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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Parecia o fim do mundo. Depois de chuvas torrenciais e muito alagamento, a Prefeitura de Tubarão, em Santa Catarina, estimava em centenas o número de mortos . Seus corpos iam sendo transportados por caminhões e enterrados às dúzias em valas comuns, depois de fotografados de frente e de costas, para posterior identificação. No hospital da cidade, foi registrado um caso de tifo, acendendo o alerta para o risco de um surto da temida doença, que muitas vezes acompanha desgraças desse tipo.

Havia mais de 60 mil pessoas desabrigadas na cidade de 70 mil habitantes, onde 95% das casas tinham sido afetadas pela cheia do Rio Tubarão. Algo em torno de 60% dos imóveis foram destruídos. Calculava-se em cinco anos o tempo até que o município recuperasse a aparência. Até hoje, décadas mais tarde, em meio às chuvas que caem sobre o Sul do Brasil, os mais velhos de Tubarão ainda se lembram do trauma vivido durante a pior enchente do século XX na cidade, em abril de 1974.

Casa atingida pela cheia do Rio Tubarão, que gerou tragédia na cidade, em 1974 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Casa atingida pela cheia do Rio Tubarão, que gerou tragédia na cidade, em 1974 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

Aqueles alagmanentos também deixaram a cidade, no Sul de Santa Catarina, sem água potável, energia elétrica ou qualquer comunicação com o exterior. O luto, a fome e a sede tinham se espalhado pelo município. O Exército, que havia tomado o controle de Tubarão, estabeleceu um toque de recolher e determinou a evacuação da cidade. Só poderiam ficar aqueles dispostos a ajudar no recolhimento dos cadáveres, tarefa dificultada pelo nível de lama que não parava de subir.

Em Araranguá, não havia toque de recolher, mas os militares pediram para ninguém sair para a rua à noite, "sob pena de ser alvejado a tiros pelos policiais que guarnecem a cidade contra os saques dos flagelados". Eram tempos de ditadura, ninguém questionava a truculência da "recomendação".

Os desabrigados deixavam Tubarão caminhando nas margens da BR-101. Quem tinha recusos seguia para Florianópolis, enquanto os demais eram orientados para se dirigir a casas de veraneio de Laguna, colocadas pelo governo federal à disposição dos flagelados. Enquanto deixavam a cidade, passavam por combios de caminhão levando itens de socorro para Tubarão. Em dois dias, mais de 75 toneladas de agasalhos e mantimentos foram enviados ao município, para atenuar a tragédia.

Fila para buscar mantimentos  durante tragédia em Tubarão, em 1974 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO
Fila para buscar mantimentos durante tragédia em Tubarão, em 1974 — Foto: Manoel Soares/Agência O GLOBO

Cerca de 50 bombeiros trabalhavam resgatando corpos e buscando sobreviventes, enquanto cerca de cem enfermeiras vacinavam as pessoas contra tifo, varíola e tétano. Mesmo com toda essa operação de ajuda, ainda faltava comida e imunizante para muitos desabrigados. O sofrimento era maior.

De acordo com o governo federal, as chuvas foram causadas por uma massa de ar polar que ficou seis dias estacionada sobre o sul do estado naquele mês de março. Os prejuízos foram bilionários. A BR-101 ficou destruída em 150km de extensão. Mais de 450km de rodovias estaduais apresentavam problemas, e muitas pontes tinha sido derrubadas. Em Criciúma, um dos municípios carboníferos da região, os trabalhadores das minas passaram semanas limpando e recuperando galerias alagadas.

Aquela foi a maior tragédia de Tubarão no século XX. Oficialmente, 199 mortos foram identificados, mas é certo que muita gente perdeu a vida como indigente. As chuvas, que haviam ganhado força no dia 24 de marçod e 1974, só pararam de cair no dia 27, quando o sol reapareceu.

Voluntários prestam auxílio a vítimas da tragédia em Tubarão, em 1974 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Voluntários prestam auxílio a vítimas da tragédia em Tubarão, em 1974 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
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