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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

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Havia um homem baleado na orla da Barra da Tijuca. Quando os policiais acionados para investigar o caso chegaram ao local indicado, perto do antigo quiosque Via 11, avistaram um carro parado na lateral da pista e, bem perto do veículo, encontraram Almir da Silva Rodrigues, estirado na areia da praia, coberto com seu próprio sangue. "Foi a Lou", disse o motorista de táxi de 25 anos. "Foi a Lou", repetiu ele, antes de não conseguir mais falar, devido aos tiros que abriram buracos na sua garganta. A vítima, então, foi levada em estado grave para o Hospital Miguel Couto, na Zona Sul do Rio.

Em meados dos anos 1970, a Barra da Tijuca era uma região pouco habitada. Naquela noite de terça-feira, dia 3 de dezembro de 1974, não havia quase ninguém no cruzamento da Avenida Sernambetiba (atual Lúcio Costa) com a Via 11 (atual Avenida Ayrton Senna), agora um local bastante movimentado.

Dias depois, o detetive Ubirajara dos Santos encontrou, na casa de Almir, uma gaveta com cartas e fotos de Maria de Lourdes Leite, estudante da Uerj que tinha sido sua namorada. O policial, então, levou o material ao quarto onde o taxista estava internado e obteve a confirmação que buscava. O rapaz não podia falar, mas, gesticulando, contou que, após ser chamado por Lou para um encontro, os dois foram de carro até a praia da Barra. Lá, eles pararam ao lado de um Volkswagen, de onde saiu um homem que atirou nele juntamente com a moça. Almir morreria um dia após fazer o relato.

Maria de Lourdes chega algemada ao 2º Tribunal do Júri, em 1975 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Maria de Lourdes chega algemada ao 2º Tribunal do Júri, em 1975 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

Quando Maria de Lourdes foi chamada à 16ª DP (Barra da Tijuca) para depor sobre o caso, houve uma grande surpresa. Ao se identificar, a mãe da estudante perguntou se a filha tinha sido convocada para falar sobre a morte de Vantuil, um outro ex-namorado da moça. Imediatamente, os policiais se lembraram de Vantuil de Matos Lima, assassinado menos de 13 dias antes de Almir. O corpo dele fora encontrado no dia 20 de novembro, a cerca de cem metros do local onde, no dia 3 de dezembro, Almir seria baleado. Não foi difícil para os detetives imaginarem que os dois casos estavam ligados.

Maria de Lourdes tentou negar a participação nos crimes, mas todas as versões dela dando conta de onde estava nos momentos dos assassinatos foram desmentidas pelas investigações. Até mesmo a cobertura da imprensa, que se debruçou sobre o caso, revelava testemunhas e pistas que apontavam a moça como a principal suspeita. Em entrevista ao GLOBO, dois amigos de Almir disseram que, horas antes de morrer, ele disse que sairia com a "filha do coronel", referindo-se a Maria de Lourdes, cujo pai era um oficial de alta patente do Exército (o Brasil estava em plena ditadura militar).

O GLOBO contratou até o detetive particular Bechara Jalkh, um dos investigadores mais conhecidos do país, para levantar informações. Foi ele quem achou uma testemunha chave do primeiro assassinato. Nelson do Espírito Santo trabalhava e dormia num trailer na Avenida Sernambetiba. Ele estava lá com as luzes apagadas, quando ouviu tiros. Ao abrir a janela, Nelson viu um homem de arma em punho que olhou para a testemunha e gritou: "Quer morrer também?!?". Vanderley Gonçalves, cartógrafo do Obervatório Nacional e então noivo de Maria de Lourdes, tinha acabado de executar Vantuil.

Almir Rodrigues e Wantuil Mattos: Vítimas do casal Van-Lou — Foto: Reprodução
Almir Rodrigues e Wantuil Mattos: Vítimas do casal Van-Lou — Foto: Reprodução

No início das investigações, o casal Van-Lou mantinha versões combinadas entre eles. De acordo com tais relatos, eles estavam em outros locais nos momentos dos crimes. Mas, diante de furos nos depoimentos, os dois romperam a relação e passar a trocar acusações. A moça entregou à polícia o revólver calibre 32 de seu pai que havia sido usado nos crimes. Ela disse que a arma fora emprestada a Vanderley. De acordo com a estudante, o cartógrafo de 33 anos decidira matar seus ex-namorados por ciúmes. Lourdes contou que o homem falava o tempo todo em "limpar o passado" dela.

Na versão da "filha do coronel", Vanderley queria se casar com ela, mas ficara decepcionado ao saber que Lou não era virgem. Segundo a estudante, o namorado não admitia que outros homens pudessem dizer por aí já haviam dormido com a sua mulher. E que, para se casar com ela, os ex-amantes teriam que morrer. O cartógrafo não mudou de ideia nem quando soube que Vantuil era pai de dois filhos. O cartógrafo negava sua participação, mas o depoimento de Nelson do Espírito Santo o desmentiu.

Lourdes confessou ter atraído as duas vítimas até os locais dos assassinatos. Mas à polícia ela contou que tinha sido enganada por Vanderley. O namorado teria dito que queria "conversar" com os dois e que, apenas por isso, a moça concordou em chamá-los para sair. Mas a versão não se sustentava diante das evidências. A investigação mostrou como, além de levar os ex-namorados para o encontro com a morte, a estudante atirou em ambos (duas armas foram usadas nos dois crimes). Foram dois assassinatos planejados de forma displicente e com um mesmo motivo fútil.

Van e Lou só foram julgados em janeiro de 1979, há 45 anos . Ela foi condenada a 20 anos de prisão, enquanto o Vanderley recebeu pena de 18 anos. Ambos conseguiram liberdade condicional em 1982.

O "caso Van-Lou" foi reconstruído no livro-reportagem "O caso Lou", do escritor Carlos Heitor Cony, lançado ainda em 1975. O episódio também serviu de inspiração para o filme "Beijo na boca", lançado em 1982, dirigido por Paulo Sérgio Almeida, com roteiro de Euclydes Marinho. E, em 2003, foi tema de uma edição do programa "Linha Direta Justiça", da Rede Globo, em 2003.

Local onde Vatuil de Matos foi morto, na Barra da Tijuca, em 1975 — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO
Local onde Vatuil de Matos foi morto, na Barra da Tijuca, em 1975 — Foto: José Vidal/Agência O GLOBO
Wanderley e Maria de Lourdes, afastados, no Tribunal de Justiça, em 1975 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Wanderley e Maria de Lourdes, afastados, no Tribunal de Justiça, em 1975 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Wanderley prestando depoimento no Tribunal de Justiça, em 1975 — Foto: Luís Alberto/Agência O GLOBO
Wanderley prestando depoimento no Tribunal de Justiça, em 1975 — Foto: Luís Alberto/Agência O GLOBO
Maria de Lourdes após conseguir benefício de liberdade condicional — Foto: Alcyr Cavalcante/Agência O GLOBO
Maria de Lourdes após conseguir benefício de liberdade condicional — Foto: Alcyr Cavalcante/Agência O GLOBO
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