A Hora da Ciência
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A Hora da Ciência

Médicos e cientistas abordam diferentes aspectos da saúde.

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Quando falamos em aprendizados da pandemia de Covid-19, imaginamos que deveríamos estar mais bem preparados para uma próxima doença infecciosa viral. Principalmente se for causada pelo vírus da gripe do tipo influenza, afinal era o que esperávamos quando um coronavírus nos pegou “de surpresa”. Os influenza são mais conhecidos: já temos vacinas para gripe que são atualizadas todo ano. Já passamos por diversas epidemias de gripe, com vírus que saltaram de criações animais para humanos, como a gripe suína de 2009, e a gripe aviária de 1997.

Esta última foi causada por uma versão mais antiga do vírus que atualmente circula pelo mundo, com capacidade de infectar diferentes animais: o H5N1. A familiaridade, no entanto, pode gerar uma falsa sensação de segurança. Precisamos resistir a isso. O H5N1 por enquanto não representa ameaça para humanos. Também por enquanto, é baixo o risco de que venha a causar uma pandemia.

Mas “por enquanto” é isso, uma situação provisória. Não se deve ignorar que o vírus se espalhou pelo planeta, chegando a todos os continentes e afetando gravemente espécies de aves silvestres e mamíferos marinhos, de uma forma nunca vista. Dados de 2024 mostram que o H5N1 já matou mais de 24 mil leões marinhos na América do Sul, e mais de 17 mil filhotes de elefantes marinhos. Cerca de 90 mil aves de criação já foram abatidas desde 2020, na tentativa de contê-lo. O fato de o vírus ser capaz de infectar tantos animais diferentes acende um sinal de alerta.

Recentemente, foi encontrado em gado leiteiro nos EUA, o que traz uma preocupação extra: o contato próximo com seres humanos que trabalham diretamente com as vacas. Isso poderia facilitar a contaminação de trabalhadores rurais, e adaptações do vírus que possibilitariam infectar células humanas. Outro fator de preocupação é a falta de monitoramento consistente e frequente no gado.

Alguns pesquisadores apontam que, de todos os animais de criação, gado é o que menos queremos como reservatório animal de um vírus com potencial pandêmico. O contato com os trabalhadores rurais é muito próximo, e o produtor vai relutar em abater rebanhos inteiros para controlar doença: são animais muito mais caros do que frangos ou visons.

Algumas estratégias úteis para monitorar coronavírus, como testagem de esgotos, podem não adiantar muita coisa para um vírus que por enquanto está se espalhando mais em áreas rurais, pelo menos nos EUA. Acreditar que, porque já fazemos anualmente vacinas para gripe, seria rápido e fácil produzir uma vacina eficaz para o novo H5N1 também pode ser enganoso.

Nesta fase do “por enquanto”, o que pode realmente ser feito? Em primeiro lugar, monitorar e testar rebanhos e trabalhadores rurais, não ficar esperando a doença se anunciar. Segundo, considerar a possibilidade de já ir vacinando rebanhos e trabalhadores rurais, diminuindo a probabilidade de o vírus acumular mutações e adquirir a capacidade de se replicar e se transmitir entre humanos. Finalmente, investir em uma vacina mais moderna, de mRNA, que seja mais fácil e rápido de produzir em escala, caso necessário. E todas estas ações precisam ser muito bem comunicadas ao público, com transparência e didática, para gerar uma relação de confiança a cada passo. Senão, teremos novamente problemas de desinformação ou informação incompleta circulando sobre testagem, gravidade da doença e vacinas.

O que não podemos ter é uma epidemia estilo eterno retorno, como bem descreveu a diretora do Centro de Pandemias da Universidade de Brown, nos EUA, Jennifer Nuzzo: “Estamos travados em modo reativo! Não deveríamos ficar esperando evidência de que o vírus já é devastador, deveríamos agir para impedir isso”.

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