Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

“Nada na Constituição (dos EUA) impede um criminoso condenado de ocupar a Casa Branca. E, para a base de Trump, ele não é apenas um homem, mas um movimento. Quantos mais problemas ele enfrenta na Justiça, mais seus apoiadores o reverenciam. Na campanha, a expectativa é de que ele aproveite a imagem de ídolo fora da lei, usando a sua condenação para se retratar como um prisioneiro político e vítima de uma conspiração democrata”, escreveu o New York Times em seu artigo para a posteridade na edição histórica do jornal desta sexta-feira, com a manchete de "GUILTY" ("culpado", em português), em fonte gigantesca, ocupando todo o topo da capa do jornal.

Esse parágrafo do tradicional jornal nova-iorquino resume o impacto imediato da condenação de Trump por um tribunal do júri em Manhattan. O ex-presidente se tornou uma figura mítica para boa parte da população americana. Domina completamente o Partido Republicano, em que já enfrentou alguma resistência no passado, inclusive nas primárias até poucas semanas atrás. Logo depois da histórica condenação, senadores que conhecem bem o histórico criminoso de Trump saíram em sua defesa. Covardes e hipócritas, fortalecem ainda mais a imagem do primeiro ex-ocupante da Casa Branca condenado criminalmente. Mesmo Nikki Haley anunciou dias atrás que votará nele.

Apesar do sólido apoio entre republicanos, ainda é cedo para saber qual será o impacto no eleitorado como um todo. Trump depende do voto de eleitores independentes, que não integram sua base. A disputa presidencial deste ano, como sempre, tende a ser decidida nos chamados swing states, ou Estados pêndulos, como são conhecidos aqueles sem predomínio democrata ou republicano. Pesquisas indicam que Trump leva vantagem na maior parte deles. Na Geórgia, Arizona e Nevada, tornou-se um leve favorito. Biden, no entanto, pode seguir na Casa Branca caso vença em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, além dos estados onde é favorito. Qualquer movimentação pequena do eleitorado pode afetar o resultado.

Precisamos aguardar as pesquisas e também qual será o efeito da condenação no longo prazo. Se a pecha de criminoso pegar em Trump, ele pode enfrentar dificuldades na eleição. O precedente mais próximo é o da abertura de investigação sobre os e-mails de Hillary Clinton, em 2016, que certamente custou os votos de eleitores que já eram relutantes em votar na então candidata democrata. Aquilo, no entanto, ocorreu às vésperas das eleições. Estamos ainda no começo de junho, e uma série de eventos terá impacto até novembro, incluindo os debates, convenções e mesmo a sentença de Trump, além do julgamento de Hunter Biden.

O caso de Trump é inédito nos EUA, mas não no mundo. Uma série de ex-governantes já foram condenados em outros países. Nicolas Sarkozy, ex-presidente da França, foi condenado em 2021 por corrupção. Dez anos antes, o também ex-presidente francês Jacques Chirac foi alvo de condenação por crimes parecidos. Isso apenas para ficar na França. Coreia do Sul, Israel, Itália e mesmo Brasil, com Lula, viveram situações similares. O Peru possui uma coleção de ex-presidentes que foram presos.

O maior problema envolvendo o caso de Trump não diz respeito ao fato de ser ex-presidente. Uma condenação de Clinton, Bush ou Obama teria repercussão, mas com um impacto menor no futuro do país. A diferença no caso de Trump é a de ele ser o candidato republicano e líder nas pesquisas. Seus ataques à Justiça e a possibilidade de ser eleito podem sem dúvida afetar o futuro da democracia americana.

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