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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Uma lei que proibiu a venda de armas de fogo, peças avulsas de armamento e munição entrou em vigor no Estado do Rio há exatos 25 anos. Aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e sancionado pelo então governador, Anthony Garotinho, o texto limitava a venda desse tipo de produto a policiais, militares, bombeiros e empresas de segurança. Naquele dia 8 de junho de 1999, uma lei municipal também entrava em vigor, proibindo venda de explosivos e armas de fogo na capital fluminense. Mas, apesar de aprovadas com festa, as regras tiveram vida curta.

Garotinho disse que a lei tornava o Rio uma referência no combate à violência, mas fez uma ressalva: "A população precisa entender que a proibição da venda de armas não vai acabar com a criminalidade. Mas estamos iniciando um processo de reversão da violência. Tenho certeza de que o número de homicídios diminuirá", afirmou o então governador, esclarecendo que 70% dos homicídios no Estado do Rio eram cometidos com o uso de armas de fogo compradas de forma legal. Prefeito do Rio na época, Luiz Paulo Conde disse que a proibição era um "avanço na conscientização dos governos".

Pouco após a aprovação dessas leis no Estado e no município do Rio, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, enviara ao Congresso Nacional um projeto de lei de sua autoria que previa proibir a venda de armas de fogo em todo o território nacional. De acordo com o texto, os proprietários de armas que não pertencessem às forças de segurança seriam obrigados a entregá-las ao Estado.

Renan Calheiros, Anthony Garotinho e Luiz Paulo Conde, respectivamente, ministro da Justiça, governador e prefeito do Rio, em 1999 — Foto: Marcelo Carnaval/Agência O GLOBO
Renan Calheiros, Anthony Garotinho e Luiz Paulo Conde, respectivamente, ministro da Justiça, governador e prefeito do Rio, em 1999 — Foto: Marcelo Carnaval/Agência O GLOBO

A movimentação gerou indignação no setor de armamentos. O então relações públicas da Associação Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas (Anpca), Leonardo Arruda, disse que a entidade acionaria a Justiça para contestar a constitucionalidade das leis. "O problema da violência não é o comércio legal, e, sim, o contrabando, que crescerá com a proibição do comércio regular", disse Arruda. O diretor da Associação Nacional dos Fabricantes de Armas e Munições, Renato Conill, previu que até dez milhões de armas de cidadãos engrossariam o mercado clandestino, uma vez que eles vão tentar se livrar delas para não correrem o risco de serem flagrados em situação ilegal.

No Rio, muita gente correu para comprar armas antes que as leis estadual e municipal entrassem em vigor. Proprietário da loja Guns & Security, em Copacabana, Kilder Alvim criticou: "Quero saber se esses deputados que aprovaram o texto vão ser capazes de dar segurança à população", questionou ele. O empresário Claudio Albuquerque estava no estabelecimento em busca de munição extra para a pistola calibre 380 que tinha em casa, onde morava com a mulher a filha de 13 anos. "Quando os bandidos souberem que só eles estão armados, vão se sentir a vontade para praticar a violência", criticou ele.

As leis aprovadas na capital fluminense e no Estado do Rio ficaram apenas três meses em vigor. Em setembro de 1999, ambas foram derrubadas depois que o Partido Social Liberal (PSL) entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF, alegando que a fiscalização do comércio das armas de fogo, de acordo com a Constituição Federal, compete exclusivamente ao governo federal. A Corte acolheu a tese, suspendendo os dois textos. O projeto de lei de Fernando Henrique não avançou no Congresso.

O assunto continuou a mobilizar a política e a opinião pública. Em 2003, no início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente, o governo trabalhou para emplacar o projeto de lei o Estatuto do Desarmamento, que, após meses de tramitação, foi aprovado no Congresso e sancionado pelo petista. A lei, que restringiu a posse de armas pela população, previa ainda um referendo sobre a venda de armamentos. Então, em 2005, os brasileiros foram às urnas para responder: "O comércio de armas de fogo deve ser proibido no Brasil?". A maioria, 63%, disse que "não".

O tema voltou ao noticiário no governo de Jair Bolsonaro, que publicou decretos flexibilizando o porte de armas de fogo, confrontando o Estatuto do Desarmamento. Em 2022 o número de armas com registro ativo no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, chegou a 1,5 milhão, um crescimento de 47,5% em relação a 2019, primeiro ano de Bolsonaro na Presidência. Em 2023, já em seu terceiro mandato, Lula assinou um decreto revertendo as mudanças e restringindo de maneira significativa a permissão de compras de armas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs).

Policiais durante fiscalização em loja de armas de fogo no Rio — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O GLOBO
Policiais durante fiscalização em loja de armas de fogo no Rio — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O GLOBO
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