Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por Marcelo Ninio — Pequim

Um dia após o outro, os favoritos na disputa presidencial citaram a China negativamente, cada um à sua maneira. Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro voltou a desdenhar da importância do maior parceiro comercial do Brasil com a bravata de que “sem nós, eles passam fome”. No dia seguinte, o ex-presidente Lula advertiu para o impacto chinês na desindustrialização do Brasil, afirmando com ar dramático que a China “está ocupando o Brasil”.

Se Bolsonaro foi mais do mesmo, a fala de Lula causou confusão e surpresa a quem segue as relações bilaterais. Confusão porque os dados citados embaralham números globais e domésticos. O que surpreendeu foi o tom alarmista. Pode-se argumentar que o intuito do petista tenha sido diferente, mas a mensagem se assemelha à de Bolsonaro na campanha de 2018, de que a China estava “comprando o Brasil”.

As palavras escolhidas tendem a corroborar uma fixação da direita raiz. Ao falar em “ocupação” da China na Ásia, África e América Latina, Lula pisa num terreno minado da atual disputa geopolítica, dando a impressão de ter embarcado na suspeita de que a China tem um projeto neocolonialista e de hegemonia mundial. Mesmo que seja o objetivo, o que Pequim nega, o caminho é tortuoso e incerto, como mostram as iniciativas globais do governo chinês.

Em campanhas eleitorais é mais fácil apelar para o medo que apresentar propostas. Não por acaso, Lula fez o alerta na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Discurso moldado para uma plateia supostamente preocupada com a perda de espaço para a China — embora grande parte do capital industrial tenha se beneficiado com o deslocamento da produção para a Ásia.

Não faz um mês, Ciro Gomes havia soado outro alarme sobre a China na mesma Fiesp. Segundo ele, a China tem “artefatos militares” na Venezuela “com mira em Manaus”. Juntando duas paranoias —China e ameaça à soberania da Amazônia — a afirmação é séria demais para ser lançada ao vento sem evidências.

Supõe-se que Lula e Ciro tenham mirado na China para acertar o eleitor mais à direita, que vê em Pequim um dragão com garras afiadas prestes a dominar o mundo. O medo pode até render votos, mas não substitui uma estratégia para lidar com a ascensão da China, o grande desafio geopolítico do século XXI. É verdade que os governos que antecederam Bolsonaro também foram incapazes de formular essa estratégia. Mas ele piorou a situação, criando atritos sem sentido com a China.

A relação “atabalhoada” gerou incerteza sobre o Brasil entre os interlocutores chineses e levou o país a perder “o status de seriedade”, diz o economista José Nelson Bessa Maia, ex-coordenador de mercados externos do Ministério da Economia. É preciso que o Brasil retome a relação com uma atitude propositiva, sugere, sem ficar satisfeito só com o crescimento do comércio exterior.

— Somos totalmente pautados pelos chineses — lamenta o economista.

O impacto chinês na desindustrialização do Brasil não é um caso isolado, faz parte de um fenômeno de reconfiguração das cadeias produtivas globais que não será revertido, diz Antônio Carlos Diegues, professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para adaptar-se a esse movimento, afirma, é preciso uma estratégia de Estado, não de governo, com foco em produtividade e inovação.

— Não dá para ignorar a realidade e voltar a um mundo em que a China não existia.

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