Parecia o fim do mundo. Depois de chuvas torrenciais e muito alagamento, a Prefeitura de Tubarão, em Santa Catarina, estimava em centenas o número de mortos . Seus corpos iam sendo transportados por caminhões e enterrados às dúzias em valas comuns, depois de fotografados de frente e de costas, para posterior identificação. No hospital da cidade, foi registrado um caso de tifo, acendendo o alerta para o risco de um surto da temida doença, que muitas vezes acompanha desgraças desse tipo.
Havia mais de 60 mil pessoas desabrigadas na cidade de 70 mil habitantes, onde 95% das casas tinham sido afetadas pela cheia do Rio Tubarão. Algo em torno de 60% dos imóveis foram destruídos. Calculava-se em cinco anos o tempo até que o município recuperasse a aparência. Até hoje, décadas mais tarde, em meio às chuvas que caem sobre o Sul do Brasil, os mais velhos de Tubarão ainda se lembram do trauma vivido durante a pior enchente do século XX na cidade, em abril de 1974.
![Casa atingida pela cheia do Rio Tubarão, que gerou tragédia na cidade, em 1974 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/AlgiZNBExl6nQQvv5QvfuIDkMpA=/0x0:948x613/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/T/L/6mzcEGRemx9HDpd7sTfA/tuba.png)
Aqueles alagmanentos também deixaram a cidade, no Sul de Santa Catarina, sem água potável, energia elétrica ou qualquer comunicação com o exterior. O luto, a fome e a sede tinham se espalhado pelo município. O Exército, que havia tomado o controle de Tubarão, estabeleceu um toque de recolher e determinou a evacuação da cidade. Só poderiam ficar aqueles dispostos a ajudar no recolhimento dos cadáveres, tarefa dificultada pelo nível de lama que não parava de subir.
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Em Araranguá, não havia toque de recolher, mas os militares pediram para ninguém sair para a rua à noite, "sob pena de ser alvejado a tiros pelos policiais que guarnecem a cidade contra os saques dos flagelados". Eram tempos de ditadura, ninguém questionava a truculência da "recomendação".
Os desabrigados deixavam Tubarão caminhando nas margens da BR-101. Quem tinha recusos seguia para Florianópolis, enquanto os demais eram orientados para se dirigir a casas de veraneio de Laguna, colocadas pelo governo federal à disposição dos flagelados. Enquanto deixavam a cidade, passavam por combios de caminhão levando itens de socorro para Tubarão. Em dois dias, mais de 75 toneladas de agasalhos e mantimentos foram enviados ao município, para atenuar a tragédia.
![Fila para buscar mantimentos durante tragédia em Tubarão, em 1974 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/nmrfC0svjCZc3ZrMZiNMccqKxkg=/0x0:1055x659/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/1/d/isWdu0TOC444sbJtUCBw/tuba3.png)
Cerca de 50 bombeiros trabalhavam resgatando corpos e buscando sobreviventes, enquanto cerca de cem enfermeiras vacinavam as pessoas contra tifo, varíola e tétano. Mesmo com toda essa operação de ajuda, ainda faltava comida e imunizante para muitos desabrigados. O sofrimento era maior.
De acordo com o governo federal, as chuvas foram causadas por uma massa de ar polar que ficou seis dias estacionada sobre o sul do estado naquele mês de março. Os prejuízos foram bilionários. A BR-101 ficou destruída em 150km de extensão. Mais de 450km de rodovias estaduais apresentavam problemas, e muitas pontes tinha sido derrubadas. Em Criciúma, um dos municípios carboníferos da região, os trabalhadores das minas passaram semanas limpando e recuperando galerias alagadas.
Aquela foi a maior tragédia de Tubarão no século XX. Oficialmente, 199 mortos foram identificados, mas é certo que muita gente perdeu a vida como indigente. As chuvas, que haviam ganhado força no dia 24 de marçod e 1974, só pararam de cair no dia 27, quando o sol reapareceu.
![Voluntários prestam auxílio a vítimas da tragédia em Tubarão, em 1974 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/YG2vF8GXGwYrMvQitOp0MCDYEjM=/0x0:746x563/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/7/U/aeeVWtT1ALAoajACUX8A/tuba2.png)