R$ 5,1 mil para 240 mil famílias, possibilidade de saque do FGTS, antecipação do Bolsa Família e inclusão de mais famílias no programa, antecipação do abono, restituição imediata do imposto de renda, e várias medidas imobiliárias.

O problema foi que, em determinado momento, o presidente Lula politizou o discurso trincando a ideia de um pacto sobre essas diferenças em torno da solidariedade a atingidos pela tragédia. O presidente falou que chamara outros poderes porque o ato tinha que ser uma orquestra. Em vários momentos a cerimônia esteve no tom correto, em outros, desafinou.

Esta crise é de longo prazo. Haverá tempo para afinar melhor os instrumentos. Como disse o ministro Barroso “a natureza tragicamente escolheu aqui para dar esse imenso sinal de alerta de que a mudança climática não é mais um problema abstrato, é um problema real e que nós precisamos enfrentá-la com medidas efetivas, concretas e corajosas”.

(Com Ana Carolina Diniz)

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